Colômbia: Um Estado Terrorista?
[ 24.03.10 ] em Instituto de Estudos Latino-Americanos / UFSC
Por Waldir José Rampinelli – professor do Departamento de História da UFSC
Na Colômbia, afirmava um líder comunitário, é mais fácil organizar uma guerrilha que um sindicato. Se alguém tem dúvidas, que o tente no seu local de trabalho. A Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), criada em 1987, contabilizava, doze anos depois, 2.500 filiados assassinados, sendo os empregados das plantações de banana os mais atingidos, seguidos dos professores e dos petroleiros. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) declarou que a Colômbia é o país do mundo onde qualquer atividade sindical representa um alto grau de risco. E usou a expressão “genocídio sindical” para caracterizar os constantes massacres da população organizada.
O livro “O Terrorismo de Estado na Colômbia” (Florianópolis: Editora Insular, 2010), do jornalista Hernando Calvo Ospina, é um importante estudo da política colombiana e de como um Estado classista se utiliza do terror contra sua população para que uma oligarquia se apodere do país.
O assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em abril de 1948, desencadeou a espiral de violência. Embora pertencesse ao Partido Liberal, ele era um líder popular com um discurso nacionalista e anti-imperialista, responsabilizando a oligarquia colombiana e as empresas estadunidenses pela superexploração da mão-de-obra de seu povo. Seguramente seria eleito presidente nas eleições de 1949, daí sua eliminação para que a classe dominante continuasse seu processo de acumulação. A revolta popular foi tão grande pela morte dele que, assim que tomou conhecimento pelo rádio, atacou e incendiou símbolos do poder em Bogotá, tais como o Palácio da Justiça, a Procuradoria da Nação, o Ministério do Interior e da Educação, a sede presidencial, a Nunciatura Apostólica e vários conventos, entidades estas responsabilizadas como autoras intelectuais do assassinato de Gaitán.
A partir de então, o Partido Liberal e o Conservador estabeleceram uma coalisão, denominada de Frente Nacional, destinada a garantir o poder à oligarquia, tornando quase impossível que uma força militar ou civil rompesse este sistema. Passaram a se revezar no poder, distribuindo os cargos entre si e funcionando como entidades do Estado. A diferença entre Liberais e Conservadores se reduziu a que, afirma Gabriel García Marquez, enquanto uns iam à missa das sete, outros frequentavam a das nove. Com o surgimento da Frente Nacional acabavam-se as lutas partidárias, mas nascia a luta de classes.
Os camponeses mais perseguidos foram os liberais gaitanistas. Acredita-se que entre 1946 e 1958 foram assassinados aproximadamente 300 mil deles. Deste modo, não restava a eles outra alternativa que a luta armada. A “Operação Marquetalia”, uma incursão militar assessorada pelos boinas verdes estadunidenses contra supostos “bandoleiros” que defendiam “repúblicas independentes”, serviu para massacrar vários “pueblos”. Em um deles vivia o “campesino” Manuel Marulanda Vélez, que se viu obrigado a adotar uma nova forma de resistência – guerra de guerrilhas – de unidades em movimento permanente, evitando a confrontação e atacando de surpresa. Nasciam, assim, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), de cunho comunista (1965).
Um ano antes já havia sido criado o Exército de Libertação Nacional (ELN), com forte influência ideológica da Revolução Cubana, tendo em vista que vários de seus dirigentes haviam estado na Ilha participando do processo de defesa das agressões imperialistas. A esta organização pertenceu o tão conhecido sacerdote Camilo Torres Restrepo, que dizia que “o dever de todo cristão é ser revolucionário e o dever de todo revolucionário é fazer a revolução”. Em 1967, foi fundado o Exército Popular de Libertação (EPL), tendo como bandeira a teoria da “guerra popular prolongada” e a criação de “embriões de poder alternativo”. Mais tarde, em 1974, apareceu também o Movimento 19 de Abril (M-19), que se definiria como nacionalista e que lutava pelo socialismo.
O Estado colombiano, suas classes dominantes e Washington, de tanto falar do “perigo comunista” e de massacrar camponeses indefesos, haviam ajudado a tornar realidade o aparecimento de quatro organizações político-militares, algumas delas atuantes até hoje.
