A Guerra Privada na Colômbia: Dossiê Mercenários
Fonte: Anncol
O Plano Colômbia legalizou as atividades realizadas há anos por empresas militares privadas na guerra contra as guerrilhas, diminuindo a necessidade de presença ostensiva de militares norte-americanos que, no entanto, mantêm o controle dessas operações
Hermano Ospina
Ao final do Tour de France de 2004, o terceiro lugar na modalidade individual – Ivan Basso – e em equipes, foi levado por ciclistas da equipe CSC. Muito poucos patrocinadores sabem que essas iniciais significam Computer Science Corp. e menos ainda que se trata de uma transnacional ligada às forças de segurança americanas. Essa relação foi reforçada em março de 2003 quando a CSC adquiriu a DynCorp, uma das Sociedades militares privadas (SMP) preferidas de Washington.
Desde o final de 1993, a DynCorp está presente na Colômbia. Espera-se que ela exerça suas atividades na luta contra o narcotráfico, mas a empresa participa, juntamente com mais de 30 sociedades militares privadas (SMP), da guerra contra as guerrilhas – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) – e, também, da repressão ao movimento social. Essas SMP têm contrato diretamente com o Departamento de Estado norteamericano, o Pentágono ou a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID)(1), e defendem de fato os interesses da “superpotência”. Graças a elas, Washington fabricou o principal conflito privatizado do mundo (além do Iraque).
Em setembro de 1999, o presidente Andrés Pastrana voltou de Washington depois de obter de Clinton uma ajuda de 1,7 bilhões de dólares para financiar o plano Colômbia, para agradar a opinião pública e, também, para evitar o impacto psicológico negativo de uma intervenção muito visível. O número de militares americanos autorizados a trabalhar nas operações antinarcotráfico, na Colômbia, foi limitado a 400. Todavia, para se evitar uma intervenção aberta – do tipo Granada (1983) ou Panamá (1989) – é importante, para Washington, apoiar Bogotá através de sistemas eficientes de informação e treinamento. Ao aprovar o plano, em julho de 2000, o Congresso autorizou, além da presença dos militares, a de 400 agentes de investigação civis, restrição facilmente contornável. Como a lei refere-se a “americanos”, o Departamento de Estado e as empresas como a Dyncorp empregam pessoal da Guatemala, Honduras ou Peru, ultrapassando tranqüilamente os limites fixados. Efetivamente, o Plano Colômbia não passa de uma legalização das atividades que já realizavam muitas dessas empresas. Pois, além de sua nova importância e sua qualificação, as SMP não são uma novidade no país.
Treinamento israelense
Em 1987, sob o olhar benevolente do governo, grandes proprietários de terras e narcotraficantes ligados ao cartel de Medellín apelaram para a empresa israelense de segurança Hod He’hanitin (Spearhead Ltd) para treinarem paramilitares. Instalações e terrenos da Texas Petroleum Co. foram utilizados para a formação dada por ex-oficiais do exército israelense e pelo Mossad (2) - por exemplo, pelo Tenente - Coronel Yair Klein(3), ou os antigos comandos da SAS britânica. Esses mercenários ensinaram as técnicas anti-subversivas utilizadas depois para “limpar” as zonas bananeiras e petrolíferas de pessoas suspeitas de apoiar às guerrilhas. Esse conhecimento serviu também para os assassinatos, entre 1987 e 1992, de Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo (União Patriótica), Carlos Pizarro (M-19) e Luis Carlos Galán (liberal), candidatos à eleição presidencial em oposição à situação.
Segundo um documento do relator especial da Organização das Nações Unidas apresentado, em fevereiro de 1990, à comissão de direitos humanos da ONU, mais de 140 grupos paramilitares operavam, então, no país, em estreita ligação com o exército e a polícia. Atacando, não apenas simpatizantes da guerrilha, mas também operários, sindicalistas e camponeses. Essas milícias fizeram milhares de vítimas(4). O termo “paramilitar” usado com habilidade e como fachada, empregado de forma eufemística, teve a função essencial de ocultar o corpo (o exército) e as forças políticas que promoveram essa política de extermínio (5). Acima de tudo, ao conduzirem a “guerra suja” no lugar do exército e dos agentes do Estado, elas permitiram a esses últimos “recompor” sua imagem e poder pretender a ajuda americana, que lhes impediria violar excessivamente os direitos humanos.
