"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 2 de março de 2010

Fidel Castro: Guardarei uma lembrança inesquecível do meu último encontro com o Presidente do Brasil



Fidel relembra a época em que conheceu o mandatário brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e afirma o grande desenvolvimento alcançado pelo país sul-americano sob seu governo. O líder cubano também considera que a última Cúpula do Rio foi de grande importância porque se propõe a criação de uma organização latino-americana sem a opressiva influência dos Estados Unidos e argumenta que não concorda com a produção de biocombustíveis, no entanto, compreende as razões brasileiros sobre o assunto.

TeleSUR _ ago: 05 horas


O líder da Revolução Cubana, Fidel Castro, disse que seu recente encontro com o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, em Havana, será uma lembrança inesquecível em sua memória.

Em sua nova reflexão, intitulada “O último encontro com Lula”, Fidel relembrou o dia em que conheceu Lula em 1980, em Manágua, quando o atual presidente do Brasil era um líder operário "no qual os cristãos de esquerda do país sul-americano colocavam suas esperanças".

Também fez referência às difíceis relações entre o Brasil e Cuba, há alguns anos, por causa da pressão que os EUA exercia sobre a nação caribenha e outros países, razão pela qual considerou que foi de grande importância a última reunião da Cúpula do Rio, que foi realizada em Cancun (México).

"Décadas se passaram desde então, até que voltassem lentamente a ser o que são hoje", disse Fidel em referência às atuais relações entre Cuba e Brasil.



Abaixo TeleSUR publica o texto completo de reflexão:


O último encontro com Lula


O conheci em Manágua, em julho de 1980, há 30 anos, durante a comemoração do primeiro aniversário da Revolução Sandinista, graças aos meus contactos com os partidários da teologia da libertação, que começaram no Chile, em 1972, quando visitei o Presidente Allende.

Por Frei Betto sabia quem era Lula, um líder operário em que os cristãos de esquerda colocavam, desde cedo, suas esperanças.

Tratava-se de um humilde operário da indústria metalúrgica que se destacava por sua inteligência e prestígio entre os sindicatos, na grande nação que emergia das trevas da ditadura militar imposta pelo império ianque, na década de 60.

As relações do Brasil com Cuba tinham sido excelentes até que o poder dominante no hemisfério as fez sucumbir. Décadas se passaram desde então, até que voltassem, lentamente, a ser o que são hoje.

Cada país viveu sua história. Nossa pátria suportou pressões inusitadas nas incríveis etapas vivenciadas desde 1959, em sua luta contra as agressões do mais poderoso império que já existiu na história.

Por isso, para nós, a reunião que acabou de acontecer em Cancun tem uma enorme transcendência bem como a decisão de criar uma Comunidade de Estados da América Latina e Caribe. Nenhum outro fato institucional em nosso hemisfério, durante o último século, reflete semelhante transcendência.

O acordo foi alcançado em meio à mais grave crise econômica que teve lugar no mundo globalizado, coincidindo com o maior perigo de uma catástrofe ecológica de nossa espécie e ao mesmo tempo com o terremoto que destruiu a Porto Príncipe, capital do Haiti, a mais doloroso desastre humano na história do nosso hemisfério, no país mais pobre do continente e o primeiro em que se erradicou a escravidão.

Ao escrever esta reflexão, há apenas seis semanas após a morte de mais de duzentas mil pessoas, segundo dados oficiais naquele país, chegaram notícias dramáticas dos danos causados por um outro sismo no Chile, que provocou a morte de pessoas cujo número já se aproxima de mil, segundo dados das autoridades, e enorme danos materiais. Especialmente comovem as imagens do sofrimento de milhões de chilenos afetados material ou emocionalmente por esse cruel golpe da natureza. O Chile, felizmente, é um país com mais experiência diante esse tipo de fenômeno, muito mais desenvolvido economicamente e com mais recursos. Se não houvesse infraestrutura e edificações mais sólidas, um número incalculável de pessoas, talvez de dezenas ou mesmo centenas de milhares de chilenos, teria perecido. Fala-se de dois milhões de pessoas de desabrigados e as perdas que oscilam entre 15 e 30 bilhões de dólares. Em sua tragédia também conta com a solidariedade e simpatia dos povos, dentre eles o nosso, ainda que dado o tipo de cooperação que necessita é pouco o que pode fazer Cuba, cujo governo foi um dos primeiros a expressar seus sentimentos de solidariedade ao Chile, quando as comunicações ainda estavam impedidas.

