Caso Olate: Câmara Criminal da Corte Suprema do Chile derrotou por 4-1 ao Estado de Direito
Fonte: Rebelion.org Escrito por Francisco Herreros Em um “supremaço” daqueles que lembram as trapaças judiciais dos tempos da ditadura, criadas para proteger os violadores dos direitos humanos, a Câmara Criminal da Corte Suprema do Chile invalidou a sentença do Magistrado Sergio Muñoz, que se denegou a extradição de Manuel Olate, e ordenou um novo julgamento com um novo instrutor. Como não podia atacar o mérito da impecável sentença do juiz Muñoz, a Câmara fez uso de um truque processual de segunda ordem, a rigor, uma canetada, no sentido de que teriam cometido um erro formal na tramitação do julgamento. Tal erro consistiu, segundo o Ministro Hugo Dolmestch, numa conferência de imprensa, em que o juiz Muñoz teria aplicado o sistema de julgamento oral a uma solicitação de extradição passiva, que possui um padrão de exigência muito menor. Ou seja, segundo o estranho raciocínio jurídico da sentença da maioria da Câmara Criminal da Corte Suprema – porque o Ministro Jaime Rodriguez Espoz votou contra – neste caso, e para favorecer a parte representante do governo colombiano, o menos vale mais. Observe o absurdo jurídico no raciocínio de Dolmestch: “No processo, houve um erro básico, que foi uma extradição passiva, que possui um procedimento específico, aplicar o procedimento de julgamento oral. O julgamento oral, que tende a estabelecer a culpabilidade das pessoas que cometem infração no Chile, tem um nível de exigência maior e, neste caso, aplicou-se essa exigência à responsabilidade do extraditado e isso afeta os direitos de uma das partes”. Em outras palavras, e extrapolando a própria lógica da Dolmetsch, o ministro Muñoz, através de um procedimento rigoroso e exigente, chegou à conclusão de que Manuel Olate é inocente e que ele não cometeu qualquer ato que mereça a extradição. Mas, para resguardar o direito de uma das partes, e não de qualquer parte, mas o governo colombiano, permite-se um novo julgamento com um nível de exigência substancialmente menor, passando por cima de sentença fundamentada, que havia estabelecido a inocência do acusado através de um raciocínio jurídico impecável. Finalmente, para quê existem os tribunais? Para fazer justiça ou para satisfazer as pretensões de uma das partes? Posteriormente voltaremos à decisão do ministro Sergio Muñoz, mas porao mesmo tempo, ouvir o Ministro Hugo Dolmetsch: Os ministros Rubén Ballesteros, Hugo Dolmestch e Carlos Künsemüller, além do advogado integrante Luis Bates, assinantes da sentença da maioria, consideram que foram violentadas as garantias do devido processo legal, ao tramitar o processo de extradição com as regras de um procedimento de julgamento oral: “O § 2 º do Título VI do Livro IV do Código de Processo Penal prevê o procedimento de extradição passiva, nos preceitos, em suma, que recebidos os antecedentes pela Corte Suprema, esta designará um de seus ministros, que conhecerá em primeira instância o pedido de extradição, devendo o mesmo fixar, o mais rápido possível, data e hora para a realização da audiência prevista no artigo 448 e registrar a petição e seus antecedentes em conhecimento do representante do Estado requerente e do acusado, salvo que tenham sido solicitadas medidas cautelares pessoais contra este último. A audiência a que se refere esta disposição legal tem as finalidades que ela mesma indica, após o qual se procederá a ditar a sentença”. A sentença acrescenta: “O artigo 159 do Código de Processo Penal, por sua vez, determina que: somente poderão se anular as ações ou diligências judiciais defeituosas do procedimento que ocasionarem aos envolvidos um prejuízo reparável unicamente com a declaração de nulidade. Existe prejuízo quando a inobservância das formas processuais atenta contra as possibilidades de atuação de qualquer um dos envolvidos no procedimento, presumindo de direito, o artigo 160, a existência de prejuízo “se a infração tiver impedido o pleno exercício das garantias e dos direitos reconhecidos na Constituição, ou nas demais leis da República”. Ele também sustenta que “como dito no precedente, na espécie não deu cabal cumprimento ao que foi afirmado na fundamentação do 37° desta resolução, o que motiva uma clara violação da garantia constitucional acima referida, o que deve ser sancionado com a declaração de nulidade do processo de oficio. Que para decidir desta forma também deve se levar em conta que, em virtude do princípio da especialidade, regem preferencialmente respeito da atividade processual, as regras previstas no próprio Código de Processo Penal para os procedimentos especiais e, no silêncio delas, encontram aplicação as “Disposições Gerais” do Livro 1° do mesmo Código”. O voto contrário do ministro Jaime Rodriguez, que era a favor de não dar início à ação de oficio, afirmou: “Para o dissidente, as deficiências denunciadas em ambos recursos, carecem de influência no disposto da resolução nem ostentam maior transcendência, pois não provocam prejuízo aos participantes, uma vez que é na alçada onde corresponde mensurar os extremos da apelação e adotar as medidas para concertar as críticas ou decidir em