Política de terror
Como essa política de terror não bastava para erradicar os revoltosos, Washington entrou no conflito pela porta dos fundos. As companhias de petróleo presentes na Colômbia, as indústrias de armas e as sociedades militares privadas gastaram 6 milhões de dólares no lobby para conseguir do Congresso o sinal verde para o Plano Colômbia. Uma vez aprovado, os contratos compensaram amplamente o investimento. Dos 1,30 bilhões de dólares outorgados ao plano pelos Estados Unidos, 1,13 bilhões foram gastos sem que um único funcionário colombiano visse nenhum centavo. Até a quantia obtida pelo Banco Mundial para o plano foram canalizadas por Washington para as sociedades militares privadas (SMP).
O primeiro investimento realizado com esse dinheiro foi a compra de um avião espião RC-7, do Pentágono, por 30 milhões de dólares em substituição a um aparelho semelhante que havia se espatifado contra o monte Patascoy, perto da fronteira equatoriana, quando coletava informações sobre as FARC, em 23 de julho de 1999. Na ocasião, a morte de cinco agentes norte-americanos detonou um escândalo por revelar o grau de ingerência de Washington no conflito (6). O novo avião foi emprestado à Northrop Grumman Corp., uma SMP, para que prosseguisse o trabalho.
Três Esquinas e Larandia, bases de forças especiais norte-americanas fixadas no Sul da Colômbia, há muitos anos, também receberam os “terceirizados”. Todo o que ali se consome e se utiliza é importado dos Estados Unidos pelas sociedades militares privadas. É, principalmente, nessas bases que são treinados os milhares de militares e paramilitares encarregados de recuperar a zona de El Caguán, território onde o governo de Andrés Pastrana havia estabelecido negociações com as FARC.
Proteção diplomática
O elo com as companhias privilegiadas se faz através de “qualquer um” da embaixada americana. Nenhuma autoridade colombiana tem o direito de controlá-las, nem aos seus aviões, sua tripulação ou carga. Seus homens entram com visto de turista, porém beneficiam-se da proteção diplomática. Washington ameaçou suspender a ajuda econômica nas poucas vezes em que, em um ataque de dignidade, as autoridades colombianas ousaram protestar.
Existem sociedades militares privadas em todo lugar na Colômbia, a mais polivalente é a DynCorp, que fornece até cozinheiros. Arinc constrói sistemas de abastecimento para das pistas de pouso. O Grupo Rendon ensina os oficiais da polícia e do exército como explicar o Plano Colômbia. ACS Defesa fornece apoio logístico e aconselha o pessoal da embaixada americana implicada no Plano.
Entre outros serviços, a Lockheed-Martin oferece apoio aos helicópteros de combate e aos aviões de transporte de tropas. A Northrop instalou e gerencia sete potentes radares coordenados com um poderoso sistema aéreo de espionagem. Essa companhia também treina militares e paramilitares para as “operações especiais” (7). Outras empresas utilizam uma alta tecnologia para fotografar do espaço, interceptar as comunicações e analisá-las: ManTech, TRW, Matcom, Alion. Essas informações são transferidas ao Sistema de Reconhecimento do Comando Sul do exército americano (Southcom) e à CIA, que as analisam e as redistribuem às instâncias de sua escolha – as forças armadas colombianas são as últimas a serem informadas.
Tanto o Pentágono, quanto o Departamento de Estado e a USAID indicaram claramente que a maioria dos programas de assistência militar e logística, assim como os que dizem respeito à informação, não poderão ser transferidos rapidamente aos colombianos, uma vez que eles não dispõem de “capacidades técnicas” para dominá-los (8). Cabe perguntar então, para que serviram os instrutores recrutados!