O país que agora põe a prova a capacidade do mundo para enfrentar a mudança climática e garantir a sobrevivência da espécie humana é, sem dúvida, o Haiti, por se constituir num símbolo da pobreza que hoje padecem milhões de pessoas no mundo, incluindo um parte importante dos povos do nosso continente.

O que aconteceu no Chile com o incrível terremoto com intensidade de 8,8 graus na escala Richter, mas, felizmente, mais profundo do que aquele que destruiu Porto Príncipe, obriga-me a enfatizar a importância e o dever de estimular os passos de unidade alcançados em Cancun, embora não tenha ilusões sobre quão difícil e complexa que será nossa luta de idéias diante do esforço do império e seus aliados dentro e fora de nossos países para frustrar a tarefa unitária e independentista dos nossos povos.

Desejo registrar por escrito sobre a importância e o simbolismo que para mim teve a visita e o último encontro com Lula, do ponto de vista pessoal e revolucionário. Ele disse que, já próximo de encerrar seu mandato, desejava visitar o seu amigo Fidel; adjetivo honroso que recebi da sua parte. Creio conhecê-lo bem. Não foram poucas as vezes que conversamos fraternalmente , dentro e fora de Cuba.

Uma vez tive a honra de visitá-lo em sua casa, situada em um bairro modesto de São Paulo, onde residia com sua família. Para mim foi um encontro emotivo com ele, sua esposa e filhos. Nunca esquecerei a atmosfera familiar e sã daquele lar, e o afeto sincero com o que seus vizinhos o abordavam, quando Lula já era um líder operário e político de prestígio. Ninguém sabia, naquela época, se chegaria ou não à presidência do Brasil, pois os interesses e forças que se opunham a ele eram muito grandes, mas me agradava falar com ele. A Lula também não importava muito o cargo, tinha prazer, principalmente o prazer de lutar e o fazia com modéstia impecável; que demonstrou amplamente quando, tendo sido derrotado duas vezes por seus poderosos oponentes, só concordou em se candidatar pelo Partido dos Trabalhadores pela terceira vez sob forte pressão de seus amigos mais sinceros.

Não tentarei recontar as vezes que falamos antes de ele ser eleito Presidente; uma delas, entre as primeiras, foi em meados dos anos 80, quando lutávamos,em Havana, contra a dívida externa da América Latina, que naquela época alcançava 300 bilhões de dólares e tinha sido paga mais de uma vez. Ele é um lutador nato.

Por duas vezes, como já disse, os seus opositores, apoiados por enormes recursos financeiros e meios de comunicação, o derrotaram nas urnas. Seus colaboradores mais próximos e amigos sabíamos que havia chegado a hora daquele humilde operário ser o candidato do Partido dos Trabalhadores e das forças de esquerda.

Certamente seus adversários o subestimaram, pensaram que não poderia contar com a maioria no Legislativo. A URSS já não existia. O que poderia significar Lula à frente do Brasil, um país de grande riqueza, mas de pouco desenvolvimento nas mãos de uma burguesia rica e influente?

No entanto, o neoliberalismo entrou em crise, a Revolução Bolivariana triunfou na Venezuela, Menem estava em queda livre, Pinochet tinha desaparecido de cena e Cuba resistia. Mas Lula é eleito quando Bush ganha fraudulentamente nos EUA, tirando a vitória do seu rival Al Gore.

Ali começou uma etapa difícil. Incrementar a corrida armamentista e com ela o papel do Complexo Industrial-Militar, e cortar impostos para os setores ricos, foram os primeiros passos do novo Presidente dos Estados Unidos.

