"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 23 de junho de 2010

O assassinato do Cabo Carvajal

Outra vítima no sangrento currículo do "glorioso" exército colombiano

Carlos de Urabá
Rebelião



O exército colombiano, segundo a Constituição, tem a sagrada missão de defender a soberania e a ordem constitucional do país, embora na prática o seu verdadeiro papel é o de salvaguardar a propriedade privada e proteger os bens e interesses da oligarquia.

O regime civico-militar colombiano conta com uma força militar de quase quatrocentos mil soldados, divididos entre a polícia e forças armadas – a imensa maioria pertencentes aos estratos mais baixos da sociedade ou seja, filhos de camponeses, operários e trabalhadores – dispostos a oferecer as suas vidas pelo bem dos seus patrões.

Como controlar a 20 milhões de pobres e a oito milhões de indigentes? Não há outra alternativa do que usar a força pública para tentar conter a rebelião social.

O delinquência também deve ser considerada como uma guerra popular contra Estado corrupto e opressor.

Em certas épocas do ano, o exército colombiano realiza sua campanha de recrutamento pelas cidades e povoados do país. Procuram buchas de canhão, chegam de surpresa e detêm jovens para verificar a sua situação militar. Se não tiverem o documento, imediatamente são enviados de caminhão para os quartéis para cumprir as formalidades incorporação nas fileiras. Trata-se de um seqüestro legal e não há objeção possível, pois a pessoa pode ser rotulada como traidor da pátria. O Exército precisa de sangue novo que alimenta o fogo diabólico da sua máquina de guerra. Mas, o mais curioso é que as batidas de recrutamento jamais por bairros chiques, condomínios ou áreas residenciais habitadas pelas classes mais abastadas. Ou seja, a defesa da Pátria é uma tarefa exclusiva dos mais pobres.

A doutrinação dos futuros soldadinhos começa na escola, onde os professores lhes embutem o amor pelas armas e o espírito nacionalista. Sem esquecer a lição mais importante: o respeito pela hierarquia para entender diante de quem tem que abaixar a cabeça

Os meios de comunicação também desempenham um papel fundamental na formação do orgulho belicoso. Porque é necessário semear um sentimento de ódio e vingança; o bem contra o mal, o vermelho contra o azul. Precisamos escolher um inimigo contra o qual descarreguemos nossa ira. A arte de matar provoca um grande atrativo e muitos jovens sonham em pegar em armas e ser coroado como os seus heróis favoritos.

O cartão de recrutamento é um documento essencial para a obtenção de emprego, graduação, ainda que possam se adquiridas de forma fraudulenta por meio da compra a oficiais corruptos (os preços variam de 400 mil a 600 mil pesos) ou falsificando documentos que comprovem que a pessoa sofre de alguma doença grave ou está cursando o ensino superior. Como é o caso famoso de Tomás e Jerónimo, filhos do presidente Uribe, que não vão à guerra que o papai promove com tanto afinco.

Pelo serviço militar o soldado ganha 70 mil pesos por mês (aproximadamente 37 dólares americanos) que, tendo em conta o custo de vida, é um valor insignificante que não dá para nada. Assim, a tropa tem que pegar dinheiro do próprio bolso para se manter dignamente. Não se esqueça que os sacrifícios são poucos desde que se pertença ao glorioso exército nacional.

Para generais adoram brincar com seus soldadinhos de chumbo, planejar batalhas e para mover as peças no tabuleiro à vontade. Não lhes deixam um tempo livre, pois os obrigam, descaradamente, a realizar tarefas domésticas em suas residências e fazendas como jardineiros, cozinheiros, motoristas, mecânicos, eletricistas ou guarda-costas.

O soldado que, após 18 meses de serviço militar obrigatório, deseje continuar no exército ou na polícia deve assinar um compromisso como soldado profissional cujo salário base é de 900 mil pesos por mês (475 dólares), além de horas-extras, ajudas de custos, seguros de saúde da família, descontos em supermercados, comissões e uma ou outro subsídios significativos. Esta é uma opção altamente recomendável para uma juventude que está cada vez mais assolada pelo desemprego e pela falta de oportunidades.

