"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 18 de maio de 2012

Carta de Iván Márquez a María Jimena Duzán


O integrante do Secretariado das Farc respondeu à colunista de SEMANA uma carta pública na qual perguntava como esta guerrilha iria responder as vítimas do sequestro.
María Jimena

Respondo sua carta de março em meio ao clamor de paz que incessante se eleva desde abaixo, grito rouco do [cidadão] comum, sentimento orgulhosamente plebeu, estilhaçando contra o muro da surdez do poder, contra a violência e o terrorismo de um Estado que hoje ostenta sem vergonha a indignante joia
de nos ter convertido no terceiro país mais desigual do mundo. Somos um sonho de paz em construção, desde Marquetalia em 64 e desde muito antes. A busca da paz com justiça social é um princípio reitor, fundamental, o norte verdadeiro de uma estratégia. Não enfrenta nem divide as FARC. Quando algum analista assalariado golpeia o bumbo midiático da existência de uma linha pacifista e outra guerreirista, não deixa de arrancar-nos um leve sorriso. A histórica coesão do Estado-Maior Central das FARC, que é o grande legado de Manuel, não se deixa impressionar por divagações taciturnas.
Na década dos 80 vi o velho Jacobo Arenas abraçando como uma criança a fantasia de ver-se nas praças públicas como tribuno, comandando a alternativa política para Colômbia e a marcha irreprimível pela paz. Não foi possível, María Jimena, você sabe. Mataram a esperança da União Patriótica.
Com certa tristeza já distante, devemos admitir que Caracas e Tlaxcala foram uma oportunidade perdida. Gaviria e Hommes, possuídos já pelo Mefistófeles neoliberal, não admitiam outra discussão que não fosse a entrega das armas e a desmobilização da guerrilha. Aborreciam como seus sucessores seguem aborrecendo a mudança das injustas estruturas, o sentimento de soberania e o fim dos privilégios, alicerces da verdadeira paz. Nem eles mesmos podem orgulhar-se hoje de ter aberto as portas à desnacionalização de nossa economia nem de sua infame declaração de guerra integral contra o povo.
Porém, devo confessar-lhe, María Jimena, que nós, leitores assíduos de sua coluna e seguidores de seus debates radiofônicos, quase não a reconhecemos em sua leitura um pouco precária dos motivos que determinaram o fracasso dos diálogos do Caguán.
Por que não acreditar no ex presidente Pastrana e no ex comissionado de paz Victor G. Ricardo? Eles afirmaram em todos os tons que buscaram o diálogo como uma manobra para ganhar tempo frente a problemas claramente identificados como a seca de recursos para a guerra e a urgência de uma reengenharia do exército e da estratégia contra insurgente. Não importava desalojar cinco municípios se o que se buscava era salvar um regime cambaleante.
E, de fato, quando consideraram alcançado este propósito, já desenhado no Plano Colômbia pelos estrategistas do Comando Sul do exército dos Estados Unidos, declararam rompidas as conversações. E nem sequer atenderam o protocolo de respeitar o tempo de espera combinado para o reinício das ações bélicas. Tendo em conta estas circunstâncias, podemos afirmar que os diálogos do Caguán nasceram mortos. Quem burlou, então, ao país?
Pretender, hoje em dia, a entrega das armas e a desmobilização da guerrilha, com a submissão a uma justiça, que precisamente queremos destronar, é tão somente uma ilusão seráfica. Diríamos que um desrespeito mais a um país que está sendo esbulhado pelas transnacionais e traído por leis de prestidigitadores.
Devemos parar essa “locomotiva do desenvolvimento” que todos os dias leva o petróleo, o carvão, o ouro e o ferroníquel, recursos que deveriam ser empregados na solução dos graves problemas sociais do país. O impacto ambiental é um desastre. Na hora de falar de paz, estes temas não devem desaparecer da agenda, não se pode eliminar a superação das causas geradoras do conflito, a reversão da política neoliberal..., e o povo não pode ficar por fora da mesa.
Respeitamos, María Jimena, sua convicção contra a luta armada, porém, ao mesmo tempo, abrigamos a esperança de que a inteligência entenda que estamos fazendo uso de um direito universal. Bolívar nos diz que, “ainda quando sejam alarmantes as consequências da resistência ao poder, não é menos certo que existe na natureza do homem social um direito inalienável que legitima a insurreição”. No entanto, estamos dispostos a assinatura de um tratado de regularização da guerra, que recolha as especificidades do conflito colombiano para tornar menos dolorosas suas consequências, ao tempo em que propendemos por um acordo de paz, um novo contrato social que ponha fim à confrontação bélica, removendo as causas que a geram.