Os “rambos” e o narcotráfico
Mais de 20 mercenários foram mortos desde 1998, quase todos em circunstâncias “estranhas” e imediatamente abafadas. Pelo que foi possível averiguar, Eagle Aviation Service and Technology (EAST), empresa terceirizada pela DynCorp, anteriormente implicada no escândalo “Irã-Contras” juntamente com a CIA (9), sofreu os dois primeiros mortos, em julho de 1998. Oficialmente, eles colidiram quando realizavam fumigação aérea de plantações de coca. De acordo com uma outra versão, a guerrilha os teria abatido.
Michael Demons, da DynCorp faleceu, em 15 de agosto de 2000, antes de chegar ao hospital de Florência. A autópsia revelou que fora vítima de um ataque cardíaco causado por uma overdose de heroína e de morfina. Ele trabalhava na base de Larandia. Alexander Wakefiel Ross, também da DynCorp, morreu “acidentalmente”, oficialmente decepado pela hélice de um avião, em agosto de 2002. Mas, disseram à sua mãe que ele fora assassinado porque sabia muito sobre a implicação de alguns camaradas no tráfico de drogas.
Rumores? Esse tipo de suspeita baseia-se em alguns fundamentos. Quando aborda enfim a questão, que já havia sido tratada na mídia americana, o jornal Semana é claro: “Os gringos que aplicam inseticidas no âmbito do Plano Colômbia são um bando de Rambos, sem Deus nem Lei, e foram implicados em um escândalo de tráfico de heroína (10)”. De fato, em 12 de maio de 2000, a polícia do aeroporto El Dorado, em Bogotá, encontrou dois frascos contendo 250 gramas de um líquido que, após análise, mostrou ser uma mistura de óleo e de emulsão de pavot, a base da heroína. Para a infelicidade do DynCorp, seus homens haviam utilizado uma empresa privada – Federal Express – para enviar a preciosa carga até seus postos estabelecidos na Base da Força Aérea de Patrick, na Flórida.
Negócios abafados
A polícia colombiana precisou manter silêncio até que, um ano mais tarde, a mídia americana tornou público um relatório da Drug Enforcement Administration. Dez empregados do DynCorp também estavam implicados no tráfico de anfetaminas, em 2000. Os elementos da investigação conduzida pelo Ministério da Justiça colombiana, misteriosamente, desapareceram, enquanto a empresa contentava-se em expulsar ou emudecer as pessoas incriminadas.
Washington fez tudo para abafar esse tipo de negócio que punha em risco as operações que o Pentágono conduzia com DynCorp em muitos países, especialmente o Iraque. Foi por esse motivo que a captura e prisão pelas FARC, em 13 de fevereiro de 2003, de três empregados – rebatizados “reféns” pela mídia – da Califórnia Microwave Systems que, no sul do país, “realizavam operações de informação (11)”, repercutiu pouco. Antes dos atentados de 11 de setembro, as guerrilhas colombianas gozavam de estatuto de forças políticas beligerantes. Desde então, o Departamento de Estado norte-americano as rebatizou de organizações “terroristas”. Em 2002, o congresso dos Estados Unidos aprovou o aumento – até 500 – do número de membros das Forças Especiais presentes na Colômbia, suprimindo o teto dos terceirizados autorizados. Do mesmo modo, autorizou o uso da ajuda militar “anti-narcotráfico” para fins contra-insurreicionais, o qual implica igualmente os terceirizados e as sociedades militares privadas.
Finalmente, abandonando os falsos fugitivos, Washington oficializou o que foi sempre uma realidade. Essa continuidade na mudança recebeu um nome – o Plano Patriota – e o eixo da guerra foi deslocado, especialmente em direção às zonas petrolíferas, próximas à fronteira da Venezuela.
