Carta de Iván Márquez a María Jimena Duzán
O integrante do Secretariado das
Farc respondeu à colunista de SEMANA uma carta pública na qual
perguntava como esta guerrilha iria responder as vítimas do
sequestro.
María Jimena
Respondo sua carta de março em meio ao clamor de paz que incessante se eleva desde abaixo, grito rouco do [cidadão] comum, sentimento orgulhosamente plebeu, estilhaçando contra o muro da surdez do poder, contra a violência e o terrorismo de um Estado que hoje ostenta sem vergonha a indignante joia de nos ter convertido no terceiro país mais desigual do mundo. Somos um sonho de paz em construção, desde Marquetalia em 64 e desde muito antes. A busca da paz com justiça social é um princípio reitor, fundamental, o norte verdadeiro de uma estratégia. Não enfrenta nem divide as FARC. Quando algum analista assalariado golpeia o bumbo midiático da existência de uma linha pacifista e outra guerreirista, não deixa de arrancar-nos um leve sorriso. A histórica coesão do Estado-Maior Central das FARC, que é o grande legado de Manuel, não se deixa impressionar por divagações taciturnas.
Respondo sua carta de março em meio ao clamor de paz que incessante se eleva desde abaixo, grito rouco do [cidadão] comum, sentimento orgulhosamente plebeu, estilhaçando contra o muro da surdez do poder, contra a violência e o terrorismo de um Estado que hoje ostenta sem vergonha a indignante joia de nos ter convertido no terceiro país mais desigual do mundo. Somos um sonho de paz em construção, desde Marquetalia em 64 e desde muito antes. A busca da paz com justiça social é um princípio reitor, fundamental, o norte verdadeiro de uma estratégia. Não enfrenta nem divide as FARC. Quando algum analista assalariado golpeia o bumbo midiático da existência de uma linha pacifista e outra guerreirista, não deixa de arrancar-nos um leve sorriso. A histórica coesão do Estado-Maior Central das FARC, que é o grande legado de Manuel, não se deixa impressionar por divagações taciturnas.
Com certa tristeza já distante, devemos admitir que
Caracas e Tlaxcala foram uma oportunidade perdida. Gaviria e Hommes,
possuídos já pelo Mefistófeles neoliberal, não admitiam outra
discussão que não fosse a entrega das armas e a desmobilização
da guerrilha. Aborreciam como seus sucessores seguem aborrecendo a
mudança das injustas estruturas, o sentimento de soberania e o fim
dos privilégios, alicerces da verdadeira paz. Nem eles mesmos podem
orgulhar-se hoje de ter aberto as portas à desnacionalização de
nossa economia nem de sua infame declaração de guerra integral
contra o povo.
Por
que não acreditar no ex presidente Pastrana e no ex comissionado de
paz Victor G. Ricardo? Eles afirmaram em todos os tons que buscaram o
diálogo como uma manobra para ganhar tempo frente a problemas
claramente identificados como a seca de recursos para a guerra e a
urgência de uma reengenharia do exército e da estratégia contra
insurgente. Não importava desalojar cinco municípios se o que se
buscava era salvar um regime cambaleante.
E,
de fato, quando consideraram alcançado este propósito, já
desenhado no Plano Colômbia pelos estrategistas do Comando Sul do
exército dos Estados Unidos, declararam rompidas as conversações.
E nem sequer atenderam o protocolo de respeitar o tempo de espera
combinado para o reinício das ações bélicas. Tendo em conta estas
circunstâncias, podemos afirmar que os diálogos do Caguán nasceram
mortos. Quem burlou, então, ao país?
Pretender,
hoje em dia, a entrega das armas e a desmobilização da guerrilha,
com a submissão a uma justiça, que precisamente queremos destronar,
é tão somente uma ilusão seráfica. Diríamos que um desrespeito
mais a um país que está sendo esbulhado pelas transnacionais e
traído por leis de prestidigitadores.
Devemos
parar essa “locomotiva do desenvolvimento” que todos os dias leva
o petróleo, o carvão, o ouro e o ferroníquel, recursos que
deveriam ser empregados na solução dos graves problemas sociais do
país. O impacto ambiental é um desastre. Na hora de falar de paz,
estes temas não devem desaparecer da agenda, não se pode eliminar a
superação das causas geradoras do conflito, a reversão da política
neoliberal..., e o povo não pode ficar por fora da mesa.