Lamentavelmente, na Colômbia o ato da rebelião tem sido desfigurado em seu caráter ao privar-se a conexão com condutas que lhe são inerentes, tudo em desenvolvimento de uma estratégia para dissuadir com penas severas a resistência, que nem sequer prevê que a oposição de hoje pode amanhã ascender ao poder, e que sempre será necessário invocar um tratamento mais benévolo para o opositor.
Alguns se escandalizam porque um prisioneiro de guerra passe 14 anos confinado na selva, porém se tornam cegos e mudos quando há guerrilheiros como Simón Trinidad condenados a 60 anos de prisão no desterro, e com correntes físicas. Nenhum dos casos deveria ser.
Diz você que acredita em nós quando anunciamos o fim das retenções econômicas, e em troca nos exige mais e mais gestos de paz, e nem um só ao governo. Talvez se tenha desvanecido em sua memória que libertamos unilateralmente a uns 500 prisioneiros de guerra capturados em combate, recebendo do Estado reciprocidade zero.
O estabelecimento nem sequer permitiu ao grupo de mulheres gestoras de paz – que intercederam para a libertação de seus prisioneiros de guerra – a visita aos cárceres para verificar as condições de reclusão dos guerrilheiros e dos milhares de prisioneiros políticos.
Não deveria, María Jimena, colocar-se essa venda subjetiva sobre seus olhos. Previamente ao anúncio, Timoleón Jiménez, nosso comandante, fez uma consulta a todos os Blocos, e a verdade é que nenhum deles tem pessoas retidas com esse propósito. País livre é uma organização paragovernamental de mentirosos que necessita justificar as ajudas internacionais e institucionais que recebe.
Já que recorda nebulosamente minha passagem fugaz pelo Congresso da República, considero pertinente precisar-lhe que, com Alfonso Cano e Raúl Reyes, e muitos outros combatentes, fomos obrigados pelo Estatuto de Segurança de Turbay Ayala e o Estado de Sítio permanente, a abraçar a luta armada. E que muitos dos dirigentes das mobilizações populares de hoje são os filhos e herdeiros de uma geração de revolucionários, decapitada pela intransigência do Estado e pelo genocídio da União Patriótica.
Essa intransigência das elites está entrincheirada por trás da máquina de guerra do Estado e por trás dessa arrogância violenta que lhes vem do apoio de Washington, porém não há que depreciar que os negócios dessas elites estão imersos na crise sistêmica do capital e que a entrega dolorosa da soberania é gasolina e carvão que pode acender a indignação.
Causa certa perplexidade seu desconhecimento das motivações políticas e ideológicas que estimulam as FARC, que a levam docilmente, sem muita reflexão, a equiparar-nos com as Bacrim. Você sabe que essa sigla foi inventada pelo governo para tentar inutilmente deslindar-se dos crimes de lesa-humanidade do paramilitarismo de Estado.
Na Plataforma Bolivariana pela Nova Colômbia está retratado um projeto político de nova sociedade. Duvido que alguma vez possa ver a um comandante das FARC descansando numa rede, tomando os licores que você imagina, desconectado da paixão que o impulsiona sem cessar à tarefa da construção da Nova Colômbia, soberana, em democracia, justiça social e paz.
É óbvio que não estamos na margem dos que pilham nossos recursos e causam a pobreza de 30 milhões de compatriotas. Mirar as possibilidades de paz desde a margem do empresário Luis Carlos Sarmiento Angulo, por exemplo, que diariamente desloca a umas 10 famílias de suas casas, alegando não pagamento, quando as pessoas já pagaram três vezes e mais o valor das mesmas, é correr o risco de ficarmos presos eternamente na noite da guerra. A estes tipos devemos render-lhes homenagens?
Depois de andar todos estes anos com um fuzil nas mãos e a chama da paz no coração, relembrando os caídos, pensando nos humildes, creio ter mais razões que nunca para lutar pelo ideal de dignidade de um povo até as últimas consequências. Se a paz há de vir pela via da solução política, bem-vinda seja. É o que desejamos todos. Temos fé cega na força da mobilização e marcha do povo pela paz.

Iván Márquez

Integrante do Secretariado do Estado-Maior Central das FARC-EP

Montanhas de Colômbia, 20 de abril de 2012