Interesses contrariados
A guerrilha atrapalhou a exploração e o transporte do petróleo, considerando que apenas serve às transnacionais e a uns poucos colombianos. A primeira empresa que utilizou mercenários para proteger suas infraestruturas foi a Texaco. Em 1997 e 1998, a britânica Defence Systems Ltd. colaborava com o exército treinando paramilitares às expensas da British Petroleum, Total e Triton, com o auxílio da empresa israelense Silber Shadow para a aquisição de armamento.
Em 13 de dezembro de 1998, helicópteros bombardearam casebres de Santo Domingo, um vilarejo situado nas proximidades da Venezuela. De acordo com o exército, estavam ali os membros de uma coluna guerrilheira. Na realidade, as 18 vítimas eram camponeses. O alvo havia sido marcado e assinalado pelos mercenários da Occidental Petroleum, em cujas propriedades foi preparada parte da operação. Também foi dali que decolaram os aparelhos da Florida Air Scan com três americanos a bordo, entre os quais um militar na ativa. Eles desapareceram depois e o governo dos Estados Unidos recusou-se a entregá-los à justiça colombiana (12).
Em setembro de 2003, Bogotá aceitou assinar um acordo com os Estados Unidos, através do qual o governo colombiano comprometeu-se a não enviar cidadãos americanos que tenham, eventualmente, cometido crimes contra a humanidade, diante da Corte Penal Internacional, sem autorização de Washington. Quem, então, se encarregará em punir os crimes e delitos cometidos por mercenários que trabalham para as SMP? Outra questão: a política de “segurança democrática” do presidente Álvaro Uribe apóia-se na criação de um contingente de 25 000 “soldados-camponeses”, de frentes locais de segurança nos bairros e uma rede de um milhão de “informantes”. Deve-se a esses informantes ondas de detenções em larga escala com base em acusações fantasiosas, de serem supostos “agentes de guerrilha”. Quem controlará esses novos atores de uma guerra cada dia mais e, perigosamente, privatizada?
Dos paramilitares aos “soldados-camponeses” e às sociedades militares privadas, nada mais, em suma, do que a extensão e a atualização da estratégia teorizada desde 1967: “Se uma guerra limitada convencional provoca muitos riscos, então as técnicas paramilitares podem fornecer uma maneira segura e útil que permite aplicar a força tendo em vista a obtenção de fins políticos (13).
1 - A Agência para o desenvolvimento internacional (USAID), criada em 1961 pelo presidente John Kennedy é uma agência governamental independente, encarregada da cooperação para o desenvolvimento e de assistência humanitária.
2 - Instituto de informação e de operações especiais de Israel.
3 - Reencontramos Yair Klein implicado na troca de “diamantes por treinamento militar” na Libéria e em Serra Leoa, em 1997. Foi preso em Freetown antes de evadir-se. (tenente-coronel é o posto militar entre o coronel e o general).
4 - No final dos anos 1990, os paramilitares adquiriram alguns helicópteros e mecânicos para garantir sua manutenção e treinamento de vôo.
5 - Ver “Os paramilitares e o terrorismo de Estado Colombiano”, Le Monde Diplomatique, abril, 2003.
6 - Caicedo Castro Germán, Con las manos en alto. Episodios de la guerra en Colombia. Planeta, Bogotá, 2001.
7 - Cahier d’études stratégiques, nº 36-37, Cirpes, Paris, junho, 2004.
8 - El tiempo, Bogotá, 20 de junho de 2003.
9 - Ken Guggenheim, Associated Press, 5 de junho de 2001. (“Irã-Contras” foi o escândalo do financiamento contra-revolucionário nicaraguense com lucros gerados pela venda de armas dos Estados Unidos ao Irã islamita, apesar do embargo).
10 - “Mercenários”, Semana, Bogotá, 13 de julho de 2001.
11 - “Mercenários S.A”, El Tiempo, 20 de junho, 2004.
12 - Caicedo Castro Germán, op. cit.
13 - “La guerra en el mundo moderno”, Revista de la Fuerzas armadas, Bogotá, maio-agosto, 1976.