Os Paramilitares
A Doutrina de Segurança Nacional, utilizada pela França nas guerras colonialistas da Indochina e da Argélia, como também pelos nazistas na resistência gálica, entrou na Colômbia, pelas mãos de Washington, com o objetivo de alinhá-la na Guerra Fria e com a finalidade de combater os grupos guerrilheiros e todos aqueles que lhes davam apoio. O inimigo passa a ser interno e é caracterizado de “bandoleiro”, “subversivo”, “guerrilheiro” e “terrorista”. Deste modo, a presença e a atuação das Forças Armadas da Colômbia “alcançariam um status de ideologia de Estado”.
No entanto, por pressão de organismos internacionais, o Estado colombiano foi denunciado com freqüência nas entidades de direitos humanos. Passou, então, inicialmente a estimular e posteriormente a criar grupos paramilitares que tivessem as mãos livres para perpetrar todos os crimes possíveis contra as organizações de esquerda. Os “para”, como são conhecidos, se autodenominaram de Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC) e são financiados por empresários, latifundiários e narcotraficantes, cabendo ao Exército colombiano o suporte tático e estratégico. Tais grupos cresceram tanto no país que 1987 e 1988 são conhecidos como os “anos do paramilitarismo”. Eles chegaram a criar um partido político – o Movimento de Renovação Nacional (Morena) – pretendendo expandir a experiência paramilitar como ideologia política.
Hernando Calvo Ospina, neste trabalho, mapeia os nomes de generais, coronéis e demais pessoas que assumiram a direção e operação dos grupos paramilitares com o apoio das democracias capitalistas dos Estados Unidos, da Europa e da América Latina. Os paramilitares atacam principalmente as populações civis e desarmadas, alegando que, como não encontram os grupos guerrilheiros, dão cabo daqueles que lhes apóiam. Se não se pode pegar o peixe, tenta-se tirar-lhe a água. Daí que todos são suspeitos sem poder provar o contrário. Assassinam líderes comunitários, massacram povoados acusados de abastecer as guerrilhas, obrigam as pessoas a votar em seus candidatos, exigem que os camponeses vendam suas terras pelos preços que eles estabelecem e provocam um enorme êxodo rural com o conseqüente inchaço das cidades, dispondo para tudo isso da proteção do Exército colombiano. O jornal espanhol El País, na sua edição de 20 de abril de 2009, sob o título “Las tierras de sangre en Colômbia”, mostra a luta dos camponeses para reaver suas propriedades, pagando com a vida o simples gesto de reivindicar o que fora seu um dia.
Os paramilitares têm, igualmente, seus apoios internacionais, principalmente dentro de Israel e dos Estados Unidos. Empresas israelenses de segurança, contratadas por narcotraficantes e por uma companhia exportadora de banana, com o apoio do governo colombiano e de suas forças de segurança, trouxeram assessores daquele país para treinar os “para”. Os cursos eram tão caros (por três deles foram pagos 800.000 dólares) que, segundo confissão do paramilitar Baquero Agudelo “Vladimir” coube aos narcotraficantes Gonzalo Rodríguez Gacha, Victor Carranza e Pablo Escobar Gavíria o financiamento dos mesmos. Aliás, foi com Escobar Gavíria que os mercenários israelenses cresceram na Colômbia, já que o grande “capo” necessitava cada vez mais de segurança pessoal como também para suas plantações de coca.
Gravíssima, porém, é a relação dos paramilitares e narcotraficantes com a Agência Central de Inteligência (CIA). Enquanto os “para” atuavam dentro da lógica da Doutrina de Segurança Nacional contra as guerrilhas e seus apoiadores, já os “narco” abasteciam a CIA com cocaína, que, uma vez levada à América Central, e daí aos Estados Unidos, era vendida e o dinheiro revertido para financiar os “contra” que, na fronteira de Honduras com a Nicarágua, lutavam para derrubar o regime sandinista. Esta triangulação, feita para arrecadar fundos, driblava uma decisão do Congresso estadunidense que havia proibido o financiamento deste exército irregular. A sentença de morte de Pablo Escobar Gavíria se deveu, entre outras razões, segundo declarações de membros do Cartel de Medellín, ao fato de ele, em um de seus momentos de arranque nacionalista e anti-imperialista, se negar a fornecer mais cocaína à CIA para a guerra antissandinista.
Uribe e suas conexões perigosas
Fernando Garavito Pardo, colunista do jornal “El Espectador”, teve de se exilar, em março de 2002, depois que publicou uma série de trabalhos sobre os possíveis nexos do então candidato a presidente Álvaro Uribe Vélez com o narcotráfico e o paramilitarismo. O mesmo aconteceu com Ignácio E. Gómez Gómez, logo depois de receber o Prêmio Internacional de Liberdade de Imprensa, do Comitê Mundial para a Proteção dos Jornalistas, ao fazer uma reportagem que relacionava Uribe com o Cartel de Medellín.
