Obama, ou o duplo discurso
Entrevista da Rádio Centenário do Uruguai ao sociólogo estadunidense James Petras.
Chury: Estamos em contacto com James Petras, nos Estados Unidos. Bom dia, como estás?
Petras: Bem, por haver terminado esta campanha multimilionária.
Chury: Qual é a tua opinião acerca desta campanha, dos resultados e do que virá a seguir?
Petras: Gastaram 2 mil milhões de dólares entre presidenciáveis e congressistas. O preço de ser presidente dos EUA é de 700 mil milhões de dólares. Quanto aos congressistas, poderíamos dizer que pelo menos 50 a 70 milhões para o Senado, e para deputados comuns entre 20 e 25 milhões. O que é de destacar é que o aspecto económico ajudou muito o êxito da organização, o espectáculo, a capacidade de Obama de projectar uma imagem de mudança frente à crise que as pessoas estão a enfrentar. Particularmente com um grande apoio dos jovens negros e da classe média com educação universitária, como dizem os comentaristas.
Os meios de comunicação aqui apresentaram muito a imagem da grande mobilização, da grande multidão a assistir a campanha final de celebração da vitória, mas atrás disso as camarilhas já estão a operar.
O primeiro anúncio é que um israelense vai ser chefe de gabinete na Casa Branca, Rahm Emanuel, que serviu na inteligência do exército de Israel. Assim, já temos o primeiro passo que realmente define a próxima política do sr. Obama no Médio Oriente.
O resto é pura espuma, que vai mudar isto ou aquilo, mas na questão de fundo tudo indica que vai aumentar o orçamento militar, aumentar a presença militar no Afeganistão e seguir uma política bastante bélica no Médio Oriente.
Como se pode investir em programas de saúde, educação, etc quando já está a dedicar 700 mil milhões de dólares a projectos militares?
É impossível manter a disciplina fiscal de que fala, com tantos compromissos com prioridades militares.
O que é tudo uma farsa, mas aqui as pessoas, sem levar em conta a equipe, sem levar em conta as contradições nas declarações, têm grandes expectativas.
Aqui as pessoas que votaram em Obama, que são a maioria, pelo menos 54%, têm ilusões de que Obama esteja à altura de fazer mudanças importantes, tanto no sistema financeiro como na política externa. E creio que em seis meses, dentro da sua presidência, vamos assistir a um grande desencanto. Mas agora estão a celebrar, estão excitadas e definem a política como grande vitória para os negros. Mas o sr. Obama não apresentou nem uma proposta para melhorar a situação dos negros, inclusive nunca mencionou o problema da discriminação racial nos salários, no emprego, etc.
Chury: Devemo entender então que os norte-americanos não tinham opções?
CENSURA ABSOLUTA
Petras: Bem, tínhamos opções. Mas como vês, nem sequer mencionam os outros candidatos. Nem na campanha, nem lhes permitiam participar em nenhuma emissora grande de meios de comunicação de massas. Inclusive não publicaram em lado algum a votação dos candidatos alternativos. Há censura absoluta, tanto que se pode falar de uma atitude que equivale a uma ditadura bipartidária. O que se passa é que os media favoreceram Obama, assim como o grande capital. Obama duplicou os gastos financeiros dos republicanos, grandes sectores da Wall Street apoiaram Obama e os media de influência sionista também prestaram uma grande contribuição. Com excepção da cadeia Fox News, os media principais favoreceram Obama.
Portanto, com a Wall Street, com os meios de comunicação de massas, com a influência sionista, já tinha uma grande parte da cúpula do poder a seu favor.
Obama é um conservador populista ou populista conservador. Todo o seu estilo de fazer política parece populista, fala ao povo, fala da mudança, muito gentil na aparência, tem uma boa relação popular.
Mas se se analisar por trás da fachada, as fontes de financiamento, os principais investidores da sua campanha, é um conservador.
Por isso digo que o populismo conservador ganhou contra o velho conservadorismo mais puro.
Creio que Obama ganhou também porque McCain cometeu um erro táctico ao apoiar os empréstimos à Wall Street e perdeu a sua imagem como populista. McCain já não poderia apresentar-se como populista frente ao apoio de 700 mil milhões à Wall Steet. Isso o classificou como um conservador pró Wall Street, apesar de o mesmo Obama também ter apoiado esta injecção na Wall Street.
