As veias abertas da Colômbia
Por: Dario Arenas
Fonte: MOIR
Atualmente existem pedidos de concessão para projetos de mineração para 40% do território colombiano. Dos 114 milhões de hectares que compõem seu território, cerca de 45 milhões foram solicitados para esta finalidade, corresponde à, aproximadamente, superfície dos 4 maiores departamentos do país (Amazonas, Vichada, Caquetá e Meta), mais do que todo o Eixo Cafeicultor, Cundinamarca e Valle del Cauca juntos. Isto em um país que, graças à maré de reformas de abertura iniciadas na década de 90, o agronegócio e a indústria sofreram um atraso enorme e onde se estima que existam para a agricultura 4,97 milhões de hectares disponíveis e não cultivados. ( 1)
Este é o tamanho da política de mineração consagrada no Código de Mineração de 2001, ratificado na reforma de 2010. Durante o último período do governo de Uribe, outorgaram-se a maior quantidade de concessões para minas na história da Colômbia e aprofundaram-se os privilégios das grandes transnacionais da mineração. Agora, sob o mandato de Santos – como certamente acontecerá com o resto do pacote neoliberal herdado – se pretende aprofundar e levar às mais altas dimensões.
A expansão da atividade de extração na Colômbia responde, como a maioria das políticas dos nossos governos, não às necessidades reais do povo colombiano, mas a interesses alheios. Com a economia das grandes potências tremendamente enfraquecida pela crise recorrente que o sistema capitalista provoca, com a necessidade de buscar novamente a riqueza sustentada em metais preciosos e com os preços do ouro atingindo recordes históricos, superando os 1.400 dólares a onça, são naturais as expedições que, novamente, empreendem em países que, como a Colômbia, possuem estes apreciados recursos. O capital financeiro internacional, sob essa lógica, tem-se fortalecido e assumiu um papel preponderante, chegando a ter investimentos na indústria de mineração mundial de cerca de 84,327 bilhões de dólares entre 2000 e 2006, através de financiadores tão poderosos como JP Morgan , Citigroup, HSBC Holdings, ING, entre outros conglomerados financeiros do mundo. (2)
Prova da desesperada sede das potencias pelos recursos minerais e energéticos, refletida nas invasões do Iraque e do Afeganistão, é o aproveitamento de circunstâncias conjunturais como a da Líbia. Sob o pretexto humanitário, os Estados Unidos retoma posições de comando e controle sobre os recursos de uma área que se tem esquivado dos seus mandatos.
Considerando que nos últimos anos houve uma avassaladora entrada de empresas de mineração canadense na Colômbia e que estas representam 75% da indústria de mineração mundial, não é de admirar a agitação do atual ministro da Fazenda, Juan Carlos Echeverry que, notavelmente confortável com o tipo de relações que a Colômbia possui com o mundo, recentemente expressou: “Há 500 anos os espanhóis descobriram a América e, há somente 10 anos os canadenses descobriram a Colômbia. Do que somos muito felizes” (3). Provas tangíveis da atitude da alta classe dirigente do nosso país diante das grandes potências e seus interesses. Caberia anotar que somente faltou ao ministro expressar seu arrebatamento de brutal honestidade, de que a mais de um século e em condições semelhantes, também fomos “descobertos” pelos gringos.
Amagá, El Hoyo-Patia, Suarez, Marmato, La Jagua de Ibirico, Anaime Quinchía, Snuff, Pore, Taraira, Socha, Montelibano, Sardinata, Remedios, Buenos Aires, Serrania de San Lucas, Condoto, Cajamarca são, entre muitas outras localidades colombianas, o exemplo do modelo de mineração que se pretende impor em nosso país. Foram, em alguns casos, afetadas pelas draconianas condições de trabalho impostas pelas multinacionais e testemunhas em primeira mão do abandono estatal, da asfixia e assédio à mineração tradicional local. Pretende-se que sejam vítimas da destruição do seu ambiente, do deslocamento de suas populações, da perda do seu habitat, do arrebatamento de suas tradições e da expropriação de seu trabalho, vida e história. Todas essas comunidades têm motivos suficientes para se sentir desamparadas pelo Estado e tem o direito justo e legítimo de se rebelar contra as políticas de perseguição e saque agenciados por aqueles que, na teoria, deveriam defender seus interesses.
Esta é a verdadeira face da locomotiva mineira de Santos. Vagões cheios de desculpas e privilégios para as empresas multinacionais, repletos de isenções fiscais, descontos e facilidades enormes para realizar negócios de acordo com sua conveniência, com formidáveis margens de lucro, tudo isso contrastando com a perseguição rasteira dos pequenos e tradicionais mineiros do nosso país. O aumento da confiança dos investidores tenta fazer desaparecer a uma enorme parcela da nossa população em uma funesta lógica, inexpugnável segundo os nossos dirigentes, em que a inserção no mercado global de economias tão doentes e enfraquecidas como a colombiana, deve se dar a qualquer custo, sem importar as assimetrias que existam, a posição em que jogamos e o deterioro que estes tipos de políticas geram em nossa população.
Testemunhamos a uma paisagem desoladora e esmagadora. O prurido pela reprimarização da nossa economia não tem comparação alguma. As políticas de despojo, expropriação e pilhagem, longe de ser combatidas, foram institucionalizadas e se lhes deu um rotulo de progresso e bem-estar, quando na verdade, nidificam no seu interior as mesmas fórmulas que tem perpetuado o atraso e o subdesenvolvimento no nosso país.
As veias da Colômbia permanecem abertas. As cicatrizes que ainda conservamos na pele da nossa pátria, como as da luta pela nossa independência há 200 anos, demonstram-nos que os povos, quando decidem, podem vencer as políticas entreguistas e os regimes antipatrióticos, e pode decidir por si mesmos o seu destino. A conscientização, a organização e a mobilização devem marcar o caminho para que, assim como no caso de vitória em Santurbán, derrotemos a submissa entrega dos nossos recursos e possamos definitivamente tirar do trilho a nefasta locomotiva mineira de Santos.
* Escrito para o II Encontro Nacional da Rede Colombiana Contra as Grandes Multinacionais da Mineração – RECLAME, ocorrido em 08 e 09 de Abril de 2011 em Bogotá.
NOTAS DO AUTOR:
(1) Aurelio Suárez Montoya, Tribuna Roja Nº 111,13 de janeiro de 2011.
(2) Financing Global Mining: The Complete Picture (ed. Rob Morrison), pfi market intelligence, Thomson’s 2007
(3), Calgary (Canadá), 27 de março (Agencia EFE)