"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 11 de maio de 2009

O processo de transformação em El Salvador

Entrevista com Roger Alberto Blandino, prefeito membro do FMLN (Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional), cedida ao membro da Anncol Brasil, Thiago Ávila, em San Salvador, capital do país que recém elegeu o antigo movimento guerrilheiro para conduzir o processo de mudanças no país.

Thiago Ávila: El Salvador é um país que, historicamente, representou uma bota do imperialismo em nosso continente. Como se deu esse processo político que culminou com a eleição de Maurício Funes para a presidência em março desse ano?

Roger Bladino: É essencial termos a clareza de que com o fim da guerra, em 1992 (data da assinatura dos acordos de paz), o movimento buscava a recriação de um país democrático, só que não foi isso que aconteceu. Os acordos não foram cumpridos, exceto pela criação do fmln enquanto partido político. Agora temos uma nova chance, depois de quatro mandatos fraudulentos de ARENA, de realizarmos não apenas a mudança social, mas a recuperação dos Acordos de Paz, focados no processo constitucional democrático.

TA: É de uma simbologia impressionante esse processo estar acontecendo em um momento como esse, onde o capitalismo enfrenta uma de suas mais graves crises. Você enxerga esse fato como uma oportunidade?

Roger Blandino: É, sem dúvidas, uma oportunidade excelente de avanço. Chegar ao poder em plena crise do neoliberalismo nos coloca como uma alternativa real para um modelo de organização social alheio ao capitalismo, algo que está faltando em muitos países do mundo, uma forma de organização, uma alternativa de esquerda com um programa real que faça frente à crise do modelo neoliberal.

TA: El Salvador, neste momento, está preparado para os efeitos da crise?

Roger Blandino: De forma alguma, nesse momento estamos absolutamente vulneráveis à crise. Os quatro mandatos submissos do ARENA nos arrancaram a soberania monetária, dolarizando a economia e privatizando todos os setores estratégicos da economia. Será um trabalho realmente árduo preparar o país para suportar o que vem por aí. Nos últimos anos, mesmo antes das bolhas estourarem, o país já sofria muito com os efeitos dos tratados de livre comércio e a “substituição de exportações” que deixou nossa balança comercial extremamente negativa. El Salvador hoje tem sua economia baseada essencialmente no setor de serviços, deixando de lado o setor produtivo e industrial. Será necessário muito trabalho para reverter este quadro.

TA: Quais são as principais medidas do novo governo quando tomar posse?

Roger Blandino: Primeiramente devemos nos proteger e fechar as portas da evasão fiscal e do contrabando. O país tem uma arrecadação muito baixa de impostos, o que dificulta na realização de qualquer projeto político nacional. Esse processo será conturbado, pois é inevitável uma crise nas empresas quando elas comecem a ser cobradas com impostos reais. Sabemos que não podemos ser um governo da continuidade. Os banqueiros internacionais controlam todo o sistema bancário salvadorenho e a burguesia nacional, não devemos nos enganar, perdeu o poder político, mas ainda é dona do poder econômico.

TA: É inevitável o crescimento do partido agora que ele está no governo. De que forma vocês esperam que isto aconteça?

Roger Blandino: Esse é um tema que temos debatido com freqüência. É importante uma ampliação do partido, sim, porém deve ser feita com qualidade. Em muitos partidos em que essa ampliação ocorreu sem o devido critério, os partidos acabaram inundados por aproveitadores e pessoas que defendem os interesses da burguesia. Talvez seja interessante que o partido permaneça sendo a vanguarda, com outras organizações de massa encarregadas de abarcar essa parcela da população que ainda não possui um posicionamento ideológico socialista, mas quer se aproximar do partido. Essa é uma grande cilada e estamos buscando a melhor maneira de lidar com ela. Sem dúvida, experiências de países latinoamericanos como o Brasil, o Uruguai e o Chile têm muito o que nos ensinar nesse aspecto.

TA: O processo atual em El Salvador é também fruto de tudo isto que está acontecendo em nosso continente, com tantos países dizendo não ao Consenso de Washington e buscando sua libertação. De que forma vocês enxergam o processo de integração latinoamericana e qual papel pretendem exercer diante dela?

Roger Blandino: Exatamente. Não podemos pensar enquanto um país isolado. El Salvador nunca teve uma atuação meramente interna. Desde sempre fomos ponta-de-lança da intervenção imperialista na América Central e até então jogávamos, junto com a Colômbia, o triste papel de postos avançados dos Estados Unidos no nosso continente. É realmente triste sermos o único país latinoamericano que até hoje não possuía relações com Cuba. Felizmente, esses dias chegaram ao fim e a atuação externa de El Salvador deve se destacar novamente, mas dessa vez de forma positiva. Ingressaremos na ALBA no primeiro minuto que estejamos no governo, pois compartilhamos do ideário bolivariano e somos amigos fraternos dos governos de Nicarágua, Venezuela, Cuba, Equador e Bolívia. Inclusive, nosso líder máximo, Schafik Handal, estava retornando da posse do companheiro Evo, em 2006, quando teve um ataque cardíaco no aeroporto e faleceu sem atendimento médico.

TA: De que forma os movimentos de libertação latinoamericanos podem contribuir para o projeto de libertação de El Salvador?

Roger Blandino: É essencial a integração dos movimentos sociais, para que a integração seja feita através dos povos. Para isso, devemos integrar as lutas para a macro e a micro política, entendendo a todos como companheiros de uma mesma luta. É importante também que tenhamos uma integração nos processos de formação política e acadêmica com os outros países. Já existem iniciativas muito boas nesse sentido como a ELAM, em Cuba e Venezuela, e a escola Florestan Fernandes, no Brasil. Apenas quando formos capazes de aprender juntos e lutar juntos é que teremos uma verdadeira consciência latinoamericana, imprescindível para avançarmos com a nossa libertação.