"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A vietnamização da guerra na Colômbia

Pablo Catatumbo - Integrante do Secretariado das FARC-EP
Fonte: ANNCOL



Em meados de agosto de 1964, no aeroporto principal da militarizada cidade de Saigon, pousou um moderno avião militar Boeing de bandeira norteamericana. Aos poucos minutos depois de desligar os motores, desceu pelas suas escadas, o General Willian C. Westmoreland, acompanhado por seu ajudante de ordens, Robert Komer, que foi fundador da CIA e responsável pelo desenvolvimento da operação FENIX. Atrás deles desceu um numeroso séquito de militares da escolta que, pela primeira vez pisavam o solo do Vietnã do Sul.

Westmoreland era um tipo impressionante com quase dois metros de altura, loiro, saxão, nariz de águia, e olhos de cor azul intenso, quase chumbo metálico. O general Westmoreland era o enviado do presidente Lyndon B.Johnson e fora incumbido pelo Pentágono para assumir o comando supremo do contingente militar. Sua missão: aumentar a escalada militar norteamericana no Vietnã.

Uma intromissão militar que fora iniciada em 1961 sob o manto de um obscuro tratado de “colaboração” com o governo pró-católico de Ngo Dinh Diem, um governante marionete, imposto por Washington para que, seguindo as ordens da Casa Branca, se negasse a reconhecer o tratado de paz acordado em Genebra em 1954 com os franceses e que obrigava o governo do Vietnã do Sul a realizar eleições gerais e assim definir a reunificação do Vietnã numa só nação.

Em fins de outubro de 1963, depois de permanecer no poder por nove anos, Diem já não servia mais aos planos do império, seu governo ficou impopular, e se converteu em ditador. Negava-se a cumprir as ordens de Washington que exigia sua renuncia. Tentou a reeleição e se transformou num empecilho aos interesses dos EUA.

O que aconteceu depois, em 1º de novembro desse mesmo ano, foi um golpe militar orquestrado pela CIA, com a aprovação do presidente John Fitzgerald Kennedy, no qual foram assassinados Diem e seu irmão, Ngo Dinh Nhu, que também era seu terratenente. Anos depois, o experiente Chefe do escritório da CIA em Saigon, Lucien Conein, ao apresentar um relatório ao senado, escreveu: “Eu fui parte integrante de toda a conspiração”.

Seu assassinato produziu um crescente clima de desestabilização política e luta de poder que, em um ano, produziu nove juntas militares até que, ao ser substituída, foi instalado outro fantoche que cumpriria as ordens: Nguyen Van Thieu.

A chegada de Westmoreland foi precedida de diversas artimanhas: duas semanas antes da sua chegada ao Vietnã, a CIA tinha montado o pretexto para justificar a invasão. Segundo Washington, nos primeiros dias de agosto de 1964, lanchas torpedeiras do Vietnã do Norte atacaram dois destróieres da marinha norteamericana no Golfo de Tonkin que, provocadoramente e sem aviso prévio, navegavam em águas do Vietnã do Norte (Anos depois a Casa Branca reconheceria oficialmente que o ataque nortevietnamita nunca acontecera e que tudo se tratava de uma operação encoberta da CIA). Esse foi o subterfúgio inventado para poder agredir o Vietnã do Norte.

Os EUA – como já dizemos – iniciaram sua intervenção militar em 1961 enviando primeiro um punhado insignificante de assessores militares (600), que já no ano seguinte eram mais de 11 mil soldados dos quais 90% era de agentes e analistas da CIA. Esses números foram aumentando com a chegada de soldados de infantaria, marinha e força aérea, até atingir a descomunal quantia de 541 mil invasores no auge de uma das guerras mais infames criadas pelo Império dos EUA contra uma nação do terceiro mundo. A chegada deste General marcou o inicio dessa etapa e o ascenso de mais um degrau da escalada da guerra naquele longínquo país do sudeste asiático.

Westmoreland foi o responsável de pôr em prática e pelo desenvolvimento de uma espécie de PLANO PATRIOTA cuja meta estratégica era impedir a autodeterminação do Vietnã do Norte como nação independente e submeter esse país sob a palmatória norteamericana.