Segundo analistas, as forças armadas colombianas são considerados uma das maiores da América Latina. Os EUA, através do Plano Colômbia, fornecem uma inestimável ajuda de 500 milhões de dólares anualmente. Embora o total geral do Ministério da Guerra atinja mais de 21 trilhões de pesos (11,057 bilhões de dólares), ou seja, valor maior do que os vinte trilhões de pesos (10,5 bilhões de dólares) recebidos pelo Ministério da Educação. Definitivamente, a paz não pode competir com os benefícios econômicos gerados pela guerra.

A política de “Segurança Democrática”, implementada por Uribe Vélez, é uma doutrina autoritária, cujo principal objetivo é defender os interesses da oligarquia, ou seja, tem de velar pelo patrimônio de fazendeiros, empresários, industriais ou investidores estrangeiros. A militarização do país é a única maneira de conduzi-lo pelo Sendero da prosperidade e do progresso.

Não interessa ao governo colombiano a prevenção do crime, mas sim o castigo. É um Estado repressor que necessita de mais policiais, mais militares, mais prisões, mais cemitérios clandestinos, mais armas, mais torturas, extermínio, morte e desaparecimentos.

O exército colombiano sempre simpatizou com os princípios ideológicos do fascismo. O Führer, Franco ou Mussolini, foram seus mais simpáticos inspiradores. Portanto, ninguém deve se surpreender que tenha se aliado aos paramilitares, provocando um dos mais abomináveis genocídios jamais conhecidos na nossa história contemporânea.

A violência na Colômbia deixou milhares de mortos, desaparecidos, feridos, desalojados, deficientes, viúvas, órfãos, números que disparam sem que o governo tenha o desejo de deter esta espantosa sangria.

Nos últimos anos, tem-se divulgado publicamente os maus tratos infligidos aos soldados nos quartéis. Durante o período de formação, os oficiais aplicam brutais castigos aos recrutas; são torturados, violentados com o cano das metralhadoras ou são queimados com ferros em brasas para verificar o seu grau de resistência. O objetivo principal é criar monstros dispostos a devorarem sem piedade os seus inimigos.

Nós não entendemos porque mães cuidadosas que criam carinhosamente seus filhos, esses pais que se desvelam e lhes dão todo o amor, quando completam dezoito anos os entregam num quartel para que um cabo ou sargento os domestique a chutes e socos. Bem, assim são as tradições de uma sociedade civilizada e devem ser respeitadas.

Este é apenas um prólogo para uma cruel e dolorosa história que agora vou contar, uma história que revela em toda sua magnitude o grau de perversão e de barbárie alcançado pelo glorioso exército colombiano.

No ano passado, enquanto caminhava pela praça Bolívar, em Bogotá, encontrei uma personagem envolta na bandeira da Colômbia com um cartaz pendurado no pescoço onde estava a fotografia de um soldado. O homem, ao me ver chegar, entregou-me um folheto em que explicava o motivo de seu protesto.

"O meu filho, o cabo Raúl Antonio Carvajal Londoño, foi assassinado, no Norte de Santander, por não querer criar falsos positivos. Aparentemente foram seus próprios comandantes"

Em seguida, se apresentou como Raúl Carvajal Pérez , transportador do mercado de Monteria , Departamento de Córdoba, e pai do sub-oficial do exército Raul Antonio Carvajal Londoño, assassinado por seus próprios comandantes, em circunstâncias obscuras.

"Assassinado por seus próprios comandantes? Isto é inédito", pensei comigo mesmo. Imediatamente iniciamos uma longa conversa sobre os detalhes desse evento tão trágico. ‘Seu’ Raúl carregava uma pasta volumosa, onde tinha classificados numerosos documentos, evidências de sua infrutífera luta por justiça. Na Colômbia, este é o pão de cada dia: os desaparecimentos forçados, as execuções extrajudiciais ou falso-positivos, para cobrar recompensas e ganhar promoções.

Por que executaram o cabo Raúl Carvajal Londoño? Por que criaram um complô para eliminá-lo e colocar a culpa na guerrilha?