conformidade com os dois recursos tramitaram guardando os procedimentos para eles estabelecidos por lei, no âmbito das exigências e petições estabelecidas pelo Ministério Público, que é o recorrente. Enquanto que o extraditado aceitou sem nenhum protesto esse procedimento deficiente e, até mesmo, suas assessoria letrada o defendeu em Tribunal, sobrando influência e transcendência aos vícios delatados”. A rigor, se forem torturados, os textos jurídicos servem para tudo. Mas, realmente acreditarão os ministros Dolmetsch, Ballesteros, Künsemüller, o advogado integrante Bates e o procurador Pena, que os tribunais colombianos podem garantir um julgamento justo e imparcial para um cidadão chileno que esse governo acusa de terrorismo? Para eles, a evidência abundante e a sustentada condenação internacional ao sistemático terrorismo de Estado praticado pelo governo colombiano e a corrupção do sistema judiciário desse país não merecem qualquer consideração? Por acaso não conhecem o caso da socióloga Liliany Obando, acusada do mesmo delito e pelas mesmas provas que Manuel Olate, pressa desde junho de 2008 sem ser formalmente acusada nem se lhe respeite qualquer direito? Enviar um compatriota para a Colômbia, nessas condições, é uma violação dos seus direitos humanos, por mais que se lavem as mãos como Pilatos, com o argumento de que não lhes corresponde se pronunciar sobre o mérito. Senhores Juízes: esse é o mérito da questão. Ouça a leitura da parte dispositiva da decisão: Por sua vez, embora decepcionado, o advogado Alex Carroça, defensor de Manuel Olate se mostrou tranquilo: "A verdade é que esta sentença estava dentro das possibilidades, e não há nenhum pronunciamento sobre o mérito. Somente há uma questão meramente processual, e temos confiança absoluta que quaisquer que sejam as variações que possam ser introduzidas no procedimento, vamos demonstrar a inadmissibilidade absoluta do processo de extradição, a Câmara da Corte Suprema disse expressamente que não se pronuncia sobre o mérito e, eu acho que está bastante claro que o pedido da Colômbia apresenta deficiências, não atende os requisitos e é o que esperamos demonstrar no julgamento correspondente”. Juan Andrés Lagos, que na época dos fatos era encarregado das Relações Internacionais do Partido Comunista, atual membro da sua Comissão Política, disse que a sentença lhe pareceu muito grave, e chamou a atenção para dois aspectos: a atuação do Ministério Público e o ambiente de pressões políticas que podem ser observadas depois da sentença: “A sentença é peculiar, porque não faz nenhuma apreciação sobre o mérito. No entanto, coloca uma questão que para nós parece estranha do ponto de vista da forma em que se resolve. Acima de tudo, o que me chama profundamente a atenção é a forma como o Ministério Público age em nome de um governo que tem sérias e severas acusações de violação dos direitos humanos e aplicação do terrorismo de Estado dentro e fora do seu país. Nesta audiência esteve presente o Embaixador, e temos que assumir que o Ministério Público chileno assumiu a representação que é severamente acusado de violação dos direitos humanos e terrorismo de Estado. Portanto, parece-me extraordinariamente grave a figura que foi colocada”. De fato, um dos aspectos em destaque na análise é a desmesurada atuação desempenhada nessa trama pelo Ministério Público chileno, que de acordo com as disposições legais que regem os processos de extradição, deveria limitar-se ao papel de mero intermediário. Mas, longe disso, dedicou-se primeiro a maquiar o defeituoso requerimento colombiano, que não descrevia quais eram as supostas condutas constitutivas do delito que teria cometido Manuel Olate, o que já era razão suficiente para recusar a extradição, mediante a apresentação de cinco pontos, rejeitados pelo juiz. Logo, apesar de estar expressamente proibido durante o andamento do processo de extradição, tentou-se introduzir prova produzida por polícias chilenos através de invasões, declarações e depoimentos, inclusive de um funcionário da inteligência infiltrado no movimento de solidariedade com o povo colombiano, atividades que beiram a ilegalidade, mais ainda quando não fora declarada uma investigação formal. Por fim, impugnou a sentença do ministro Muñoz, por meio de dois recursos de apelação e nulidade. Um dos efeitos, talvez não desejados, da reforma do processo penal, é ter gerado uma espécie de poder superior, isento de controle e que dispõe de todos os meios para pré-constituir cenários de acordo com suas autoritária pretensão punitiva, como é o Ministério Público, cujo representante no julgamento, de fato, manifestou a sua satisfação: “Aqui não houve respeito ao devido processo e, portanto, o que agora procede é realizar uma nova audiência de extradição, desta vez por um ministro que não esteja inabilitado. Durante todo o processo de extradição, o Ministério Público do Chile, informou que as normas do julgamento oral não eram aplicáveis ao processo de extradição, pelo que a jurisprudência reiterada do nosso máximo tribunal sustentou que se trata de um prejulgamento”. Justamente essa é a armadilha de todo esse assunto. A pretensão do Ministério Público sugere