O Plano Colômbia legalizou as atividades realizadas há anos por empresas militares privadas na guerra contra as guerrilhas, diminuindo a necessidade de presença ostensiva de militares norte-americanos que, no entanto, mantêm o controle dessas operações
Hermano Ospina
Ao final do Tour de France de 2004, o terceiro lugar na modalidade individual – Ivan Basso – e em equipes, foi levado por ciclistas da equipe CSC. Muito poucos patrocinadores sabem que essas iniciais significam Computer Science Corp. e menos ainda que se trata de uma transnacional ligada às forças de segurança americanas. Essa relação foi reforçada em março de 2003 quando a CSC adquiriu a DynCorp, uma das Sociedades militares privadas (SMP) preferidas de Washington.
Desde o final de 1993, a DynCorp está presente na Colômbia. Espera-se que ela exerça suas atividades na luta contra o narcotráfico, mas a empresa participa, juntamente com mais de 30 sociedades militares privadas (SMP), da guerra contra as guerrilhas – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e o Exército de Libertação Nacional (ELN) – e, também, da repressão ao movimento social. Essas SMP têm contrato diretamente com o Departamento de Estado norteamericano, o Pentágono ou a Agência Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID)(1), e defendem de fato os interesses da “superpotência”. Graças a elas, Washington fabricou o principal conflito privatizado do mundo (além do Iraque).
Em setembro de 1999, o presidente Andrés Pastrana voltou de Washington depois de obter de Clinton uma ajuda de 1,7 bilhões de dólares para financiar o plano Colômbia, para agradar a opinião pública e, também, para evitar o impacto psicológico negativo de uma intervenção muito visível. O número de militares americanos autorizados a trabalhar nas operações antinarcotráfico, na Colômbia, foi limitado a 400. Todavia, para se evitar uma intervenção aberta – do tipo Granada (1983) ou Panamá (1989) – é importante, para Washington, apoiar Bogotá através de sistemas eficientes de informação e treinamento. Ao aprovar o plano, em julho de 2000, o Congresso autorizou, além da presença dos militares, a de 400 agentes de investigação civis, restrição facilmente contornável. Como a lei refere-se a “americanos”, o Departamento de Estado e as empresas como a Dyncorp empregam pessoal da Guatemala, Honduras ou Peru, ultrapassando tranqüilamente os limites fixados. Efetivamente, o Plano Colômbia não passa de uma legalização das atividades que já realizavam muitas dessas empresas. Pois, além de sua nova importância e sua qualificação, as SMP não são uma novidade no país.
Treinamento israelense
Em 1987, sob o olhar benevolente do governo, grandes proprietários de terras e narcotraficantes ligados ao cartel de Medellín apelaram para a empresa israelense de segurança Hod He’hanitin (Spearhead Ltd) para treinarem paramilitares. Instalações e terrenos da Texas Petroleum Co. foram utilizados para a formação dada por ex-oficiais do exército israelense e pelo Mossad (2) - por exemplo, pelo Tenente - Coronel Yair Klein(3), ou os antigos comandos da SAS britânica. Esses mercenários ensinaram as técnicas anti-subversivas utilizadas depois para “limpar” as zonas bananeiras e petrolíferas de pessoas suspeitas de apoiar às guerrilhas. Esse conhecimento serviu também para os assassinatos, entre 1987 e 1992, de Jaime Pardo Leal e Bernardo Jaramillo (União Patriótica), Carlos Pizarro (M-19) e Luis Carlos Galán (liberal), candidatos à eleição presidencial em oposição à situação.
Segundo um documento do relator especial da Organização das Nações Unidas apresentado, em fevereiro de 1990, à comissão de direitos humanos da ONU, mais de 140 grupos paramilitares operavam, então, no país, em estreita ligação com o exército e a polícia. Atacando, não apenas simpatizantes da guerrilha, mas também operários, sindicalistas e camponeses. Essas milícias fizeram milhares de vítimas(4). O termo “paramilitar” usado com habilidade e como fachada, empregado de forma eufemística, teve a função essencial de ocultar o corpo (o exército) e as forças políticas que promoveram essa política de extermínio (5). Acima de tudo, ao conduzirem a “guerra suja” no lugar do exército e dos agentes do Estado, elas permitiram a esses últimos “recompor” sua imagem e poder pretender a ajuda americana, que lhes impediria violar excessivamente os direitos humanos.
