Documentário dá voz às reais vítimas da guerra civil na Colômbia
Logo na primeira cena do documentário Impunidade, em cartaz na 16ª edição do festival brasileiro “É Tudo Verdade”, os diretores Juan Jose Lozano e Holmann Morris dão o tom dessa produção franco-colombiana: uma denúncia sem atenuantes de um dos mais antigos conflitos em curso no mundo, a guerra civil na Colômbia. Usando um tom quase didático, seguindo uma bem desenhada cronologia, Lozano e Morris tentam explicar o que levou um país inteiro a se tornar refém da violência há mais de 30 anos.
O caminho para a compreensão está na origem desse confronto armado, com o embate direto no final dos anos 1960 entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – cuja criação foi inspirada no sucesso da revolução cubana – e as milícias paramilitares, criadas a partir de 1968 sob incentivo de uma lei nacional. Anos de combate nas selvas se seguiram.
Com o tempo e já com a lei revogada, os diversos grupos de paramilitares juntaram-se e fundaram, em 1997, as AUC (Autodefesas Unidas da Colômbia), cujo objetivo permanecia sendo a extinção das FARC. No entanto, como explica o documentário, sem qualquer controle do governo colombiano, os grupos passaram a aproveitar sua infraestrutura e armamento para lucrar com o tráfico de drogas e promover o deslocamento forçado de milhares de cidadãos de áreas produtivas, a pedido de grandes latifundiários e políticos. Resultado: milhares de mortos e desaparecidos, em sua grande maioria, camponeses humildes.
Após essa introdução, Lozano e Morris partem para junho de 2005, quando o governo de Álvaro Uribe assina a polêmica Lei de Justiça e Paz. A finalidade da legislação era dar suporte jurídico ao processo de paz com as AUC. Porém, o ato simbólico de entrega das armas foi acompanhado por uma série de condições claramente produzidas para poupar os acusados da justiça. Foram estabelecidas penas de 5 a 8 anos para autores de massacres e sequestros desde que tivessem confessado ou colaborado com as autoridades e a possibilidade de cumprir as penas em prisões agrícolas, dentre outras regalias.
Além disso, foi criado o Tribunal de Justiça e Paz, com a imediata abertura de milhares de processos contra membros de grupos paramilitares. Nas audiências, como mostra o filme, os réus permaneciam em salas protegidas, enquanto as famílias das vítimas, em auditórios, de onde questionavam os agressores por meio de telefones celulares.
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A cada pergunta, como “onde está meu irmão?”, ou “por que meu pai foi assassinado com um machado?”, se seguem respostas vazias: “Não sei. Iremos investigar o que aconteceu”. Aos poucos, a paciência das famílias acaba, assim como a esperança de encontrar uma explicação para o horror. A conclusão geral é a de que os poucos que chegaram aos tribunais – somente 600 dos 3,6 mil acusados – nunca receberão a punição correta.
Essa constatação se torna ainda mais forte quando, em 2010, os principais líderes dos paramilitares são extraditados para os Estados Unidos pelo governo Uribe, sob a justificativa de que lá pesavam sobre eles acusações por tráfico de drogas. Verdadeiros arquivos vivos saem do alcance da justiça colombiana e mais uma vez as vítimas se vêem sem respostas. É inevitável pensar que o ponto final para essas famílias está muito longe de ser alcançado.
Ao longo da produção, ganhadora de dezenas de prêmios internacionais, são repetidas duas frases que resumem o sentimento das vítimas do conflito colombiano, considerado um dos mais longos da América Latina.
Quantos mortos? Quantos desaparecidos?
Nunca saberemos.
(Marina Terra)
Com apoio de Opera Mundi