Estas são perguntas que, gradualmente, vamos tentar elicidar. Sentados na sombra da estátua do Libertador Simón Bolívar, ‘Seu’ Raúl Carvajal foi me deixando ciente da sua odisséia, mostrando infindáveis documentos originais, as cartas que apresentou a diversas entidades e autoridades, como por exemplo, à Doutora Marisol Ariza Piñeros, Coordenadora de Atendimento às Vítimas da Unidade Nacional de Direitos Humanos; ao coronel Juan Carlos Gómez, do Ministério da Defesa; a Cybbele Haupert, do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos; à procuradora de Cúcuta, Catalina Estela Vega Rodriguez; à Doutora Catalina Sanchez, do Comitê da Cruz Vermelha Internacional; a Miisloz Kusz Berlutti e Paula Berlutti, do Escritório de Direitos Humanos das Nações Unidas; a Marta López Bayón, da Missão de Apoio ao Processo de Paz na Colômbia da OEA, ao Movimento Nacional de Vítimas; ao advogado Juvenal Arevalo Quintero, do Ministério Público da Procuradoria, ao Gabinete do Procurador-Geral da Nação, Mario Iguarán, ao Presidente da República Álvaro Uribe Vélez; ao Ministro da Defesa, Juan Manuel Santos; ao Monsenhor Rubiano, da Conferência Episcopal, enfim, uma longa e cansativa lista.

Mas nada, tudo foi em vão e, apesar de ter movido o céu e a terra, ninguém se dignou a dar-lhe uma resposta. Em fim, para mitigar sua inquietude, tira da sua mochila muitos papéis que foi acumulando ao longo do tempo, letra morta e estéril que não serve nem para enxugar suas lágrimas. Simplesmente lhe transmitem condolências, dizem que o seu pedido já foi recebido e que volte na próxima semana. E assim o vão enrolando e passam os dias, os meses e os anos, aprisionado em um beco sem saída.

A burocracia judicial é muito lenta e existem toneladas e toneladas de expedientes que permanecem mofando nos porões dos tribunais á espera de que algum juiz se digne a abrir um inquérito. Quem são os culpados? Onde estão as provas periciais? E as testemunhas? Este é um assunto muito embaraçoso que necessita de um escritório de advocacia que assuma o caso. Isso significa desembolsar uma grande quantia em dinheiro, e ‘Seu’ Raúl ganha um salário mínimo com o qual mal sustenta a sua família. Além disso, se não se tem influência política e social as chances de sucesso são quase nulas.

Mas Don Raúl Carvajal Perez não dá o braço a torcer. Ele amava seu filho e esse amor é o que lhe dá a força de vontade para não desistir. Até o dia de hoje continua com a mesma determinação, marcando audiências e entrevistas com funcionários ou comandantes militares. Continua a escrever cartas ou fazendo seus protestos nas ruas e praças públicas, na esperança de esclarecer a verdade e punir os culpados. Acostumou-se a ficar em filas intermináveis para ser atendido por um funcionário com má vontade e que, em tom depreciativo, lhe digam que volte no outro dia. Um selo, outro selo, uma assinatura e mais certificados e papéis para a coleção. Se ele liga para uma repartição em busca de algum funcionário lhe informam que não se encontra e tente novamente mais tarde para ver se a pessoa regressou. Brincam com ele como uma se fosse uma bola de tênis, o mandam de um lado para outro, na vã tentativa de se esquivar dele.

De repente, um dia, mesmo sem ser notificado previamente, apareceu em sua casa uma estranha comitiva que veio fazer a entrega de um ataúde. Que surpresa macabra! Quando a abriu, encontrou no seu interior o cadáver de seu filho banhado em sangue com um tiro na testa. "O corpo vinha envolto com a gloriosa bandeira da Colômbia como mortalha – Foi como se tivessem me apunhalado no coração – comentou com tristeza. Como é possível que paguem dessa forma a quem deu os melhores anos de sua vida à instituição militar? Tão aberrante humilhação não admite adjetivos e reflete perfeitamente o grau de barbárie alcançado pelo exército nacional.

Muitos pais e mães na Colômbia se fazem as mesmas perguntas que ‘Seu’ Raúl. O que poderia ter acontecido com meu filho ou minha filha? Por que o mataram? Sejam guerrilheiros, militares, delinquentes, narcotraficantes... O fato é que, grande parte da nossa juventude está sendo sacrificada por causa da maldita violência.