Foi ele que, em meados de 1965, deu inicio aos infindáveis bombardeios inescrupulosos com gigantescos B-52, recentemente incorporados à Força Aérea norteamericana, sem poupar esforços utilizando as centenas de recursos do arsenal terrorista que os EUA possuíam, para subjugar a vontade dos povos que lutam pela sua independência: bombas de 5.000 kg de TNT, de NAPALM, do chamado Agente Laranja, bombas com vírus da Varíola Negra, bombas químicas e desfolhantes, bombas incendiárias de fósforo branco, etc.

Estes bombardeios se prolongaram ininterruptamente por anos, produzindo quase dois milhões de mortos e 3 milhões de feridos, a maioria deles entre a população civil, 12milhões de refugiados e a destruição de quase a totalidade da infraestrutura elétrica, ferroviária, represas, aquedutos e edifícios públicos desse país.

Em 1966, o presidente Lyndon B. Johnson – que já começava a advertir seu fracasso – com a aprovação do Pentágono, ordenou minar com explosivos de alta potência todos os portos do Vietnã do Norte, especialmente o porto de Haiphong, com o propósito de impedir o reabastecimento de água e alimentos, sem conseguir alcançar seu objetivo estratégico de subjugar a vontade de luta desse país.

E assim, por mais dois anos continuou Westmoreland até que, no começo de 1968, devido aos contínuos reveses no campo de batalha e a suas constantes falsificações dos resultados da guerra (como quando afirmou numa entrevista à imprensa que a ofensiva do Tet tinha sido um fracasso), ao mesmo tempo em que a imprensa independente e a televisão mostravam imagens da embaixada dos EUA em Saigon sendo assaltada e em chamas, dezenas de milhares de mortos e mais de cem objetivos militares atacados pelo Vietcong, obrigou a sua substituição e teria que passar para a História como um dos tantos genocidas e carniceiros fracassados que essa guerra teve.

Westmoreland foi substituído por um quase anônimo, incompetente e pouco relevante colega: o General Creighton Abrams, que continuou fazendo o mesmo, com mais intensidade e com a mesma ineficácia.

Os norteamericanos, finalmente, foram derrotados em 1975, pagando um custo altíssimo em bilhões de dólares desperdiçados (686 bilhões de dólares), 58 mil soldados mortos reconhecidos oficialmente, 587 prisioneiros de guerra, mais 200 mil soldados feridos, mutilados, deficientes ou inválidos e a vergonhosa afronta política de ter sofrido sua primeira derrota militar numa guerra internacional, por um diminuto país quase esquelético e sem maiores recursos.

Tudo isto aconteceu há algum tempo, é verdade, e num país muito distante. Mas hoje em dia é quase universal a aceitação de que essa intervenção norteamericana não só foi uma infâmia, mas também um tremendo erro político e militar.

O paralelo é válido, guardadas as devidas proporções de tempo, forma e lugar, com o que acontece agora na Colômbia, pois estamos prestes a repetir a história. E a lição também.

Qual era a tese norteamericana para justificar sua intervenção nessa guerra?

Alegavam a defesa da “democracia ameaçada”: “Os vietnamitas devem ser esmagados porque são comunistas”, vociferavam aos quatro ventos os José Obdulio daquela época. “Ho Chi Min é uma marionete e um instrumento de Moscou”, asseguravam.

Imediatamente, e como agora, recorreram à invenção de uma falácia: A teoria do ‘efeito dominó’, segundo a qual, se os EUA não interviessem para impedir, todos os países do sudeste asiático, inexoravelmente cairiam um a um ‘como peças do dominó’, nas garras do totalitarismo e do comunismo.

Isso fazia que fosse indispensável e necessário o sacrifício e a matança desse povo; era uma guerra “libertária”, segundo diziam, pois se tratava de salvar a humanidade da “escravidão”; e era também uma invasão “humanitária”, pois se tratava de levar a “civilização”, ameaçada por “demônios do mal” daquela época, o eixo Moscou-Pequim.

Assim, com essas especulações repetidas mil vezes, e por todos os meios, o caminho ficou limpo e justificado para começar a guerra de extermínio contra o povo do Vietnã.

E o que dizia a propaganda oficial naqueles tempos, quando se desenrolava a guerra no Vietnã, em relação às FARC?

Que as FARC éramos agentes financiados pelo ouro de Moscou e instrumentos da política externa de Havana, no afã de exportar a revolução. Jamais fomos nem um nem outro.