Chury: Chávez dizia há pouco que era realmente uma coisa nova e forte que ganhasse um negro nos EUA, mas que ia esperar que esse ganhador estivesse à altura da história que o compromete. Isso é difícil, não?
Petras: Sim, a esquerda, Fidel Castro e os demais, que pensam que o facto de um negro...
Veja, aos capitalistas hoje em dia não lhes importa absolutamente nada se é um índio, um negro ou um chinês o que defende os seus interesses.
Neste momento necessitavam uma substituição, saiu Obama como uma força eleitoral, com possibilidades de ganhar e com um compromisso do grande capital, principalmente o sector financeiro.
E, atenção!, o sector financeiro apoiou Obama.
Os grandes capitais financeiros foram umas das principais fontes de apoio, desde Washington, Nova York, Wall Street até Los Angeles, passando por Chicago.
Chury: Pode-se esperar alguma mudança em política externa? Refiro-me às guerra que os EUA mantêm e particularmente à política para com a América Latina, sobre Cuba e Venezuela, por exemplo. Obama anunciou mudanças?
Petras: Bom, só vimos mudanças para pior e em relação ao Afeganistão.
Ou seja, a posição de Obama para com o Afeganistão está mais à direita que a de Bush, quer uma escalada, fala de mais duas brigadas, um percentagem – diz ele – de 10 ou 15 mil soldados mais.
Agora há um discurso duplo em relação ao Iraque. Fala de retirar tropas mas não de sacá-las [definitivamente], diz baixar o número de tropas e tratar de mantê-las como uma força de reserva. Isso é um passo atrás em relação ao ano passado quando falava de retirar todas as tropas.
Quanto à América Latina, fala mais de uma mudança de estilo. Ou seja, negociar e dialogar com Chávez mas sem mudar a sua definição do governo de Chávez como um governo anti-norte-americano e autoritário.
Não vejo qualquer grande mudança, porque o sr. Obama tem um discurso duplo, num lado fala de livre comércio e do outro – para conseguir votos sindicais – falava de maior proteccionismo à indústria, ou seja, impor barreiras às exportações latino-americanas.
Portanto liberalismo e proteccionismo são as duas faces da política para com a América Latina.
Talvez alguma distância de Uribe seja muito possível, pelos assassinatos que fizeram e as manchas de sangue, etc. Creio que Obama vai tratar de aproximar-se dos liberais sociais como Lula, que é um pouco o espelho da sua política.
Chury: Há alguns parecidos com Lula no resto da América Latina?
Petras: Sim, talvez Tabaré Vásquez [do Uruguai], Michelle Bachelet [Chile], Lula pudessem ser a contrapartida.
Mas o assunto importante é que a principal prioridade é a quebra da economia interna. Não vai prestar demasiada atenção à política externa, além do Médio Oriente.
Nomeou como chefe da sua equipe na Casa Branca um sionista fanático, Rahm Emanuel, que serviu no exército israelense inclusive na inteligência. Agora está encarregado da agenda, ou seja, é quem pode ver e não ver os temas do dia.
Isso é uma indicação do caminho que Obama vai tomar em relação a Israel, Palestina e os problemas do Médio Oriente, o que não é exactamente algo óptimo para os povos do Médio Oriente.
Chury: Quer dizer que a mudança com o novo inquilino da Casa Branca reduz-se simplesmente a uma mudança da cor da pele?
Petras: Não exactamente. Creio que há um factor que não devemos excluir, que são as pressões económicas que vão aumentar.
A crise actual vai piorar, não podem continuar com os braços cruzados frente ao colapso da economia. Algumas medidas, como algumas despesas, algum aumento fiscal sobre a economia é provável porque entramos numa crise formidável, a recessão já está presente, o [crescimento do] sector manufactureiro é negativo, o consumo é negativo.
Não podem sempre olhar as coisas como George Bush. Tem a obrigação de tomar algumas medidas. Nenhum político norte-americano pode ficar à margem, como que a tocar guitarra no estilo Bush, mas as medidas são simplesmente orientadas para fortalecer as actividades capitalista e não há nenhum programa de bem estar social que pudesse estimular a economia.
Chury: Te agradecemos muitíssimo esta análise. Sei que vai à Venezuela no domingo.
Petras: Sim, por isso na próxima semana não vou estar presente. Vamos ver na volta, a 17 de Novembro, o que poderei comentar acerca da minha experiência na Venezuela.
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