Quando o pai do presidente foi atacado pelas FARC em sua fazenda, Uribe se utilizou do helicóptero mais moderno do país, de propriedade de Pablo Escobar Gavíria, para chegar ao local do enfrentamento. Perguntado sobre o uso da aeronave, o presidente simplesmente respondeu que “embarquei quase de noite no primeiro helicóptero que conseguiram [...] O jornal “El Mundo” disse, no dia seguinte, que o helicóptero era do fazendeiro Pablo Escobar”.
Em 1984, quando a polícia chegou ao maior laboratório de cocaína do mundo, de Pablo Escobar – o Tranquilandia –, encontrou várias aeronaves, três das quais tinham licença de funcionamento expedida pela Aeronáutica Civil quando seu diretor fora Álvaro Uribe Vélez.
No entanto, o mais grave estaria por vir. Em 30 de julho de 2004, a presidência da Colômbia rechaçou um documento da Defense Intelligence Agency (DIA), um dos serviços de segurança mais secretos e poderosos dos Estados Unidos, que classificava Uribe “um político e senador colombiano dedicado a colaborar com o Cartel de Medellín nas altas esferas do governo”. E continuava: “Esteve vinculado com os negócios relacionados com as atividades dos narcóticos nos Estados Unidos. Seu pai foi assassinado na Colômbia por sua conexão com os traficantes de narcóticos. Uribe tem trabalhado para o Cartel de Medellín e é um próximo amigo pessoal de Pablo Escobar Gaviria (sic)”.
Esta é uma das causas que explicam o apego de Uribe ao poder. Teme que, uma vez terminado seu mandato presidencial, possa ser julgado por alguma corte internacional por conta de seus vínculos quer com o narcotráfico, quer com os paramilitares.
Tornou-se um defensor acérrimo do Plano Colômbia, cujo objetivo principal é a militarização, aumentando a guerra interna. Dos recursos aprovados pelo Congresso estadunidense para este plano, 85% estavam destinados ao fortalecimento do aparato bélico, enquanto para a repressão ao narcotráfico nada fora adjudicado. Apenas 8% eram investidos na substituição dos cultivos ilícitos. Além disso, Uribe cede a soberania de seu país aos Estados Unidos ao permitir que o Pentágono instale sete bases militares na Colômbia, sendo três aéreas, duas terrestres e duas navais. O almirante Stavridis, recentemente nomeado por Obama chefe supremo da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), afirmou que “na América do Sul me concentrei em operações de insurgência na Colômbia, repercutindo em meu papel como comandante no Afeganistão”, e revelou à CBS que “os Estados Unidos estavam enviando ao Afeganistão comandos colombianos treinados pelos boinas verdes”. E completou: “quanto mais se pareça o Afeganistão à Colômbia, melhor”.
O resultado de todo este terrorismo de Estado, além dos milhares de assassinados que vai deixando pelo caminho, é a fuga das pessoas do campo para as periferias das cidades. Já há mais de quatro décadas a Colômbia vive um conflito interno com nítidas características de guerra civil. É, portanto, o país com “a mais grave crise humanitária do hemisfério ocidental”, catalogou o Alto Comissionado da ONU para os Refugiados (Acnur) no ano 2000. Três anos depois, a Colômbia era o segundo país do mundo em número de refugiados. Perdia apenas para o Sudão.
Os governos colombianos têm tornado as estatísticas horripilantes no que toca aos direitos humanos. Fazendo-se uma comparação macabra com as ditaduras de segurança nacional da América do Sul, chega-se a números espantosos: o terror de Estado na Colômbia, a partir de 1986, tem matado mais, a cada período presidencial de quatro anos, que todas as ditaduras militares regionais juntas no mesmo espaço de tempo. Por isso, a Colômbia não teve ditaduras militares porque vive uma “ditadura perfeita”, ou seja, aquela que faz tudo o que as demais fazem e, no entanto, parece ser democrática.
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O colombiano Hernando Calvo Ospina, depois de escrever este livro, a partir de fontes primárias, não pode mais voltar para seu país. É jornalista refugiado do Le Monde Diplomatique em Paris.
1 – SAXE-FERNANDEZ, John. La gran traición. La Jornada, México, 13 ago. 2009. Seção Opinião.