Por que Dilma está confiante se parte da oposição quer derrubá-la?
Por Helena Sthephanowitz
Na entrevista coletiva que a presidenta Dilma Rousseff concedeu na Austrália, durante a reunião dos países do G-20, no domingo (16), ela apareceu confiante, desapontando setores que apostam todas as fichas em crise política decorrente da Operação Lava Jato. O bom humor parece ser devido ao fato de o Brasil ter colhido vitórias nas resoluções dos líderes do G-20.
A presidenta fez um breve relato sobre decisões dos países de adotarem medidas que visem ao crescimento aquecendo a demanda, falou sobre investimentos em universalização do acesso à energia e educação, ambiente favorável a aumentar o comércio mundial, e sobre a reforma do Fundo Monetário Internacional para dar mais peso aos países em desenvolvimento.
Em seguida vieram as perguntas, e a primeira já foi sobre o impacto sobre seu governo e sobre ela da inédita prisão de grandes empreiteiros e financiadores de campanha na Operação Lava Jato. A presidenta demonstrou uma confiança que até surpreende quem se informa exclusivamente pela imprensa tradicional brasileira. Disse que não é o primeiro escândalo desta proporção na história do Brasil, e sim o primeiro investigado. Disse que pode mudar o país para sempre, ao acabar com a impunidade, e que mudará as relações entre a sociedade, o Estado e as empresas privadas. Que a investigação não é algo engavetável. Que colocará à luz do sol os processos de corrupção, inclusive, de alcance internacional.
Ao contrário da sanha golpista de alguns quadros da oposição e do jornalismo oposicionista com tradição em apoiar golpe, Dilma tem um histórico de combate e enfrentamento a cartéis. Bem diferente dos governos do PSDB e DEM, tanto quando estiveram no Planalto, como dos governadores que ainda estão no poder.
Sua fama nacional começou em 2004, quando ministra das Minas e Energia responsável por promover o primeiro leilão de energia elétrica no governo Lula. Para evitar combinação de preços entre os concorrentes, as regras do leilão exigiam de todos que fossem dar lance se "internarem" em um hotel, incomunicáveis com o mundo exterior e entre concorrentes, sem telefone, notebook, tablet. Só puderam usar computadores e softwares oferecidos pelos organizadores para fazer seus cálculos.
As empresas, do lado de fora, não sabiam o que se passava lá dentro com seus representantes. Só souberam do resultado no fim de leilão. Os consumidores tinham o que comemorar com os preços baixos. Os lobistas reclamavam que o preço a que se chegou foi baixo demais. Mas foi o preço dado pelas próprias empresas que calcularam serem o suficiente para se sentirem remuneradas, em ambiente de livre concorrência. Esse episódio levou Dilma a ser chamada internacionalmente de "Dama de Ferro" por jogar duro com empresários em defesa do interesse público.
Leilões de concessão de rodovias e outros serviços públicos também levaram a uma queda-de-braço entre governo e setor privado em torno de taxa de retorno aceitáveis. O governo defendendo tarifas e pedágios menores para o cidadão. As empresas reclamando que o governo queria "tabelar" os lucros.
Houve várias quedas-de-braço com empreiteiras desde o governo Lula. Batalhões de engenharia do Exército chegaram a fazer obras em rodovias, em parte da transposição do Rio São Francisco, por causa de licitações onde empreiteiras não aceitavam o preço máximo que o governo se dispunha a pagar, acima do qual considerava abusivo.
Em parte, vêm daí reclamações dos setores empresariais sobre falta de diálogo com a presidenta. O que é falso, neste caso. Há um processo de negociação onde o governante defende o interesse público, o empresário seu interesse privado. Cada um está de um lado diferente do balcão e devem chegar a um valor justo. Errado seria se o governante passasse para o lado do balcão do empresário. Aí não seria diálogo e negociação, seria cooptação, e é o que ocorre em muitos casos de corrupção.
No governo federal, em que pese os males decorrentes da governabilidade e de legislação permissiva, é fato que vários órgãos procuraram fazer editais de licitação que permitissem a participação de empreiteiras menores para aumentar a concorrência. Curiosamente até o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, no depoimento que foi divulgado ao público pela Justiça Federal do Paraná, disse ter recebido em alguns momentos orientação para incentivar maior concorrência entre fornecedores, o que vai contra os interesses de cartéis. Infelizmente, nem o juiz, nem os procuradores que cuidam da Operação Lava Jato se aprofundaram para perguntar de quem veio a orientação.
O fato é que o Brasil não é um país pronto. Precisa de construtoras para fazer sua infraestrutura, e é bom que sejam nacionais para não haver perda de divisas, para desenvolver a engenharia nacional e para os trabalhadores brasileiros terem empregos, sobretudo empregos qualificados na área tecnológica. As grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato estão no mercado há décadas e, ao que tudo indica, passaram a atuar em cartéis e não é de hoje. Fazem obras para os três poderes e para os três entes federativos.
Também, ao que tudo indica, passaram a corromper agentes públicos, para facilitar a atuação em cartéis. E ainda financiam campanhas eleitorais, mesmo de políticos que não são corruptos, mas convenhamos que mitiga o ímpeto investigativo em CPIs, mesmo da oposição, sobre quem os financia. Não por acaso, nunca vimos em CPIs nenhum dos presos na Operação Lava Jato. Sempre se convocou apenas os agentes públicos e políticos, deixando os grandes financiadores privados de campanha de fora. E isso vem, pelo menos, desde o escândalo dos anões do Orçamento há mais de 20 anos.
Quebrar esta estrutura patrimonialista enraizada é uma das transformações nacionais mais importantes. A oposição e a imprensa vinda da ditadura prestam um desserviço à nação ao ficar alimentando factóides sobre impeachment sem o menor fundamento. Pedir impeachment da presidenta é tão insano como pedir o fechamento do Congresso Nacional e impeachment de governadores e prefeitos, já que a maioria recebeu, direta ou indiretamente, financiamento de campanha dessas empresas. Tão insano quanto pedir a destituição de membros do Poder Judiciário por já terem firmado contratos licitados com estas empresas em obras de palácios de Justiça.
A presidenta presta um serviço à nação ao dizer e apostar que os desdobramentos da Lava Jato mudarão as relações entre a sociedade, o Estado e as empresas privadas.
É bem provável que a prisão leve os próprios empresários a aderirem ao fim do financiamento empresarial de campanha, a principal raiz da corrupção sistêmica. Afinal, hoje foram empreiteiros. Quem garante que amanhã não pode ocorrer algo semelhante com banqueiros privados, já que agem em bloco na Febraban (Federação do Bancos Brasileiros), fazem propostas semelhantes nos leilões de títulos públicos, nas exigências das taxas de juros, por nomeações no Banco Central, na CVM, financiam campanhas e fazem pressão no Congresso por leis de seu interesse. Só não há conhecimento de casos de suborno, nem de delatores, mas não é impossível que venham a ocorrer.
Quem sabe, agora, até o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, resolve devolver o processo para prosseguir o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adi) 4.650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais?