A Marcha Patriótica, oposição estigmatizada e ameaçada
Por
Luis Jairo Ramirez H.
As
reações histéricas, quase instintivas, da atual direção do país
frente à emergência do movimento social e político – Marcha
Patriótica – nos mostram de novo uma oligarquia colombiana
petrificada, que não permite evolução alguma para a democracia.
Nas cabeças da “Unidade Nacional” começam as maquinações para
ver como sacar de cima semelhante incômodo. Os laboratórios de
inteligência da Polícia e do Exército trabalham as 24 horas do dia
para idealizar estratégias midiáticas, políticas e militares que
enfrentem ao novo “espantalho terrorista” que ameaça os
privilégios de sempre. Novamente, os meios de comunicação, em vez
de destacar as dimensões políticas e multitudinárias da marcha,
optaram por um julgamento a Piedad Córdoba... De onde saiu o
dinheiro para sufragar a marcha? Alguém assinalou: tudo do pobre é
roubado...!! A história da intolerância oficial se repete uma e
outra vez.
A
violência dos anos 40 do século passado se explica na negativa das
elites dominantes a admitir uma oposição real. A mentalidade
monárquica da política tradicional colombiana resiste a qualquer
sinal de inconformismo, com maior razão se provém da base mesma da
sociedade. É a ideia de que os de baixo devem dedicar-se a fazer
sapatos ou vender frutas, porque as questões da política e o poder
são assunto exclusivo dos de cima, e quando os de baixo jogam o
feitio dos sapatos para o lado, fazem política e pensam no poder,
automaticamente são convertidos em “terroristas”, “ficam à
margem da Lei”, porque a legalidade, a justiça, a democracia e a
liberdade também têm uma conotação de classe na medida em que são
bens exclusivos das grandes fortunas... Os de baixo foram concebidos
para serem resignados e obedientes.
A
9 de abril de 1948, essas elites despóticas, assustadas pela
irreprimível marcha de Eliécer Gaitán para o poder, não tiveram
outra opção que assassiná-lo. Gaitán, ademais, não agradava a
elas por ser negro e irreverente e o custo de preservar o poder para
os conservadores foi um holocausto de 300 mil colombianos. Nos anos
60, também asfixiaram a Frente Unida do sacerdote rebelde Camilo
Torres, fechando-lhe todos os espaços para a ação política aberta
e, finalmente, foi assassinado quando recém dava seus primeiros
passos insurgentes.
Pouco
depois da fraude eleitoral contra a Anapo, nos inícios dos anos 70,
se formou a União Nacional de Oposição – UNO –, constituída
pelos comunistas, o Moir, setores da Anapo e liberais independentes;
então, os governantes bicolores e militares da época brandiam o
discurso e as ações anticomunistas em campos e cidades; ainda
recordamos o assassinato de José Romaña Mena, vice-presidente do
Conselho de Cimitarra, ultimado pelo DAS em 1975; ou o dos
companheiros Nicolás Mahecha e Javier Baquero, vice-presidente do
Conselho de Yacopí, em 18 de outubro de 1975 por tropas militares;
depois, o exército assassinaria o Presidente do Conselho de
Cimitarra e militante do Partido Comunista, companheiro Josué
Cavanzo, a 9 de janeiro de 1977; em 7 de outubro de 1979, cai
assassinado o vice-presidente do Conselho de Puerto Berrío, DARÍO
ARANGO, dirigente do PCC e da Associação Nacional de Barqueiros. Os
assassinatos em massa durante a atividade política da UNO na década
dos anos 70 foram o preço de se declararem inconformados frente às
tremendas injustiças de uma direção política medíocre e
violenta.
Produto
dos acordos de paz entre o governo de Belisario Betancur e as FARC,
se lançou à vida pública a UNIÃO PATRIÓTICA [UP], Movimento
Amplo de Oposição que propôs à sociedade colombiana um programa
de transformação democrática que atraiu uma importante simpatia;
no entanto, uma aliança do Estado Colombiano, os pecuaristas, o
narcotráfico, o paramilitarismo e certos dirigentes políticos do
bipartidarismo afogaram em sangue a mais importante possibilidade de
paz no país. 5 mil líderes políticos e sociais assassinados são o
testemunho cruel da selvageria de umas elites liberais e
conservadoras que foram capazes de ordenar todo um genocídio para
manter seus privilégios econômicos e políticos. Hoje, tratam de
lavar suas culpas com infames desculpas: que a combinação das
formas de luta, que ajustes de contas e lutas internas entre a UP e
as FARC etc. Na realidade, a estigmatização por parte de altos
funcionários do governo, militares e políticos tradicionais através
dos grandes meios de comunicação instigou a matança que ainda se
encontra na impunidade e, aliás, foi deixada à margem da recente
“Lei de vítimas e restituição de terras”.