E o que dizem agora?

Que já não somos mais comunistas nem revolucionários, que abandonamos as idéias socialistas e que agora somos narcotraficantes e terroristas.

Muitos dirão que tudo isto são histórias passadas, mas algo muito parecido está acontecendo na Colômbia. Em nosso país, também existe uma guerra. Uma guerra de marcadas características políticas e sociais, que já leva mais de meio século. Uma guerra que não surgiu por geração espontânea nem foi inventada pela insurgência. Uma guerra que as oligarquias deste país impuseram como repressão ao povo pobre e que surgiu como defesa e resposta legitima das massas camponesas contra a decisão política de uma elite opulenta e de rapina, criminosa e mafiosa, que decidiu impor, por cima de toda consideração, sua dominação plutocrática a sangue e fogo.

Há 21 milhões de pobres e 9 milhões de colombianos na pobreza absoluta, segundo estatísticas oficiais, 66% dos quais se encontram dentro da população rural, 4 milhões de deslocados por força do terror Estatal – paramilitar num país de 45 milhões de habitantes e o desonroso recorde de ser, depois do Haiti, o país com maior índice de desigualdade da América Latina, já é eloquência suficiente.

Não se trata de forçar um paralelismo dentre duas situações que têm obvias diferenças políticas, territoriais e históricas, mas sim para chamar a atenção sobre algumas semelhanças.

No que se parece a invasão imperialista contra o povo do Vietnã com a que se apressam em desenvolver agora contra o povo da Colômbia?

Sobretudo nos métodos de impor esta guerra; na mentira e nos pretextos para justificá-la; e na desculpa para dar credito à invasão, nos costumes de guerra suja, de impunidade, de deslocamentos forçados, de repovoamento de regiões, técnicas de guerra psicológica, propaganda negra e desinformação. É ai onde se encontram as coincidências e semelhanças.

Segundo declarações posteriores de Henry Kisinguer, conselheiro pessoal em assuntos de segurança do presidente Richard Nixon e outros assessores militares norteamericanos, incluídas a do próprio general Westmoreland já no ocaso da vida, desde o começo da primavera de 1968, o governo norteamericano havia chegado à conclusão de que a guerra no Vietnã não podia ser ganha por meios militares e que era necessário buscar uma saída negociada.

Mesmo os EUA terem chegado a essa conclusão, persistiram no seu esforço criminoso e, ao mesmo tempo em que iniciaram conversações de paz em Paris, sem nenhuma intenção de alcançar um acordo, aumentaram os bombardeios massivos com os B-52 contra o Vietnã do Norte e entenderam a guerra ao Camboja e ao Laos, utilizando como pretexto um golpe de Estado protagonizado por um fanático fascistóide chamado Long Nol, contra o Príncipe Norodon Siahanuka a quem acusavam de cúmplice de Hanói.

Quantos norteamericanos e vietnamitas morreram depois desta conclusão? Aqui na Colômbia também está acontecendo o mesmo.

Muitos colombianos e patriotas têm chegado a essa mesma conclusão, mesmo apesar de que alguns intelectuais vendidos, (venais), enviem as coisas rapidamente, não por ignorância mas por parcialidade ou para não perder o emprego, argumentando que não cabe comparação, porque lá no Vietnã “era uma guerra no contexto da guerra fria”, afirmam e, agora trata-se de acabar com o “narcotráfico” e o “terrorismo”, deixando de lado a realidade e torcendo o pescoço para a verdade do que realmente acontece.

Quantos colombianos a mais terão que morrer por essa bruta obstinação do militarismo e dos militaristas?

Nunca na história da Colômbia um governo tinha ido tão longe, nem tinha se atrevido a tanta baixeza como o atual na sua condição de servo do império, para afundar o país em semelhante degradação moral e de violação de todos os grandes princípios pelos que lutaram os pais e fundadores desta nação.

Nunca uma guerra contra o povo tinha sido mais cínica, apátrida, pérfida e criminal como esta que os norteamericanos vêm a incrementar, pois não será este governo apátrida, mas sim toda a nação, que fraudulenta e enganosamente, deixou em suas mãos os destinos do país neste estágio da sua história, a que pagará as consequêcias.


Outubro de 2009