"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

"Eu ouvi as últimas palavras de Mono Jojoy"

Reaparece Tanja, a holandesa das FARC. "Eu ouvi as últimas palavras de Mono Jojoy"

No ano que entra (2012), a holandesa Tanja Nijmeijer completará uma década nas FARC e, em fevereiro, terá 34 anos de idade. Já escapou da morte sete vezes, a última dela em 20 de setembro de 2010, quando trinta toneladas de bombas caíram sobre o acampamento de Mono Jojoy.

Por: Jorge Enrique Botero

"Eu vivia a 25 metros do bunker do camarada Jorge", relata quinze meses depois daquela estrondosa madrugada. Tanja tem em suas mãos um exemplar da revista Semana, que relata a morte de Alfonso Cano; um moderno Mac Book Pro a sua frente e um livro de título "Marulanda e as FARC" para principiantes. Ela explica que está traduzindo o livro para o inglês.

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"Nos sentimos orgulhosos de que nosso Comandante tenha morrido em combate", afirmou Tanja sobre a morte do Mono Jojoy.

Com dez anos de monte, ela é tradutora e professora; já carregou nas costas muita comida pelos labirintos da Serrania de La Macarena; já cruzou a pé pelo menos cinco departamentos da Colômbia: Meta, Cundinamarca, Caquetá, Guaviare e Vichada; já perdeu a conta dos combates dos quais participou e dos bombardeios que já esquivou. Pôs bombas em Bogotá para pressionar o pagamento dos impostos que cobra a guerrilha e perdeu seu diário em um assalto do Exército em 2005.

Havia escrito que estava cansada no monte, que não suportava mais a soberba de certos comandantes e a falta de cigarros. Se disse que haviam feito conselho de guerra e por pouco a fuzilaram. Mas em 2010 reapareceu desafiando o Exército. "Se estão pensando que estou aqui contra a minha vontade, venham me buscar. Aqui os espero com minha AK, com morteiro, com tudo".

Personagem midiático na Holanda, Nirjmeijer desatou calorosas polêmicas nos jornais e na televisão de seu país. Na semana passada, foi transmitido o primeiro capítulo de uma telessérie argumentativa sobre a sua vida, rodada em sua cidade natal Denekamp, na fronteira com a Alemanha, e em regiões da selva do Equador.

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"A morte é algo normal em uma guerra", disse Tanja enquanto abria a revista em que se anunciava a morte de Alfonso Cano. Este é seu testemunho do ocorrido no dia que Mono Jojoy morreu sobre uma chuva de bombas: 

Os dias transcorriam com tranquilidade, nós estávamos trabalhando normalmente. O Mono Jojoy nos dava conferências na aula pela manhã, e às vezes à tarde também. 
Lembro-me que no dia antes do bombardeio havíamos visto um filme colombiano, Retratos de Mentiras, ou algo assim. Trabalhávamos sobretudo fazendo trincheiras, pois havia muitos voos da aviação. Da extrema esquerda à extrema direita do acampamento se escutava muito chumbo, mas Mono dizia que não iria sair dali. Estava dirigindo as batalhas pessoalmente. Precisamente por esses dias, haviam chegados os cigarros e nós fumantes andávamos contentes.

Nesses dias, a diabetes tinha deixado Mono bastante mal. Estava muito enfermo, no entanto nunca se deixava diminuir pela enfermidade. Recebia os comandos, fazia reuniões de comando e nos dava as orientações. Pelas tardes, dedicava-se à orquestra que havia criado uma semana antes. A orquestra chegava até a sua oficina, e ali se dedicavam a compor e a ensaiar novas canções. Ele escutava e cantava. De minha barraca, eu o ouvia cantar todas as tardes.

Também andava pelo acampamento, mas se notava o esforço fazia. Movia-se para todos os lados com uma cadeira dessas de plástico. Chegava no rancho e colocava sua cadeira e ali sentava a sacanear a gente; ia para outro lugar e outra vez sentava a se divertir. Porém tudo isso era dentro do acampamento, porque ele já não podia marchar. Durante a última marcha que fizemos, em junho de 2010, ele foi carregado na rede. Lembro-me que, quando chegamos ao nosso destino, eu fiquei esperando que ele passasse e me dei conta que estavam carregando ele na rede e isso me impressionou muito, não só porque era o Comandante, mas porque havíamos cruzado os terrenos mais impossíveis e perigosos ao seu lado. Senti muita dor vê-lo na rede. Quando passou por onde eu estava, seguro ele se deu conta do meu assombro e levantou o punho e gritou para mim: "vamos para a Copa, Holanda!", pois estávamos nas semifinais do mundial de futebol.