Há tantos casos de assassinatos, torturas ou desaparecimentos, que o sistema judicial não dá conta, a impunidade predomina e com o passar do tempo os delitos, inevitavelmente, ficaram no limbo do esquecimento. Para as famílias das vitimas não há outra solução do que colocar uma vela no altar e rezar pela alma do defunto. Se a justiça humana falha, ao menos se pode reivindicar à justiça divina .

‘Seu’ Raúl, por causa desta tragédia, perdeu seu patrimônio, carece de recursos e são muito poucas as pessoas que se solidarizam com sua causa. O tratam pior do que a um pária, pois, como advertiu o coronel Juan Carlos Gomez, com sua atitude está “denegrindo o bom nome das forças armadas".

- Mas veja o que fizeram com meu filho! E mostrar uma foto de Raul Antonio banhado em sangue com um tiro na testa – Isto não se faz nem ao pior dos inimigos. E ainda por cima, sua esposa e filha desapareceram depois do funeral e não sabemos nada delas. Será que também as mataram?

O filho de ‘Seu’ Raul poderia ser o filho de qualquer família colombiana, apaixonado pela sua esposa e filha, com projetos para o futuro e apaixonado pela sua carreira militar. Mas um dia, teve que escolher entre ser cúmplice das execuções extrajudiciais para cobrar a recompensa ou manter-se fiel aos princípios éticos e morais que aprendeu desde criança. Então, sem pensar duas vezes, ele se recusou a seguir as ordens e participar desses crimes. Uma decisão corajosa que, infelizmente, seria a sua sentença de morte.

Assim foi como, no dia 08 de outubro de 2006, às 11h30, em um lugar conhecido como Alto da Virgem, localizado entre os municípios de Tibú e El Tarra, durante a Operação Serpente, na qual participava da unidade Destrutor Um, parte da 2ª Divisão do Exército, quando houve um enfrentamento com supostos guerrilheiros da coluna móvel Arturo Ruiz Ont, das Farc – Segundo a versão oficial dos acontecimentos – Como resultado desses combates, o cabo Raúl Carvajal Londoño e o soldado José Lopez Ardila foram vítimas das balas de um francoatirador. "Por acaso" ambos tinham sido transferidos para o Norte de Santander e pertencentes ao Batalhão de Infantaria Antonio Ricaurte de Bucaramanga. Os relatórios do Batalhão Nº.10 José Concha Tarra contradizem os fatos, certificando que naquele dia, nem nos posteriores, se registraram combates na área. Depois de ser levado para o necrotério, o corpo do cabo Carvajal foi examinado por um perito forense do CTI, que disse que o tiro que o matou foi feito a uma distância de menos de dois metros.

Até o fim da tarde desse domingo, ‘Seu’ Raúl continuava desabafando a sua impotência. Agora, por causa de suas denuncias e protestos, os juízes e os militares estão investigando a ele e sua família. "Será que os culpados seremos nós mesmos?", perguntava-se ele em tom irônico.

‘Seu’ Raúl me narrou com nostalgia essa época em que seu filho brincava de polícia e ladrão com seus amiguinhos na praça do bairro. " Desde criança, Raul queria ser aviador. Por isso, quando completou 18 anos, ingressou no exército como voluntário. Gostava de vestir o uniforme militar e passear com altivez pelas ruas despertando a inveja das pessoas".

Desde 2005, o cabo Raúl Carvajal Londoño estava lotado no Batalhão de Infantaria Nº.14 Antonio Ricaurte de Bucaramanga, sob o comando do tenente-coronel Álvaro Diego Tamayo Hoyos, contra quem a promotoria emitiu um mandado de prisão por causa do caso dos falsos positivos de Soacha. Mas, intempestivamente, para substituir uma baixa em serviço no mês de outubro de 2006, foi enviado para a 2ª Divisão do Exército no Norte de Santander, sob as ordens do comandante Pardo.