Sob o pretexto da luta contra o terrorismo, reiniciou as guerras de conquista e institucionalizou o assassinato e as torturas como instrumento de dominação imperialista. Impublicáveis os fatos relacionados com prisões secretas, que delatavam a cumplicidade dos aliados dos EUA com essa política. Assim, se acelerou a pior crise econômica das que de forma cíclica e crescente acompanham o capitalismo desenvolvido, mas desta vez com os privilégios de Bretton Woods e sem nenhum dos seus compromissos.

Por sua vez o Brasil, nos últimos oito anos sob a liderança de Lula, superou obstáculos, incrementava seu desenvolvimento tecnológico, e potencializava o peso da economia brasileira. A parte mais difícil foi o seu primeiro mandato, mas teve êxito e ganhou experiência. Com a sua incansável luta, serenidade, sangue frio e crescente comprometimento com a tarefa, com condições internacional tão difíceis, o Brasil atingiu um PIB que se aproxima dos dois trilhões de dólares. Os dados variam segundo as fontes, mas todos colocam o Brasil entre as 10 maiores economias do mundo. Apesar disso, com uma superfície de 8 milhões 524 mil quilômetros quadrados, em comparação com os EUA, que possui um pouco mais de território, o Brasil chega a apenas cerca de 12% do PIB desse país imperialista que saqueia o mundo e espalha suas forças armadas em mais de mil bases militares ao redor do globo.

Tive o privilégio de assistir a sua posse no final de 2002. Lá também esteve Hugo Chávez, que tinha acabado de enfrentar o traiçoeiro golpe de 11 de abril daquele ano, e posteriormente o golpe petroleiro organizado por Washington. Bush já era presidente. As relações entre o Brasil, a República Bolivariana e Cuba sempre foram boas e de respeito mútuo.

Em outubro de 2004 tive um acidente grave, que limitou seriamente minhas atividades durante meses e adoeci gravemente no final de julho de 2006, em virtude do qual não hesitei em delegar minhas funções perante o partido e o Estado, na proclamação da 31 de julho daquele ano, a título provisório, ao que rapidamente designei caráter definitivo quando compreendi que não estariam em condições de assumir-las novamente.

Quanto à gravidade da minha saúde, me permitiu estudar e meditar, dediquei-me a isso e a rever materiais de nossa Revolução, e de vez em quando para postar algumas Reflexões.

Depois que adoeci, tive o privilégio de ser visitado por Lula todas as vezes que viajou para a nossa Pátria e de conversar longamente com ele. Não posso dizer que sempre coincidimos com toda sua política. Sou, por princípio, contrário a produção de biocombustíveis a partir de produtos que podem ser utilizados como alimentos, consciente de que a fome é e poderá ser cada vez mais uma grande tragédia para a humanidade.

Contudo – e ele o expressou com toda franqueza – isto não é um problema criado pelo Brasil e muito menos por Lula. É parte inseparável da economia global imposta pelo imperialismo e seus aliados ricos, subsidiam sua produção agrícola, protegem seus mercados internos e competem no mercado mundial de exportações de alimentos dos países do Terceiro Mundo, obrigados a importar artigos industriais produzidos com as matérias-primas e os recursos energéticos delels mesmos que herdaram a pobreza de séculos de colonialismo. Compreendo perfeitamente que o Brasil não tinha outra alternativa, contra a concorrência desleal e de subsídios dos EUA e Europa, que aumentam a produção de etanol.

A taxa de mortalidade infantil no Brasil ainda é 23,3 por cada mil nascidos vivos e a mortalidade materna de 110 por 100 mil partos, enquanto que em países industrializados ricos é inferior a 5 e 15, respectivamente. Muitos outros dados semelhantes poderiam ser citados.

O açúcar de beterraba, subsidiado pela Europa, roubou do nosso país o mercado do açúcar derivado da cana-de-açúcar, trabalho agrícola e industrial precário e eventual que mantinha no desemprego os trabalhadores açucareiros grande parte do tempo.Os Estados Unidos, por sua vez, apoderaram-se também de nossas melhores terras e suas empresas eram donas da indústria. Um dia, de repente, tiraram-nos a quota de açúcar e bloquearam o nosso país para esmagar a Revolução e a independência de Cuba.

