A guerra midiática na América Latina
Não perder de vista esta nova dimensão da luta política, “a guerra midiática” ou o “terrorismo midiático”, é uma condição necessária para compreender a natureza e as tendências de muitos dos conflitos e disputas – culturais e ideológicas – que se desenvolvem na América Latina hoje.
Por: Andrés Mora Ramírez.(*)
Fonte: TeleSur
Recentemente, o Grupo Nación S.A., da Costa Rica, através do seu principal jornal La Nación, lançou um furioso ataque – mais uma vez – contra a Revolução Bolivariana e o governo do presidente Hugo Chávez, pelo que consideram um tratamento lesivo que se dá aos meios de comunicação “independentes” na Venezuela. Mas desta vez incluiu uma variante. No seu editorial de 11 de agosto, entre os já oficiosos e recorrentes argumentos das direitas latinoamericanas, La Nación deu aula de ciência política quando sentenciou que “a democracia é muito mais do que o voto e somente brilha totalmente quando se preocupa com a proteção das minorias”.
Trata-se, é claro, de uma definição da democracia manejada a conveniência pois os editores desse jornal não a aplicam por igual para julgar e “formar opinião pública”, por exemplo, sobre o golpe de Estado contra o presidente legitimo de Honduras, Manuel Zelaya: desde o dia 28 de junho, quando se rompeu a ordem constitucional, esse grupo de empresários do jornalismo não dedicou sequer um dos seus editoriais a condenar e atacar - com a mesma virulência com a que se refere aos governos da Venezuela, Equador, Bolívia, Nicarágua ou Cuba - à brutal repressão contra o povo hondurenho, os assassinatos e as numerosas violações dos direitos humanos cometidas pelos golpistas liderados por Roberto Micheletti, e que tem sido documentados por organizações não-governamentais, a comissão especial da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Relatoría de Liberdade e Expressão da ONU.
Este peculiar conceito de democracia, usado a conveniência, também se aplica ao que acontece, para mostrar outro exemplo, no para-estado colombiano. La Nación guarda silêncio absoluto sobre o sequestro do Dr. Miguel Angel Beltrán no México e o seu deslocamento ilegal a Bogotá, e sequer protesta pelas persecuções de estudantes, intelectuais, dirigentes sindicais e ativistas da sociedade civil na Colômbia: minorias indefesas diante do poder público, judicial e midiático concentrado na figura de Álvaro Uribe, e os fatores nacionais e estrangeiros que o sustentam no Palácio de Nariño.
O problema não é somente que um meio – La Nación, ou qualquer outro – omita, deliberadamente, informar seus leitores sobre os fatos, mas que o façam com evidentes objetivos políticos, enquanto se veste com o disfarce da defesa da liberdade de expressão e da democracia. Aqui, o silêncio do jornal deixa de ser simplesmente expressão da sua ideologia e interesses específicos (realidades com as que devemos lidar na democracia), para adotar a forma de uma manipulação aberta da opinião pública pela via da desinformação.
Esta situação a que nós referimos, se apresenta na Costa Rica e em toda a América Latina. Numa reportagem publicada em fins de 2002 pelo Le Monde Diplomatique, o jornalista Luis Bilbao analisou o papel dos mais poderosos jornais, emissoras de TV e rádios venezuelanos no golpe de Estado cometido contra o presidente Chávez, em abril desse ano, e concluiu que “os meios de comunicação na Venezuela deixaram de refletir e interpretar os acontecimentos para passar a desenhá-los segundo a sua vontade, impondo-os como realidade virtual e, em seguida, a conduzi-los. A ousada operação falhou, mas deixou profundas e perigosas feridas na sociedade venezuelana e inaugurou uma fase singular de luta política, para além daquele país e do presidente Hugo Chávez”.
Não perder de vista esta nova dimensão da luta política, ou seja, a guerra midiática ou o terrorismo midiático, é uma condição necessária para compreender a natureza e as tendências de muitos dos conflitos e disputas – culturais e ideológicas – que se desenvolvem na América Latina hoje.
No contexto da globalização neoliberal, os meios de comunicação hegemônicos constituem um dos principais “aparatos” de produção de consenso e de reprodução do “sentido comum” dominante e da cultura de massas. Agora, além disso, diante do fracasso e da deriva de muitos dos atrofiados partidos políticos latinoamericanos (convertidos em máquinas eleitorais e “feudais”), tem-se transformado em bastiões da oposição aos processos de mudança social, política e cultural.
Conglomerados como Televisa, do México; O Globo, do Brasil; El Clarín, da Argentina; Grupo Cisneros, da Venezuela; a Casa Editorial El Tiempo, da Colômbia; e até o espanhol Grupo Prisa, são alguns dos principais porta-estandartes da contra-ofensiva da direita. Seus “conteúdos informativos independentes” enchem os noticiários, revistas, jornais, programas televisivos e radiofônicos de suas empresas de comunicação aliadas (satélites) em nossos países.
Trata-se de um fenômeno que aprofunda rasgos históricos do desenvolvimento da comunicação social e, particularmente, do espaço audiovisual na América Latina, que desde meados do século XX configurou-se numa estrutura de oligopólios, associada ao capital estrangeiro e intimamente ligada ao sistema político (inclusive sob as ditaduras militares). Mas que não era representativa da população, nem expressava as aspirações mais profundas e a diversidade cultural dos nossos povos.
Como bem o disse certa vez Jesús Martín Barbero, destacado teórico da comunicação, estes grupos econômicos pretendiam – e pretendem – “fazer sonhar aos pobres o mesmo sonho dos ricos”.
Oligarquias antiquadas, racistas e antidemocráticas; banqueiros, investidores, câmaras patronais e empresas transnacionais que esperam a oportunidade de dar o bote nos recursos naturais da região; e, junto deles, uma infalível constelação de figuras daquilo que Atílio Borón chama de intelectualidade “bem pensante” (tradicional e conservadora), se espremem por trás dos meios de comunicação e seus modernos sistemas tecnológicos de difusão eletrônica, televisiva, radial e impressa.
Uma maquina descomunal que se alimenta de imensas quantidades de dinheiro proveniente do suculento bolo da publicidade (os negócios que servem para fazer mais negócios) e, especialmente, do medo: medo dos opressores que observam os oprimidos de ontem se levantarem, reclamando o direito de construir seus destinos, donos de nada, que com suas lutas vão tornando cada vez mais forte aquela humanidade que tem dito Já Chega!...E que agora marcha pela nossa América.
(*) Membro da AUNA (Asociación por la Unidad de Nuestra América) - Costa Rica.