Política de terror
Como essa política de terror não bastava para erradicar os revoltosos, Washington entrou no conflito pela porta dos fundos. As companhias de petróleo presentes na Colômbia, as indústrias de armas e as sociedades militares privadas gastaram 6 milhões de dólares no lobby para conseguir do Congresso o sinal verde para o Plano Colômbia. Uma vez aprovado, os contratos compensaram amplamente o investimento. Dos 1,30 bilhões de dólares outorgados ao plano pelos Estados Unidos, 1,13 bilhões foram gastos sem que um único funcionário colombiano visse nenhum centavo. Até a quantia obtida pelo Banco Mundial para o plano foram canalizadas por Washington para as sociedades militares privadas (SMP).
O primeiro investimento realizado com esse dinheiro foi a compra de um avião espião RC-7, do Pentágono, por 30 milhões de dólares em substituição a um aparelho semelhante que havia se espatifado contra o monte Patascoy, perto da fronteira equatoriana, quando coletava informações sobre as FARC, em 23 de julho de 1999. Na ocasião, a morte de cinco agentes norte-americanos detonou um escândalo por revelar o grau de ingerência de Washington no conflito (6). O novo avião foi emprestado à Northrop Grumman Corp., uma SMP, para que prosseguisse o trabalho.
Três Esquinas e Larandia, bases de forças especiais norte-americanas fixadas no Sul da Colômbia, há muitos anos, também receberam os “terceirizados”. Todo o que ali se consome e se utiliza é importado dos Estados Unidos pelas sociedades militares privadas. É, principalmente, nessas bases que são treinados os milhares de militares e paramilitares encarregados de recuperar a zona de El Caguán, território onde o governo de Andrés Pastrana havia estabelecido negociações com as FARC.
Proteção diplomática
O elo com as companhias privilegiadas se faz através de “qualquer um” da embaixada americana. Nenhuma autoridade colombiana tem o direito de controlá-las, nem aos seus aviões, sua tripulação ou carga. Seus homens entram com visto de turista, porém beneficiam-se da proteção diplomática. Washington ameaçou suspender a ajuda econômica nas poucas vezes em que, em um ataque de dignidade, as autoridades colombianas ousaram protestar.
Existem sociedades militares privadas em todo lugar na Colômbia, a mais polivalente é a DynCorp, que fornece até cozinheiros. Arinc constrói sistemas de abastecimento para das pistas de pouso. O Grupo Rendon ensina os oficiais da polícia e do exército como explicar o Plano Colômbia. ACS Defesa fornece apoio logístico e aconselha o pessoal da embaixada americana implicada no Plano.
Entre outros serviços, a Lockheed-Martin oferece apoio aos helicópteros de combate e aos aviões de transporte de tropas. A Northrop instalou e gerencia sete potentes radares coordenados com um poderoso sistema aéreo de espionagem. Essa companhia também treina militares e paramilitares para as “operações especiais” (7). Outras empresas utilizam uma alta tecnologia para fotografar do espaço, interceptar as comunicações e analisá-las: ManTech, TRW, Matcom, Alion. Essas informações são transferidas ao Sistema de Reconhecimento do Comando Sul do exército americano (Southcom) e à CIA, que as analisam e as redistribuem às instâncias de sua escolha – as forças armadas colombianas são as últimas a serem informadas.
Tanto o Pentágono, quanto o Departamento de Estado e a USAID indicaram claramente que a maioria dos programas de assistência militar e logística, assim como os que dizem respeito à informação, não poderão ser transferidos rapidamente aos colombianos, uma vez que eles não dispõem de “capacidades técnicas” para dominá-los (8). Cabe perguntar então, para que serviram os instrutores recrutados!