Naquele 8 de outubro de 2006, quando o pelotão que ele dirigia estava atravessando uma trilha na selva, o batedor, ou encarregado de abrir o caminho para a tropa pelo mato, o soldado Óscar Agudelo Ruiz, escondido por trás de alguns arbustos, disparou a sangue frio contra o cabo Raúl Carvajal e o soldado José Lopez Ardila causando-lhes a morte. (Esta versão foi confirmada por alguns dos seus colegas, que preferiram manter o anonimato). Como ninguém sabia de onde vinham os tiros e acreditando que se tratava de uma emboscada da guerrilha, começou o tiroteio.

Certamente o cabo Raúl Carvajal percebeu os acontecimentos obscuros que existia na unidade e se recusou a entrar no jogo diabólico das recompensas e alianças com narcotraficantes e grupos paramilitares da região. Assim, tornou-se uma testemunha incomoda que poderia delatá-los e seus comandantes não tiveram outra saída que desfazer-se dele.

Seus superiores inventaram um ataque guerrilheiro para assassinar-lo de forma vil. Todos os membros do pelotão confirmaram a versão oficial, embora oferecendo notáveis contradições que levantam a suspeitar de que algo estava sendo forjado. Os soldados declararam sob juramento que as mortes de seus companheiros foram causadas pela guerrilha. Temendo represálias, ninguém se atreve a falar a verdade nos tribunais. Inclusive, nenhum advogado quer assumir o caso, porque eles sabem que estão arriscando suas vidas. Os falsos positivos ou execuções extrajudiciais, a corrupção e alianças com os narcotraficantes tiveram um impacto especial no Norte de Santander, concretamente na região de Ocaña, a porta de entrada para o Catatumbo, uma área de selva na fronteira com a Venezuela, onde se cultiva e processa a coca.

Estes actos criminosos foram descobertos graças à investigação jornalística sobre a incrível história dos jovens de Soacha, executados pelo exército em Ocaña, Norte de Santander. O governo, para se contrapor ao escândalo internacional, apenas passou para a reserva os comandantes e generais responsáveis pelas unidades que cometeram os assassinatos. Até ao momento, a Procuradoria somente processou os militares de baixas patentes.

Don Raúl teve o peito e a coragem de ir protestar na mesmíssima porta da fazenda Ubérrimo, de propriedade do presidente Uribe e localizado muito perto de Montería. Lá, ele driblou as barreiras de segurança, disposto a deixar sentir toda sua indignação. Com o cartaz de seu filho no peito e acenando com a bandeira da Colômbia, encarou o presidente, que naquele momento estava domando um cavalo de montaria.

– "Presidente Uribe" – disse ‘Seu’ Raúl em voz alta – Me ajude, por favor, para saber o que aconteceu com meu filho, o cabo Raúl Carvajal Londoño! “Necessito que coloque um advogado para reabrir o caso”.

No mesmo instante, os seguranças o colocaram na mira de suas metralhadoras. ‘Seu’ Raúl ergueu os braços e o presidente ordenou ao chefe da guarda presidencial, General Buitrago, que ouvisse suas declarações e que se encarregasse da denúncia.

Uribe, como um bom fariseu sorriu, deu um tapinha nas costas, e lhe disse: “tranqüilo homem, que eu falo com o comandante das Forças Armadas para que investigue o caso do seu filho".

Que ingênuo! ‘Seu’ Raúl, em seu desespero, foi reivindicar ao sicário, ao capo que inventou o sistema de recompensas e incentivos para matar "inimigos".

Apenas neste ano, graças a uma testemunha protegida pela Procuradoria-Geral da Nação, comprovaram-se as ligações que os militares da 2ª Divisão do Exército no Norte de Santander mantinham com narcotraficantes, os numerosos atos de corrupção e execuções de inocentes ou "falsos positivos", eufemismo com o qual se quer maquiar estes terríveis crimes.

Entre os culpados cabe destacar ao general Paulino Coronado, comandante da Brigada 30 do Exército, ao general e ex-comandante da 2ª Divisão do Exército, José Joaquín Cortés , ao coronel Gabriel Rincon Amado, chefe de operações da Brigada Móvel Nº.15, ao coronel Álvaro Diego Tamayo Hoyos, do Batalhão Santander. Estes comandantes, diante dos pobres resultados que suas unidades apresentavam na luta contra a subversão, fizeram com que jovens, indigentes, camponeses ou doentes mentais, fossem considerados como guerrilheiros mortos em combate.

