"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 13 de abril de 2014

Francisco e as mudanças na Igreja Católica



Frei Betto

 
 


A inesperada renúncia do Papa Benedito XVI surpreendeu ao mundo, especialmente aos fiéis católicos. Há 600 anos que um Papa não renunciava. Foi um gesto de humildade de quem entendeu que não podia seguir no timão do barco de Pedro nos mares agitados dos escândalos: pedofilia, corrupção no Banco do Vaticano, rede de prostituição masculina que implicava a seminaristas em Roma, redução do número de católicos no Ocidente etc.

Se elegeu ao cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio. Ele havia sido o segundo mais votado no conclave que entregou as chaves de Pedro em mãos do Cardeal Ratzinger.

Surpreendeu também o nome adotado pelo cardeal Jorge Mario Bergoglio: Francisco. Nunca antes um Papa havia rendido uma homenagem ao santo de Assis [1182-1226], considerado a maior celebridade no último milênio. Da mesma maneira que nunca um Papa se fez chamar Pedro II nem tomou os nomes dos evangelistas Mateus e Lucas.

Quem é Jorge Mario Bergoglio? Um sacerdote da Companhia de Jesus, cuja vida se caracterizou por ocupar funções de governo entre os jesuítas, o que o projetou ao episcopado. Não há evidências de que Bergoglio tenha procedido como tantos sacerdotes e bispos argentinos que deram apoio explícito à ditadura militar [1976-1983], responsável pela morte de mais de 30 mil cidadãos e pelo sequestro e desaparecimento de aproximadamente três mil bebês, filhos de supostos terroristas.

Bergoglio nunca se destacou por denunciar violações de direitos humanos cometidas pelos militares, como o fizeram os bispos Novak e Angelelli; este último morreu num acidente de tráfico, em 1976, que muitos creem tenha sido provocado pelos militares. O superior dos jesuítas argentinos e atual Papa preferiu atuar detrás dos bastidores a favor dos perseguidos.

Bergoglio é doutrinariamente conservador. Não se espere dele que admita a união civil dos homossexuais e o fim do celibato obrigatório. No entanto, a eleição do nome de Francisco simboliza quatro dimensões características do santo de Assis:
  1. A crítica do sistema produtivo que gera desigualdades sociais. Até o século XIII, na Europa, a pobreza andava em meio a guerras e pestes. Toda família, ainda estando submetida à servidão, tinha sua parcela de terra para cultivar alimentos e criar uns poucos animais que lhe garantia o sustento.

Bernardone, pai de Francisco, introduziu, graças à manufatura, a produção em série de têxteis, cujas tinturas importava da França [o que lhe levou a homenagear no filho a nação estrangeira, batizando-o como Francisco: aquele que vem da França].
O novo sistema de produção barateou os têxteis, conduzindo à miséria e ao desemprego numerosos artesãos do ramo têxtil.
  1. A opção pelos pobres [fundamento da Teologia da Libertação]. Francisco, quando se encontra com os pobres gerados pelas novas relações de produção, arranca suas próprias roupas fabricadas por seu pai e, nu na praça de Assis, manifesta seu rechaço ao capitalismo nascente e sua adesão à defesa dos direitos dos pobres.
  2. O amor pela natureza. Francisco é o santo padroeiro da ecología. Se destacou pelo amor aos animais e por seus cânticos amorosos para o Sol e a Lua.
  3. A reforma da Igreja. Francisco escutou na capela de São Damião que Jesus o convocava para reconstruir a igreja que estava em ruínas. Com efeito, nas cercanias de Assis havia uma igreja em ruínas, a Porciúncula [agora dentro da catedral]. Ele e seus amigos se propuseram reconstruí-la. Até que entenderam que o chamado de Jesus tinha um significado muito mais amplo: o de reconstruir a Igreja Católica, então distante do povo e identificada com a nobreza europeia.
Se o Papa Francisco, ao adotar esse nome, também pensou em Francisco Xavier [1506-1552], o santo jesuíta que predicou o Evangelho aos orientais, então o nome do novo pontífice expressa todo um programa de renovação da Igreja Católica, começando pela reforma da Cúria Romana, pela formulação de uma nova moral sexual e por uma nova evangelização que implemente as propostas do Concílio Vaticano II, como o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, admitindo que também fora da Igreja há salvação.
O fato é que, em menos de um ano de pontificado, Francisco reforma o papado, despojando-lhe de pompas e símbolos nobres; cria uma comissão de oito cardeais para que o assessorem na condução da Igreja, castiga os sacerdotes e bispos corruptos, combate a homofobia, autoriza o batismo para filhos de mães solteiras e se posiciona em favor dos pobres.

