Brics alerta para inflação e defende reforma do sistema monetário
Em comunicado conjunto divulgado nesta quarta-feira (13), o Brics, grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, faz um alerta para as pressões inflacionárias e bolhas de ativos nos chamados mercados emergentes, atribuídas pelo ministro de Comércio da China, Chen Deming às políticas de estímulos, monetários e fiscais, adotadas pelos países capitalistas mais desenvolvidos.
A responsabilidade, no caso, é principalmente dos Estados Unidos, cujo banco central (Federal Reserve) apelou à emissão de centenas de bilhões de dólares para contornar a crise do sistema financeiro e estimular a recuperação da economia, fragilizada pela recessão iniciada em dezembro de 2007 e pelo elevado nível de desemprego.
Padrão dólar
Uma vez que a moeda estadunidense é a principal unidade de referência dos preços das mercadorias transacionadas no mercado mundial é inevitável que a enxurrada de dólares no mundo se traduza em inflação, instabilidade cambial e guerra de divisas. Por esta razão, o grupo deve reiterar o apelo da China e do Brasil por uma mudança no sistema monetário internacional focado na substituição do padrão dólar.
O propósito da reunião é alcançar um consenso entre os cinco países neste e noutros temas para uma atuação unitária no seio do G20. A reforma do sistema monetário tem também o apoio da França, que atualmente preside o G20.
Rússia na OMC
Os ministros do Comércio dos Brics, que estão reunidos na ilha chinesa de Hainan antes da cúpula dos líderes do grupo que deve ocorrer nesta quinta (14), também reiteraram seu apoio coletivo à proposta da Rússia de se juntar à Organização Mundial do Comércio (OMC) neste ano.
A cúpula dos Brics, que incluirá discussões sobre os desafios econômicos e financeiros globais, deverá reforçar a cooperação no interior do Brics. Os ministros também prometeram se opor a todas as formas de protecionismo comercial e a expandir o comércio e o investimento mútuos. De 2001 a 2010, o comércio entre as cinco nações cresceu a uma taxa anual de 28%, para US$ 230 bilhões, de acordo com o documento.
Rodada de Doha
Em um comunicado conjunto separado, os ministros de Comércio do Brasil, da China, da Índia e da África do Sul expressaram preocupações semelhantes sobre os prospectos das negociações comerciais da Rodada de Doha. "O delicado equilíbrio dos conflitos alcançado durante dez anos de negociações contidas nos textos de dezembro de 2008 corre o risco de ser perturbado. Os ministros reafirmaram que as medidas de acesso ao mercado delineadas nesses textos representam uma contribuição sem precedentes dos países em desenvolvimento na história do sistema de comércio multilateral. Os países em desenvolvimento têm permanecido construtivamente engajados e os ministros estão dispostos a concluir a Rodada com base nessas modalidades delineadas", disse o comunicado.
O evento, que coincide com as reuniões do Fundo Monetário Internacional (FMI) em Washington nesta semana, está programado para discutir questões globais financeiras e econômicas, como flutuações de preços de commodities - um tema sobre o qual a China espera que os países possam chegar a uma posição comum antes da reunião do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), em Cannes, na França, em novembro. Uma posição comum sobre tais questões econômicas poderia impulsionar o peso conjunto dos Brics nas conversações do G-20.
Desenvolvimento desigual
Ao longo dos últimos anos, a importância relativa das economias compreendidas no Brics, sob a liderança da China, avançou de forma surpreendente, refletindo o desenvolvimento desigual das nações. De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), que divulgou nesta 4ª feira um estudo sobre o tema, no período 2008-2009 o grupo explicou 2/3 do crescimento da demanda global (gráfico), com a expectativa de que sigam contribuindo de forma majoritária para os próximos 10 anos.
“A igualdade que os uniu”, sustenta o instituto no estudo, “foi o dinamismo econômico interno de cada economia e o desejo de articular uma arquitetura global de Estados mais favorável à inserção desses países. A heterogeneidade do grupo, no entanto, pode ser observada pelas distintas contribuições de cada um desses países para o crescimento da demanda mundial (renda nacional bruta em termos de paridade poder de compra). Entre 2008-2009 a participação da China foi de 40%; Índia 12,5%; Rússia, 6,3%; Brasil 3,5%; e África do Sul, 0,7%”.
Importação e exportação de capitais
Os cinco países se destacam também como destino privilegiado dos investimentos internacionais. “Em 2009, o Brics recebeu US$ 1 de cada US$ 4,5 investido no mundo, e recebeu 1/5 dos fluxos globais de IDE [Investimentos Diretos Externos] neste ano”. E também como exportadores de capitais. “De grandes absorvedores de investimentos, estes países passaram, mais recentemente, a intensificar o processo de internacionalização produtiva de suas empresas, ampliando seus investimentos no mundo: US$ 1 em cada US$ 7 investido no exterior foi realizado por empresas do BRICS em 2009.”
Os fluxos financeiros têm correspondência no avanço das trocas de mercadorias. “No que se refere ao comércio mundial, também houve ampliação da participação do BRICS antes e depois da crise internacional. Com relação às importações, o grupo foi responsável por 15,7% do total importado mundial em 2009, sendo que a China respondeu por 10,7%. No caso das exportações, a participação do grupo foi ainda maior:
17,9%, com a China responsável por 12,4%.”
Liderança chinesa
O Ipea ressalta que tanto na demanda mundial quanto no comercio e no investimento “a participação chinesa destaca-se por seu dinamismo. A China representa claramente a locomotiva não apenas para o crescimento global, mas também para os demais países do Brics”. É o que sugere o gráfico abaixo sobre a contribuição de cada país do grupo para a expansão da demanda mundial.
Em relação ao Brasil, “a ascensão da China como parceiro comercial tem surpreendido”. Em 2000, o país asiático sequer constava entre os 10 principais destinos das exportações brasileiras, que eram em ordem decrescente: Estados Unidos, Argentina, Holanda, Alemanha, Japão, Itália, França, Bélgica, México e Reino Unido, os quais respondiam por 66% das exportações brasileiras totais. “Em 2010 esse quadro apresentou duas mudanças importantes: i) uma maior desconcentração geográfica, com os 10 maiores destinos das exportações contabilizando 55,3%; e ii) a confirmação da China como maior destino das exportações brasileiras – posição alcançada já em 2009 quando deslocou os Estados Unidos – absorvendo 15,2% do total exportado pelo Brasil”.
Nova ordem mundial
Acentuado pela crise, o crescimento desigual das nações do grupo, em contraste com o desempenho risível das potências capitalistas, marca uma mudança significativa no cenário econômico e político global, evidencia a necessidade de uma nova ordem mundial e terá uma grande influência no desenvolvimento da conjuntura.
Sob o domínio do chamado Ocidente, o sistema político e económico internacional distribuiu a riqueza e o poder de forma desigual entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento, reproduzindo relações que podem ser classificadas de imperialistas. O desafio que se coloca para o Brics, e em especial para a China, é abrir caminho a uma ordem mais justa e igualitária, efetivamente multilateral, sem um centro hegemônico e sem imperialismo.
Da Redação, Umberto Martins, com imformações das agências e do Ipea