A
estratégia russa ante o imperialismo anglo-saxão. O início da
mudança de rumo mundial
Escrito
por Thierry
Meyssan
*. Fonte: Red Voltaire
As
agressões dos anglo-saxões contra a Rússia estão assumindo a
forma de uma guerra financeira e econômica. Porém Moscou se prepara
para as hostilidades armadas desenvolvendo sua autonomia no setor
agrícola e multiplicando suas alianças internacionais.
A
ofensiva dos anglo-saxões [Estados Unidos, Reino Unido e Israel]
pelo controle do mundo se mantém simultaneamente em duas direções:
a criação do «Oriente Médio Ampliado» [Greater Middle East] –com
os ataques simultâneos contra Iraque, Síria, Líbano e Palestina- e
o processo destinado a separar a Rússia da União Europeia mediante
a crise organizada por Washington na Ucrânia.
Nesta
corrida contra o tempo, parece que Washington quisera impor o dólar
como única moeda no mercado do gás, a fonte de energia do século
XXI, como já havia feito anteriormente no mercado do petróleo.[1]
Os
meios de imprensa ocidentais quase não falam da guerra do Donbass e
a população de seus países nada sabe sobre a envergadura dos
combates, da presença de militares estadunidenses na Ucrânia, da
quantidade de vítimas civis nem da onda de refugiados. Os meios da
imprensa ocidental, sim, mencionam, ainda que com atraso, os
acontecimentos do Magreb e o Levante, porém os apresentam como o
resultado de uma suposta «primavera árabe» [ou seja, na prática,
de uma tomada do poder por parte da Irmandade Muçulmana] ou como o
efeito destrutivo de uma civilização naturalmente violenta. E nos
dizem que é mais necessário que nunca acorrer em ajuda aos árabes,
incapazes de viver em paz sem os colonos ocidentais.
A
Rússia é hoje a principal potência capaz de encabeçar a
Resistência frente ao imperialismo anglo-saxão. Para isso dispõe
de 3 ferramentas: os BRICS, uma aliança de rivais econômicos que
sabem que só podem crescer se se ajudam entre si; a Organização de
Cooperação de Xangai, uma aliança estratégica com a China para
estabilizar a Ásia Central; e, finalmente, a Organização do
Tratado de Segurança Coletiva, uma aliança militar de Estados
ex-soviéticos.
Na
cúpula de Fortaleza [Brasil], realizada de 14 a16 de julho de 2014,
os BRICS deram o passo necessário, anunciando a criação de um
Fundo de Reserva Monetária –principalmente chinês- e de um Banco
BRICS como alternativas ao Fundo Monetário Internacional [FMI] e ao
Banco Mundial, ou seja, como alternativa ao sistema-dólar.[2]
Inclusive,
antes do anúncio, os anglo-saxões já haviam preparado sua
resposta: a transformação da rede terrorista Al-Qaeda num califado
com o objetivo de orquestrar problemas e incidentes entre todas as
populações muçulmanas de Rússia e China.[3] Prosseguiram sua
ofensiva na Síria e estenderam-na, ademais, a Iraque e Líbano.
Porém fracassaram em seu intento de expulsar os palestinos de Gaza
para o Egito e acentuar a desestabilização da região. E, como
ponto final, seguem sem meter-se com o Irã para dar ao presidente
Hassan Rohani a possibilidade de debilitar a corrente
anti-imperialista dos khomeinistas.
Dois
dias depois do anúncio dos BRICS, os Estados Unidos acusaram a
Rússia de ter destruído o voo MH17 da Malaysia Airlines sobre a
região de Donbass, matando assim 298 pessoas. Partindo dessa
suposição, completamente arbitrária, os Estados Unidos impuseram
aos europeus o início de uma guerra econômica contra a Rússia.
Atuando à maneira de um tribunal, o Conselho da União Europeia
julgou e condenou a Rússia, sem a menor prova e sem dar-lhe a
possibilidade de defender-se. E promulgou «sanções» contra seu
sistema financiero.
Consciente
de que os dirigentes europeus não estão trabalhando a favor dos
interesses de seus próprios povos senão que em função dos
interesses dos anglo-saxões, a Rússia preferiu conter-se e se
absteve –até agora- de entrar em guerra na Ucrânia. Apoia aos
rebeldes com armas e informação de inteligência, acolhe em seu
próprio território a mais de 500 000 refugiados, porém se abstém
de enviar tropas e de seguir o jogo da guerra. E é provável que não
intervenha antes que a grande maioria dos ucranianos se subleve
contra o presidente Petro Porochenko, ainda que isso implique não
entrar no país até depois da queda da República Popular de Donetsk
Ante
a guerra econômica, Moscou optou por responder com medidas
similares, porém não no setor financeiro, mas sim no da
agricultura. Duas considerações levaram-na a preferir essa opção:
Em primeiro lugar, no curto prazo, os demais países BRICS podem
aliviar as consequências das chamadas «sanções» enquanto que,
por outro lado e no longo prazo, a Rússia se prepara para a guerra e
tem intenções de reconstituir completamente sua agricultura para
viver em situação de autossuficiência.