Respeitamos,
María Jimena, sua convicção contra a luta armada, porém, ao mesmo
tempo, abrigamos a esperança de que a inteligência entenda que
estamos fazendo uso de um direito universal. Bolívar nos diz que,
“ainda quando sejam alarmantes as consequências da resistência ao
poder, não é menos certo que existe na natureza do homem social um
direito inalienável que legitima a insurreição”. No entanto,
estamos dispostos a assinatura de um tratado de regularização da
guerra, que recolha as especificidades do conflito colombiano para
tornar menos dolorosas suas consequências, ao tempo em que
propendemos por um acordo de paz, um novo contrato social que ponha
fim à confrontação bélica, removendo as causas que a geram.
Lamentavelmente,
na Colômbia o ato da rebelião tem sido desfigurado em seu caráter
ao privar-se a conexão com condutas que lhe são inerentes, tudo em
desenvolvimento de uma estratégia para dissuadir com penas severas a
resistência, que nem sequer prevê que a oposição de hoje pode
amanhã ascender ao poder, e que sempre será necessário invocar um
tratamento mais benévolo para o opositor.
Alguns
se escandalizam porque um prisioneiro de guerra passe 14 anos
confinado na selva, porém se tornam cegos e mudos quando há
guerrilheiros como Simón Trinidad condenados a 60 anos de prisão no
desterro, e com correntes físicas. Nenhum dos casos deveria ser.
Diz
você que acredita em nós quando anunciamos o fim das retenções
econômicas, e em troca nos exige mais e mais gestos de paz, e nem um
só ao governo. Talvez se tenha desvanecido em sua memória que
libertamos unilateralmente a uns 500 prisioneiros de guerra
capturados em combate, recebendo do Estado reciprocidade zero.
O
estabelecimento nem sequer permitiu ao grupo de mulheres gestoras de
paz – que intercederam para a libertação de seus prisioneiros de
guerra – a visita aos cárceres para verificar as condições de
reclusão dos guerrilheiros e dos milhares de prisioneiros políticos.
Não
deveria, María Jimena, colocar-se essa venda subjetiva sobre seus
olhos. Previamente ao anúncio, Timoleón Jiménez, nosso comandante,
fez uma consulta a todos os Blocos, e a verdade é que nenhum deles
tem pessoas retidas com esse propósito. País livre é uma
organização paragovernamental de mentirosos que necessita
justificar as ajudas internacionais e institucionais que recebe.
Já
que recorda nebulosamente minha passagem fugaz pelo Congresso da
República, considero pertinente precisar-lhe que, com Alfonso Cano e
Raúl Reyes, e muitos outros combatentes, fomos obrigados pelo
Estatuto de Segurança de Turbay Ayala e o Estado de Sítio
permanente, a abraçar a luta armada. E que muitos dos dirigentes das
mobilizações populares de hoje são os filhos e herdeiros de uma
geração de revolucionários, decapitada pela intransigência do
Estado e pelo genocídio da União Patriótica.
Essa
intransigência das elites está entrincheirada por trás da máquina
de guerra do Estado e por trás dessa arrogância violenta que lhes
vem do apoio de Washington, porém não há que depreciar que os
negócios dessas elites estão imersos na crise sistêmica do capital
e que a entrega dolorosa da soberania é gasolina e carvão que pode
acender a indignação.
Causa
certa perplexidade seu desconhecimento das motivações políticas e
ideológicas que estimulam as FARC, que a levam docilmente, sem muita
reflexão, a equiparar-nos com as Bacrim. Você sabe que essa sigla
foi inventada pelo governo para tentar inutilmente deslindar-se dos
crimes de lesa-humanidade do paramilitarismo de Estado.
Na
Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia está retratado um projeto
político de nova sociedade. Duvido que alguma vez possa ver a um
comandante das FARC descansando numa rede, tomando os licores que
você imagina, desconectado da paixão que o impulsiona sem cessar à
tarefa da construção da Nova Colômbia, soberana, em democracia,
justiça social e paz.
É
óbvio que não estamos na margem dos que pilham nossos recursos e
causam a pobreza de 30 milhões de compatriotas. Mirar as
possibilidades de paz desde a margem do empresário Luis Carlos
Sarmiento Angulo, por exemplo, que diariamente desloca a umas 10
famílias de suas casas, alegando não pagamento, quando as pessoas
já pagaram três vezes e mais o valor das mesmas, é correr o risco
de ficarmos presos eternamente na noite da guerra. A estes tipos
devemos render-lhes homenagens?
Depois
de andar todos estes anos com um fuzil nas mãos e a chama da paz no
coração, relembrando os caídos, pensando nos humildes, creio ter
mais razões que nunca para lutar pelo ideal de dignidade de um povo
até as últimas consequências. Se a paz há de vir pela via da
solução política, bem-vinda seja. É o que desejamos todos. Temos
fé cega na força da mobilização e marcha do povo pela paz.
Iván Márquez
Integrante do Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP
Montanhas de Colômbia, 20 de abril de 2012