Os “rambos” e o narcotráfico
Mais de 20 mercenários foram mortos desde 1998, quase todos em circunstâncias “estranhas” e imediatamente abafadas. Pelo que foi possível averiguar, Eagle Aviation Service and Technology (EAST), empresa terceirizada pela DynCorp, anteriormente implicada no escândalo “Irã-Contras” juntamente com a CIA (9), sofreu os dois primeiros mortos, em julho de 1998. Oficialmente, eles colidiram quando realizavam fumigação aérea de plantações de coca. De acordo com uma outra versão, a guerrilha os teria abatido.
Michael Demons, da DynCorp faleceu, em 15 de agosto de 2000, antes de chegar ao hospital de Florência. A autópsia revelou que fora vítima de um ataque cardíaco causado por uma overdose de heroína e de morfina. Ele trabalhava na base de Larandia. Alexander Wakefiel Ross, também da DynCorp, morreu “acidentalmente”, oficialmente decepado pela hélice de um avião, em agosto de 2002. Mas, disseram à sua mãe que ele fora assassinado porque sabia muito sobre a implicação de alguns camaradas no tráfico de drogas.
Rumores? Esse tipo de suspeita baseia-se em alguns fundamentos. Quando aborda enfim a questão, que já havia sido tratada na mídia americana, o jornal Semana é claro: “Os gringos que aplicam inseticidas no âmbito do Plano Colômbia são um bando de Rambos, sem Deus nem Lei, e foram implicados em um escândalo de tráfico de heroína (10)”. De fato, em 12 de maio de 2000, a polícia do aeroporto El Dorado, em Bogotá, encontrou dois frascos contendo 250 gramas de um líquido que, após análise, mostrou ser uma mistura de óleo e de emulsão de pavot, a base da heroína. Para a infelicidade do DynCorp, seus homens haviam utilizado uma empresa privada – Federal Express – para enviar a preciosa carga até seus postos estabelecidos na Base da Força Aérea de Patrick, na Flórida.
Negócios abafados
A polícia colombiana precisou manter silêncio até que, um ano mais tarde, a mídia americana tornou público um relatório da Drug Enforcement Administration. Dez empregados do DynCorp também estavam implicados no tráfico de anfetaminas, em 2000. Os elementos da investigação conduzida pelo Ministério da Justiça colombiana, misteriosamente, desapareceram, enquanto a empresa contentava-se em expulsar ou emudecer as pessoas incriminadas.
Washington fez tudo para abafar esse tipo de negócio que punha em risco as operações que o Pentágono conduzia com DynCorp em muitos países, especialmente o Iraque. Foi por esse motivo que a captura e prisão pelas FARC, em 13 de fevereiro de 2003, de três empregados – rebatizados “reféns” pela mídia – da Califórnia Microwave Systems que, no sul do país, “realizavam operações de informação (11)”, repercutiu pouco. Antes dos atentados de 11 de setembro, as guerrilhas colombianas gozavam de estatuto de forças políticas beligerantes. Desde então, o Departamento de Estado norte-americano as rebatizou de organizações “terroristas”. Em 2002, o congresso dos Estados Unidos aprovou o aumento – até 500 – do número de membros das Forças Especiais presentes na Colômbia, suprimindo o teto dos terceirizados autorizados. Do mesmo modo, autorizou o uso da ajuda militar “anti-narcotráfico” para fins contra-insurreicionais, o qual implica igualmente os terceirizados e as sociedades militares privadas.
Finalmente, abandonando os falsos fugitivos, Washington oficializou o que foi sempre uma realidade. Essa continuidade na mudança recebeu um nome – o Plano Patriota – e o eixo da guerra foi deslocado, especialmente em direção às zonas petrolíferas, próximas à fronteira da Venezuela.