Hoje o Brasil tem desenvolvido o cultivo de cana-de-açúcar, soja e milho, com máquinas de alto desempenho para uso nestas culturas com altíssima produtividade. Quando um dia vi um filme sobre uma área de 40 mil hectares em Ciego de Avila plantada com soja em rotação com milho aonde vai se tentar trabalhar ao longo do ano inteiro, exclamei: é o ideal de uma sociedade agrícola socialista, altamente mecanizada com alta produtividade por homem e por hectare.

Os problemas da agricultura e as suas instalações no Caribe são os furacões que, em números crescentes, arrasam seu território.

Também o nosso país elaborou e assinou com o Brasil o financiamento e construção de um moderníssimo porto em El Mariel, que será de enorme importância para a nossa economia.

Na Venezuela se está utilizando a tecnologia agrícola e industrial brasileira para produção de açúcar e utilização do bagaço de cana como fonte de energia para termoelétricas. São equipes de vanguarda que trabalham numa empresa também socialista. Na República Bolivariana utiliza-se o etanol para melhorar os efeitos ambientais nocivos da gasolina.

O capitalismo desenvolveu as sociedades de consumo e também o desperdício de combustível que gerou o risco de uma dramática mudança climática. A natureza demorou 400 milhões de anos para criar o que a nossa espécie está consumindo em apenas dois séculos. A ciência ainda não resolveu o problema da energia que substituirá a que hoje é gerada pelo petróleo; ninguém sabe quanto tempo exigirá e quanto custará para resolvê-lo em tempo. Será disponível? Isso foi o que foi discutido em Copenhague e o Encontro foi um fracasso total.

Lula contou-me que quando o etanol custa 70 por cento do valor da gasolina já não é mais negocio produzi-lo. Dize-me que o Brasil, dispondo da maior floresta do planeta, reduzirá gradualmente o desmatamento atual em 80 por cento.

Hoje, o Brasil possui a mais alta tecnologia do mundo para perfurar em alto mar, e pode extrair petróleo a uma profundidade de sete mil metros sob a água e fundo marinho. Há 30 anos atrás seria história de ficção científica.

Ele explicou os programas educacionais de alto nível que o Brasil pretende levar diante. Valoriza o altamente o papel da China na esfera global. Declarou com orgulho que o intercambio comercial com a China se elevou a 40 bilhões de dólares.

Está orgulhoso de ter recebido a honra dos Jogos Olímpicos para Brasil em 2016, em virtude do excelente programa apresentado na Dinamarca. Será sede também do Campeonato Mundial de Futebol de 2014. Tudo foi fruto dos projetos apresentados pelo Brasil, que superaram os dos seus concorrentes.

Uma coisa é indiscutível: o operário metalúrgico se transformou atualmente num estadista destacado e prestigioso, cuja voz é ouvida com respeito em todas as reuniões internacionais.

Uma grande prova do seu desinteresse foi a renuncia em buscar a reeleição, e confia que o Partido dos Trabalhadores continuara governando o Brasil.

Alguns invejosos do seu prestígio e glória, e pior ainda, aqueles que estão a serviço do império, o criticaram por ter visitado Cuba. Para isso utilizaram as vis calúnias que, por mais de meio século, tem usado contra Cuba.

Lula conhece há muitos anos que no nosso país jamais se torturou ninguém, jamais se ordenou o assassinato de um adversário, jamais se mentiu ao povo. Tem a certeza de que a verdade é companheira inseparável de seus amigos cubanos.

De Cuba ele partiu o nosso vizinho Haiti. A ele informamos as nossas ideias sobre o que propomos em relação a um programa sustentável, eficiente e especialmente importante e muito econômico para o Haiti. Sabe que mais de cem mil haitianos foram tratados por nossos médicos e pelos graduados da Escola Latinoamericana de Medicina após o terremoto. Falamos de coisas sérias, conheço seus ardentes desejos de ajudar a esse nobre e sofrido povo.

Guardarei uma lembrança inapagável do meu último encontro com o Presidente do Brasil e não hesito em proclamá-lo.


Fidel Castro Ruz

1 de março de 2010

12:15

Texto extraído do Prensa Latina.