Nas semanas anteriores ao bombardeio, com muita frequência fazíamos simulacros nas trincheiras. Mono havia nos anunciado que viriam bombardeios massivos contra a Serrania de La Macarena, assim que os ensaios se tornaram permanentes. Você se deita, de repente chamam e você se mete o mais rápido possível na trincheira com fuzil e colete. Na noite anterior ao bombardeio fizemos essa manobra três vezes.

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Tanja, em sua "oficina" na profundidade da selva, faz traduções de documentos das FARC em inglês. 

Na tarde de 20 de setembro havíamos tido uma reunião dos secretários. Deitei-me, houve um ensaio de trincheira, voltei a deitar e levantei-me mais tarde para cumprir a missão de vigia. Nessa noite fiquei com o terceiro turno, de dez às doze horas da noite. Durante o turno, tudo estava normal. Passou um avião, mas tudo estava normal. Deitei-me às doze horas e às duas da manhã uma bomba me despertou. Ainda que não houvesse caído muito perto de minha barraca, a bomba me despertou e eu me meti em uma trincheira, com cobertor e tudo, mas sem botas, porque depois da primeira caíram mais três, uma depois da outra. Depois fez-se um curto silêncio e eu saí da trincheira, pus as botas, o colete e o fuzil e voltei a me esconder na trincheira com raiva, pois não pude encontrar minhas lentes de contato. De repente começou o bombardeio massivo. 
Desde o começo notou-se que todo o fogo estava concentrado no bunker do camarada Jorge. Esse bunker ficava cerca de vinte e cinco metros da nossa esquadra. Todo o fogo foi concentrado ali, as primeiras descargas das bombas. Entre bomba e bomba, eu tratava de ver mas não se via nada, só escutava-se o cacarejar de uma galinha ferida. Quando passou o bombardeio massivo contra a barraca do Camarada, começaram a bombardear as esquadras; da última descarga de bombas eu nunca vou duvidar porque uma caiu a uns quatro ou cinco metros de minha barraca.

Entre descarga e descarga nós escutávamos Mono gritar. Ele permaneceu vivo depois das primeiras bombas. Chamava Quino, seu oficial de serviço, que também morreu nessa madrugada, e lhe dizia: "Quino, retire daqui todo o pessoal"! Essas foram as últimas palavras de Mono. Ali está pintado ele: Quino, retire o pessoal!...

Depois das últimas bombas, eu estava um pouco surda. Tinha o corpo dormente da cintura para cima. As mãos, os braços, tudo formigava. Na trincheira fazia um calor insuportável, então tirei a cabeça para fora da trincheira e pensei em pegar minhas coisas, a minha mochila, e aí me dei conta de que já não havia nada. Aonde estava minha barraca já não havia nada. Um pau grande e negro havia caído em cima. Tirei a cabeça um pouco mais e vi a barraca do Mono. Ela parecia, -como eu disse- um pasto, um cultivo: já não haviam árvores, não havia matas, tudo ficou arrasado. Tudo estava negro e se viam chamas por aqui e por lá...

Quando saí da trincheira disse: menos mal, tenho meu fuzil e tenho meus coletes, assim que nós vamos. O comandante de minha esquadra estava nos chamado todos e nós respondíamos, assim que se deu a ordem: Vamos saindo, rapazes! Começamos a subir por uma serrania. Éramos 17, o bombardeio já havia passado mas então chego a hora de nos metralhar. Seguimos subindo por uma hora e meia até que coroamos a serrania, e ali me pus debaixo de uma rocha. Peguei minhas lentes de contato, coloquei-as e por fim me senti pronta para o combate. Uma parte da esquadra voltou para pelejar. Tratavam de impedir que o Exército desembarcasse no acampamento, enquanto isso nós nos dedicávamos a evacuar os feridos, a sacar a comida e a munição... Gastamos quase todo o dia nisso.

Nos dias seguintes, nunca saímos da área de combate. Escutávamos os aviões, escutávamos os combates, e quase não ouvíamos rádio. Estávamos dedicados a tarefas militares. Nas explorações às vezes encontrávamos panfletos que diziam: "Morreu o terror de La Macarena, Alfonso Cano já está pensando, e você, o que vai fazer?". Nós dávamos risadas. Os que distribuíam os panfletos esqueceram que nós guerrilheiros temos uma senha: não se chora pelos mortos, mas leva-se sua memória ao próximo combate. O que se via nesses dias era essa vontade de ir ao combate.

Depois, com o passar dos dias, a tristeza chegou até a gente. Não vê que ele andava há tantos anos com a gente? Para muitos, ele era como um pai..