Ou seja, o cabo Raúl Carvajal, tal como seu pai o afirma, foi eliminado por seus superiores contando com a cumplicidade de seus companheiros. Tanta covardia, tanta podridão e tanta perversão são difíceis de imaginar. Mas os verdadeiros indutores de seu assassinato são nada menos que o presidente Uribe, o ministro da Defesa na época, Juan Manuel Santos, e o comandante das Forças Armadas, General Freddy Padilla de León, uma vez que foram eles os que exigiam de seus subordinados a quota semanal de morte e destruição. "Ataquem, matem e destruam!"

Apresentavam-se resultados "positivos", como se diz no jargão militar, eram premiados com promoções, férias e suculentas recompensas em espécie. Caso contrário podiam ser punidos com uma avaliação ruim no currículo e transferidos para os batalhões que operam na zona vermelha. Que coincidência a maioria dos rapazes desaparecidos em Soacha serem executados perto de Ocaña, onde a Brigada Móvel Nº.15, sob o comando da 2ª Divisão do Exército, estava baseada. E lá foi onde assassinaram ao cabo Raúl Carvajal Londoño.

A hierarquia militar tem que ser respeitada e não tem outro remédio do que calar e obedecer aos superiores. No Exército, há um juramento sagrado sob o qual se esconde o seu tenebroso prontuário. Mas de tempos em tempos surgem personagens como o cabo Raúl Carvajal Londoño, que se rebelam diante das injustiças e preferem dar suas vidas antes de tornarem-se assassinos e torturadores.

O presidente Uribe e a cúpula militar são diretamente responsáveis pela guerra suja, as torturas, os desaparecimentos, os bombardeios contra a população civil. Os líderes máximos, protegidos pela Constituição, não têm o menor constrangimento em fumigar a selva com glifosato, queimar as florestas, invadir países vizinhos, deslocar camponeses arrebatar suas terras e condená-los ao esquecimento.

No domingo 20 de junho, Juan Manuel Santos foi eleito presidente da Colômbia, que já foi ministro da Defesa e que foi acusado pela justiça equatoriana pelo assassinato de 25 pessoas no bombardeio da força aérea da Colômbia ao acampamento das Farc em Angostura, Sucumbíos.

Juan Manuel Santos é um prestigiado psicopata especializado em terrorismo de Estado e que, sem dúvida, continuará com a política de "Segurança Democrática" do seu antecessor, Uribe Vélez. A Colômbia é uma colônia vendida ao capital estrangeiro, a cabeça-de-ponte do imperialismo na América Latina, um grande latifúndio governado por dirigentes e mafiosos apoiados por uma esmagadora maioria parlamentar que lhes dá carta branca para fazer e desfazer à vontade.

Cai a noite na Praza de Bolívar e ‘Seu’ Raúl despede-se de mim com um forte aperto de mão. Com os olhos lacrimejando me implorou que não o esqueça e que o mantenha informado da minha pesquisa. Coberto com a bandeira da Colômbia e com o boné do seu filho na cabeça vai embora com passos lerdos pelas gélidas ruas bogotanas. Para ele as ameaças e intimidações que recebeu não têm a mínima importância, uma vez que não tem nada a perder. Desde aquele fatídico 08 de outubro de 2006, quando assassinaram seu filho, ele também, de alguma forma, foi morto.

‘Seu’ Raul se sente traído, perdeu a fé nas instituições da sua querida Colômbia, e a única esperança que lhe sobrou é que o caso de seu filho seja remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao Tribunal Penal Internacional com sede em Estrasburgo ou à Audiência Nacional espanhola.

Ele está determinado a esgotar todas as instâncias e continuar a lutar até as últimas consequências. Porque estes crimes de Lesa-humanidade não prescrevem e estamos confiantes de que chegará a hora da justa reparação.

Ao tornar pública esta denuncia estamos conscientes de que ‘Seu’ Raúl pode estar sujeito a algum atentado. Por isso, não descartamos a possibilidade de pedir asilo político em alguma embaixada européia para proteger sua vida e da sua família.



(*) Carlos de Urabá é escritor e pesquisador colombiano.