Interesses contrariados
A guerrilha atrapalhou a exploração e o transporte do petróleo, considerando que apenas serve às transnacionais e a uns poucos colombianos. A primeira empresa que utilizou mercenários para proteger suas infraestruturas foi a Texaco. Em 1997 e 1998, a britânica Defence Systems Ltd. colaborava com o exército treinando paramilitares às expensas da British Petroleum, Total e Triton, com o auxílio da empresa israelense Silber Shadow para a aquisição de armamento.
Em 13 de dezembro de 1998, helicópteros bombardearam casebres de Santo Domingo, um vilarejo situado nas proximidades da Venezuela. De acordo com o exército, estavam ali os membros de uma coluna guerrilheira. Na realidade, as 18 vítimas eram camponeses. O alvo havia sido marcado e assinalado pelos mercenários da Occidental Petroleum, em cujas propriedades foi preparada parte da operação. Também foi dali que decolaram os aparelhos da Florida Air Scan com três americanos a bordo, entre os quais um militar na ativa. Eles desapareceram depois e o governo dos Estados Unidos recusou-se a entregá-los à justiça colombiana (12).
Em setembro de 2003, Bogotá aceitou assinar um acordo com os Estados Unidos, através do qual o governo colombiano comprometeu-se a não enviar cidadãos americanos que tenham, eventualmente, cometido crimes contra a humanidade, diante da Corte Penal Internacional, sem autorização de Washington. Quem, então, se encarregará em punir os crimes e delitos cometidos por mercenários que trabalham para as SMP? Outra questão: a política de “segurança democrática” do presidente Álvaro Uribe apóia-se na criação de um contingente de 25 000 “soldados-camponeses”, de frentes locais de segurança nos bairros e uma rede de um milhão de “informantes”. Deve-se a esses informantes ondas de detenções em larga escala com base em acusações fantasiosas, de serem supostos “agentes de guerrilha”. Quem controlará esses novos atores de uma guerra cada dia mais e, perigosamente, privatizada?
Dos paramilitares aos “soldados-camponeses” e às sociedades militares privadas, nada mais, em suma, do que a extensão e a atualização da estratégia teorizada desde 1967: “Se uma guerra limitada convencional provoca muitos riscos, então as técnicas paramilitares podem fornecer uma maneira segura e útil que permite aplicar a força tendo em vista a obtenção de fins políticos (13).
1 - A Agência para o desenvolvimento internacional (USAID), criada em 1961 pelo presidente John Kennedy é uma agência governamental independente, encarregada da cooperação para o desenvolvimento e de assistência humanitária.
2 - Instituto de informação e de operações especiais de Israel.
3 - Reencontramos Yair Klein implicado na troca de “diamantes por treinamento militar” na Libéria e em Serra Leoa, em 1997. Foi preso em Freetown antes de evadir-se. (tenente-coronel é o posto militar entre o coronel e o general).
4 - No final dos anos 1990, os paramilitares adquiriram alguns helicópteros e mecânicos para garantir sua manutenção e treinamento de vôo.
5 - Ver “Os paramilitares e o terrorismo de Estado Colombiano”, Le Monde Diplomatique, abril, 2003.
6 - Caicedo Castro Germán, Con las manos en alto. Episodios de la guerra en Colombia. Planeta, Bogotá, 2001.
7 - Cahier d’études stratégiques, nº 36-37, Cirpes, Paris, junho, 2004.
8 - El tiempo, Bogotá, 20 de junho de 2003.
9 - Ken Guggenheim, Associated Press, 5 de junho de 2001. (“Irã-Contras” foi o escândalo do financiamento contra-revolucionário nicaraguense com lucros gerados pela venda de armas dos Estados Unidos ao Irã islamita, apesar do embargo).
10 - “Mercenários”, Semana, Bogotá, 13 de julho de 2001.
11 - “Mercenários S.A”, El Tiempo, 20 de junho, 2004.
12 - Caicedo Castro Germán, op. cit.
13 - “La guerra en el mundo moderno”, Revista de la Fuerzas armadas, Bogotá, maio-agosto, 1976.