UM
POLO DEMOCRÁTICO DEMONIZADO PELA MÍDIA E PELO PODER
Em
2005 se constitui o POLO DEMOCRÁTICO ALTERNATIVO, até agora o mais
ambicioso movimento de unidade da esquerda. Nas eleições
presidenciais de 28 de maio de 2006, nas quais resultou reeleito o
presidente-candidato Álvaro Uribe Vélez, o ex-magistrado Carlos
Gaviria, candidato do POLO, conquistou o segundo lugar, superando o
candidato liberal Horacio Serpa e, assim, o Polo Democrático
Alternativo obteve a máxima votação na história da esquerda
colombiana, com 2.609.412 (22% da votação). A reação do governo
de Uribe Vélez não se fez esperar, se desatou a mais violenta e
sistemática atividade criminal para acabar com a oposição
encarnada no POLO. Um jornal dos EEUU assinalou que “recursos dos
Estados Unidos foram usados para espiar e adiantar campanhas de
difamação contra os setores de oposição, entre outros”. A
própria Promotoria qualificou como “empresa criminosa” a
operação para difamar e atentar contra o POLO desde o DAS, e
conspirar vinculando-o com grupos ilegais. O diretor de Notícias de
RCN, Juan Gossaín, editorializou: “Isto não são chicotadas, isto
é a espionagem mais horrenda e asquerosa e repugnante do mundo, com
atentados terroristas”. Aproximadamente 20 líderes do Polo foram
assassinados e mais de 49 ameaçados. Isto o Ministério do Interior
sabe, porém pouco se está fazendo a respeito.
PERSPECTIVAS
E PERIGOS QUE CERCAM A MARCHA
Desde
a Marcha Nacional do Bicentenário de 19 a 21 de julho de 2010, que
lotou as ruas de Bogotá, passando pelo Encontro multitudinário de
Barrancabermeja de agosto de 2011, até a convocatória de 1.700
organizações sociais, partidos políticos, personalidades de toda a
nacionalidade e mais de 100 delegações internacionais ao lançamento
do Movimento Político e Social Marcha Patriótica, este período de
21 a 23 de abril de 2012 marca uma sequência da mobilização
popular e uma guinada significativa da vida política nacional. É
evidente que, para a maioria dos colombianos, este modelo de
sociedade com a maior desigualdade de toda a América Latina, com uma
classe dirigente belicosa e repressiva, um regime que facilita às
transnacionais o saque do petróleo e dos minerais, uma pobreza que
supera 67%, o maior índice de desemprego e precarização do
trabalho dos últimos anos, com 5 milhões de deslocados e um roubo
violento de terras, uma juventude à qual se fecham todas as
possibilidades de estudo e uma crise de direitos humanos sem
antecedentes, não é o modelo de sociedade com o qual sonhamos.
Tal
como ocorreu nos últimos 60 anos, como se fosse um disco arranhado,
todos a uma: Governo, FFAA, parapolíticos, meios de comunicação,
gritam em coro que “a marcha patriótica é uma fachada das FARC”.
Quem acreditaria... até há pouco apregoavam “o fim do fim” da
guerrilha, e agora, de repente, vociferam que 100 mil marchantes
chegados das mais diversas regiões do país, têm a ver com as
FARC...!!! E os gastos? Não, senhores, não foi como o financiamento
paramilitar da campanha Presidencial e de Congresso às elites em
2002 e, após, em 2006, que constitui o mais tenebroso período que
conhece a história nacional. Neste caso, 1.700 organizações
sociais financiaram, cada uma, sua própria mobilização, em meio a
uma infinidade de retenções militares e de ameaças paramilitares
como a do nordeste antioquenho; se alojaram em hotéis humildes e em
barracas, se limitaram a comer pamonhas, arroz com frango e café.
Com intoxicações incluídas. As precariedades a que estão
acostumados os pobres durante lustros.
Não
foi como na convenção nacional conservadora ou a convenção do
Partido da U, movidas em aviões, alojadas em luxuosos resorts e
comidas tipo buffet, com coquetel de despedida ao final, que tampouco
passam por inumeráveis revistas do exército, senhor Presidente
Santos.
A
Marcha Patriótica não era uma convenção de banqueiros,
industriais, pecuaristas, terratenentes e um que outro mafioso. Não.
Na realidade, o que gerou suspeitas é que era uma convenção de
desfarrapados, campesinos, indígenas e afrodescentes deslocados,
sobreviventes do genocídio da UP, um que outro operário, um que
outro intelectual, muitos jovens, boa parte deles estudantes, até
artistas, a maioria mal letrados, porém que se fazem entender,
deixando claro o que querem. O que tem incomodado é que se reuniram
os que [a elite] tem proibido fazer política, os que lhes vedaram
pensar na democracia, na paz e no poder. Lhes aterroriza que, assim
como na Bolívia, não seja um alto executivo da capital quem
governe, mas sim um índio vindo de longínquas terras.