Os
anglo-saxões também previram paralisar a Rússia por dentro.
Primeiramente, mediante a ativação, através do Emirado Islâmico
[ex-EIIL], de grupos terroristas no seio de sua população muçulmana
e também organizando uma oposição midiática por ocasião das
eleições municipais de 14 de setembro. Importantes somas de
dinheiro chegaram a todos os candidatos da oposição na trintena de
grandes cidades russas implicadas nessas eleições enquanto pelo
menos 50 000 agitadores ucranianos, infiltrados entre os refugiados,
estão reagrupando-se em São Petersburgo. A maioria desses
indivíduos tem a dupla nacionalidade russo-ucraniana. O objetivo é,
evidentemente, reproduzir no interior do país as manifestações
orquestradas em Moscou depois das eleições de dezembro de 2011
–acrescentando-lhes a violência como novo ingrediante- e impor ao
país um processo de «revolução colorida», ao que uma parte dos
funcionários e da classe dirigente seria favorável.
Para
consegui-lo, Washington nomeou um novo embaixador na Rússia, John
Tefft, o mesmo que preparou a «revolução das rosas» na Geórgia e
o golpe de Estado na Ucrânia.
Para
o presidente Vladimir Putin será muito importante poder confiar em
seu primeiro-ministro, Dimitri Medvedev, a quem Washington esperava
recrutar para derrocá-lo.
Tendo
em conta o iminente do perigo, Moscou parece ter conseguido
convencido Pequim a aceitar a incorporação da Índia, em troca da
do Irã –porém também as de Paquistão e Mongólia-, à
Organização de Cooperação de Xangai [OCX]. Essa decisão deveria
tornar-se pública durante a cúpula programada em Dusambé, capital
do Tajiquistão, para os dias 12 e 13 de setembro. Isso deveria pôr
fim ao conflito de séculos entre Índia e China e implicá-las numa
cooperação militar. Essa drástica mudança da situação, se se
confirma, também poria fim à lua de mel entre Nova Deli e
Washington, quando este último esperava distanciar a Índia da
Rússia oferecendo-lhe acesso a diversas tecnologias nucleares. A
incorporação de Nova Deli à OCX constitui também uma aposta pela
sinceridade de seu novo primeiro-ministro, Narendra Modi, sobre quem
pesam suspeitas de ter estimulado atos de violência anti muçulmana,
em 2002, em Gujarat, quando dirigia esse Estado da Índia.
Por
outro lado, a incorporação do Irã, que constitui uma provocação
para Washington, forneceria para a OCX um conhecimento preciso sobre
os movimentos jihadistas e os meios de opor-se a eles. Também neste
caso, se se confirma, deve reduzir a vontade iraniana de negociar uma
pausa com o «Grande Satã», intenção que motivou a eleição do
xeque Hassan Rohani à presidência da República Islâmica. Neste
caso, a aposta seria pela autoridade do Guia Supremo da Revolução
Islâmica, o aiatolá Ali Khamenei.
A
entrada desses países na OCX marcaria de fato o início de uma
mudança de rumo do mundo, que, depois de estar orientado para o
Ocidente, se orientaria para o Oriente.[4] Porém essa evolução
teria que contar com proteção no plano militar. Esse é o papel da
Organização do Tratado de Segurança Coletiva [OTSC], composta ao
redor da Rússia, porém que não inclui a China. Diferentemente da
OTAN, a OTSC é uma aliança clássica, compatível com a Carta das
Nações Unidas, já que cada um de seus membros conserva a
possibilidade de separar-se da OTSC se assim o deseja. E é
baseando-se nessa liberdade dos membros da OTSC que Washington tratou
durante os últimos meses de comprar a vários deles, como a Armênia.
Porém, a caótica situação que prevalece na Ucrânia parece ter
esfriado aos que podiam sonhar com uma «proteção» estadunidense.
Assim
que há que prever um aumento da tensão durante as próximas
semanas.
*
Thierry Meyssan
Intelectual
francês, presidente-fundador da Red Voltaire e da conferência Axis
for Peace. Suas análises sobre política exterior se publicam na
imprensa árabe, latino-americana e russa. Última
obra publicada en espanhol: La gran impostura II. Manipulación y
desinformación en los medios de comunicación (Monte Ávila
Editores, 2008).
Tradução
de Joaquim
Lisboa Neto
[1]
«¿Qué tienen en común las guerras de Ucrania, Gaza, Irak, Siria y
Libia?», por Alfredo Jalife-Rahme, La Jornada (México),
Red Voltaire, 8 de agosto de 2014.
[2]
«Las semillas de una nueva arquitectura financiera», por Ariel
Noyola Rodríguez, Red Voltaire, 1º de julio de 2014.
“Sixth
BRICS Summit: Fortaleza Declaration and Action Plan”, Voltaire
Network, 16 de julio de 2014.
[3]
«¿Yihad mundial contra los BRICS?», por Alfredo Jalife-Rahme,
La Jornada (México), Red Voltaire, 18 de julio de 2014.
[4]
“Russia and China in the Balance of the Middle East: Syria and
other countries”, por Imad Fawzi Shueibi, Voltaire Network, 27 de
enero de 2012.