que, sendo um prejulgamento, ao instrutor chileno somente cabe se pronunciar se o requerimento do governo da Colômbia cumpre as formalidades processuais, pois quanto ao mérito do assunto, isto é, a culpabilidade ou inocência de Manuel Olate deve ser resolvida pelos tribunais colombianos. Para ser mais claro: sob o disfarce ou pretexto de que não se pronuncia sobre o mérito, a Câmara Criminal da Corte Suprema, nos fatos, se pronunciou sobre o mérito, ou seja, concedeu a pretensão do governo colombiano. E isso é absurdo, porque um juiz chileno, em processo legalmente executado, já determinou sua inocência. O advogado Alex Carocca estava confiante, porque os antecedentes que deverá ponderar o novo ministro não mudam. Na sua opinião, a sentença do ministro Muñoz demonstrou, sem margem para dúvidas que: a) A prova produzida por um ato de agressão internacional, não pode ser aceita como válida por nenhum tribunal. b) Que Manuel Olate não cometeu qualquer crime em território colombiano; ou melhor, no julgamento não se chegou a provar sequer que alguma vez tenha estado na Colômbia; c) As atividades de solidariedade para com um determinado movimento político, mesmo que as FARC, realizadas no Chile, não podem ser consideradas como financiamento de atividades terroristas; d) Não se satisfaz um dos pressupostos básicos para uma extradição, como é o princípio da dupla incriminação, ou seja, que o fato imputado deve ser constitutivo de delito tanto no Chile como na Colômbia; e) Não se cumpre também outro dos requisitos, como a inexistência de uma investigação no Chile, além de que a investigação foi levada adiante pelo próprio Ministério Público. Esse é o mérito da questão. Se, pelo afã de “resguardar” o direito de uma das partes, ou por pressões políticas, ou qualquer outro motivo, a tramitação do novo julgamento de extradição recai em um juiz simpático às idéias políticas compartilhadas pelos governos do Chile e da Colômbia, este grosseiro atentado ao direito e à justiça terá se consumado. Esse cenário retroagiria à tristemente célebre atuação dos tribunais durante a ditadura, quando bastava conhecer a identidade do juiz ou a composição do jurado, para saber como seria a sentença. Nesse cenário, os ministros assinantes da sentença da maioria, neste caso, não poderão alegar inocência perante a história por que não lhes correspondia se pronunciar sobre o mérito. Não foi porque Pilatos lavou as mãos que Cristo deixou de ser crucificado. Isso mencionado acima, por qualquer motivo que seja, não é uma expressão caprichosa. Quando este processo de extradição começou, um profundo conhecedor da geografia humana do Poder Judicial comentou com quem subscreve, que o normal é que os “supremaços” coincidam com listas de petições da Corte Suprema. Talvez por acaso – e tomara seja assim – a notícia da anulação do julgamento de extradição de Manuel Olate estava exatamente ao lado da seguinte manchete na página de notícias do Poder Judiciário: “Plenário da Corte Suprema e Presidente Piñera Analisam Projetos de Modernização do Poder Judiciário”. Manuel Olate, “que a Colômbia pare com essa parafernália” Depois de seis meses de o inicio do processo de extradição contra o chileno Manuel Olate exigido pelo Estado colombiano, após a decisão da Corte Suprema de anular o processo desenvolvido pelo juiz Sergio Muñoz, o militante comunista decidiu quebrar o silêncio. “Estou à disposição da Justiça, desde 15 de Janeiro, sequer tenho arraigo nacional e isso mostra a confiança que temos”, disse Olate para esclarecer que pensa enfrentar todo novo processo que será retomado na Corte Suprema. Segundo ele disse, não lhe importa a forma como será o julgamento porque “aqui não há ilícito”. Neste âmbito, apressou-se em descartar que ele tenha sido apelidado de “Roque”, como alegado pela Colômbia, nome de guerra com o qual seria conhecido a conexão financeira das FARC em nosso país. “Em relação a se sou Roque ou não...isso ficou claro no julgamento. Não existe essa figura na realidade. Não se reconheceu qualquer atividade ilegal e muito menos que eu fosse Roque. Isso ficou claro”, disse ele. Em relação à fotografia em que aparece ao lado do falecido número 2 das FARC, Raúl Reyes, Olate explicou que “foi tirada no contexto de uma entrevista que fiz a Raúl Reyes, dez dias antes de morrer e, provavelmente, não seria importante se não tivesse morrido. Nós publicamos essa entrevista em vários meios e se multiplicou por todo o mundo. Jamais dissemos que não a fizemos, inclusive assinei com o meu nome”. Nesse sentido, acusou a Colômbia de fazer este julgamento uma “parafernália”, além de assegurar que todas as informações que ele conseguiu, como o notebook de Raúl Reyes, o fez em território equatoriano. “Nós fizemos um trabalho de solidariedade com um monte de organizações em todo o mundo. Essa é a relação que temos com as FARC”, disse o designer gráfico para explicar suas ligações com a guerrilha colombiana. Finalmente, Manuel Olate disse que todo este processo “tem sido devastador para mim, minha família e meu trabalho”, ao ponto de reclamar que muitas portas de trabalho lhe foram fechadas por causa do processo de extradição iniciado pela Colômbia.