Francisco e a economia de mercado

Francisco divulgou em 26 de novembro de 2013 o documento “Alegria do Evangelho”, no qual expõe claramente seu ponto de vista. Sua voz profética incomodou a CNN, poderosa rede de comunicação dos Estados Unidos, que lhe concedeu a “Medalha de Papelão”, destinada para aqueles que, em matéria econômica, falam besteiras...

Quais são as “besteiras” pronunciadas pelo Papa Francisco? Julgue o leitor: “hoje temos que dizer ‘não a uma economia da exclusão e da iniquidade’. Essa economia mata. Não pode ser que não seja notícia que morre de frio um ancião congelado e que o seja a queda de dois pontos na bolsa de valores. Isso é exclusão. Não se pode tolerar mais que se desperdice comida quando há gente que passa fome. Isso é iniquidade.

Hoje, tudo entra do jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso devora o mais fraco. Como consequência desta situação, grandes massas da população se veem excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem horizontes, sem saída.
Se considera ao ser humano em si mesmo como um bem de consumo, que se pode usar e depois jogar fora. Demos início à cultura do ‘descarte’ que, ademais, se promove. Já não se trata simplesmente do fenômeno da exploração e da opressão, mas sim de algo novo: com a exclusão, fica afetado em sua própria raiz o pertencimento à sociedade na qual se vive, pois já não se está nela abaixo, na periferia, ou sem poder, senão que se está fora. Os excluídos não são ‘explorados’ mas sim descartados, ‘excedentes’.
Ademais, Francisco condena a lógica de que o livre mercado pode, por si mesmo, promover a inclusão social: “Esta opinião, que jamais foi confirmada pelos fatos, expressa uma confiança grosseira e ingênua na bondade dos que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico imperante.
Enquanto isso, os excluídos seguem esperando.

Para poder sustentar um estilo de vida que exclui aos outros, ou para poder entusiasmar-se com esse ideal egoísta, se desenvolveu uma globalização da indiferença. Quase sem advertir para isso, nos tornamos incapazes de compadecer-nos ante os clamores dos outros, já não choramos ante o drama dos demais nem nos interessa cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade alheia que não nos incumbe.

A cultura do bem-estar nos anestesia e perdemos a calma se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas essas vidas frustradas pela falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que de nenhuma maneira nos altera”.

O Papa destaca que os interesses do capital não podem estar acima dos direitos humanos: “Uma das causas desta situação se encontra na relação que estabelecemos com o dinheiro, já que aceitamos pacificamente seu predomínio sobre nós e nossas sociedades. A crise financeira que atravessamos nos faz esquecer que em sua origem há uma profunda crise antropológica: a negação da primazia do ser humano!

Criamos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro [cf. Ex 32,1-35] encontrou uma versão nova e impiedosa no fetichismo do dinheiro e na ditadura da economia sem um rosto e sem um objetivo verdadeiramente humano. A crise mundial que afeta as finanças e a economia traz à luz seus desequilíbrios e, sobretudo, a grave carência de sua orientação antropológica que reduz o ser humano a apenas uma de suas necessidades: o consumo”.

Sem citar o capitalismo, Francisco defende o papel do Estado como provedor social e condena a autonomia absoluta do livre mercado:
Enquanto os lucros de uns poucos crescem exponencialmente, os da maioria ficam cada vez mais distantes do bem-estar dessa minoria feliz. Este desequilíbrio provém de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e da especulação financeira. Daí que neguem o direito de controle dos Estados, encarregados de zelar pelo bem comum.

Se instaura uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de forma unilateral e implacável, suas leis e suas regras. Ademais, a dívida e seus interesses distanciam os países das possibilidades viáveis de sua economia e aos cidadãos de seu poder aquisitivo real. A tudo isso se acrescenta uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais. A obsessão de poder e de ter não conhece limites. Neste sistema, que tende a faturar tudo de maneira a acrescentar benefícios, qualquer coisa que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa ante os interesses do mercado divinizado, convertidos em regra absoluta”.

Enfim, um profeta que põe seu dedo na ferida, porque ninguém ignora que o capitalismo fracassou para dois terços da humanidade: 4 bilhões de pessoas que, segundo a ONU, vivem abaixo da linha de pobreza.

- Frei Betto é escritor, autor de "La Mosca Azul - Sobre Reflexión el poder" (Ocean Sur, México, 2009; Ciencias Sociales, La Habana, 2012 ) , entre otros libros.

Fonte:- - - Servicio Informativo "Alai-amlatina" - - -

Tradução: Joaquim Lisboa Neto