É o sistema, estúpido!
Por Marcel Franco Araújo
Falo dos
programas de construção de cisternas para convivência com a seca
do semiárido nordestino e do Programa de Aquisição de Alimentos –
PAA. Programas que contribuíram enormemente para a retirada do
Brasil do mapa da Fome da ONU.
Por que
não foi feito antes dos governos do PT? Por que nossa sociedade não
tem outras ideias simples para resolver problemas tão graves? Quais
são os entraves que enfrentamos?
É o
sistema, estúpido!
Vivemos
o capitalismo em nossas veias. Não adianta dizer que os tempos
mudaram, que as teses marxistas estão desatualizadas, que a
tecnologia criou contrapontos, que o mercado não é o vilão.
Nada
pode contestar o fato de que em 2016 1% da população mundial terá
mais dinheiro do que os demais 99% restantes1.Ou
as informações do "Credit
Suisse 2014 Wealth Report"
de
que hoje 70% da população mundial detém 3% da riqueza. Ou ainda
que dos 99% que hoje detêm 51,8% da riqueza, 20% fica com 94,5% e
aos demais 80% resta apenas 5,5% da riqueza.
A
desigualdade, no capitalismo aumenta proporcionalmente à
irracionalidade deste sistema. Tanto que não se enxergam saídas
como um PAA, o programa um milhão de cisternas, a economia
solidária, a educação popular etc. Que melhoram a vida das pessoas
ao mesmo tempo que apresenta-lhes outra lógica de sociabilidade que
não a de mercado.
Que tal,
ao invés de toda a produção, de qualquer coisa, inclusive a
comida, ser tida como mercadoria e reger-se pela orquestra
mercadológica, não ser distribuída para quem precisa? Por que o
excesso não é direcionado para quem precisa? Por que não
identificamos quem precisa do que e distribuímos, a partir dessa
matriz, o que é distribuído? Por isso é contra o mercado?
A
criação de impostos para grandes fortunas é uma necessidade
imediata e tão simples como uma cisterna de placa. Por que a
proposta não é aprovada no Congresso Nacional?
A
necessidade de reforma agrária, a denúncia da concentração de
terras, e a predominância da agricultura familiar na produção de
alimentos são incontestáveis, mesmo após as afirmações
inacreditáveis da nova ministra da agricultura. Por que não são
implementadas?
A
taxação do capital financeiro/especulativo é uma fonte de renda
enorme para promover o reequilíbrio fiscal, atual meta de nosso
ministério da fazenda. Por que não é ideia bem vinda no Congresso,
nem para os "especialistas” dos meios de comunicação?
A
democratização das comunicações que permite um reequilíbrio do
que é comunicado, refletindo o pluralismo de nossa sociedade, e
limitando o poder das grandes empresas de comunicação sobre a
formação do senso comum, é medida civilizatória e republicana,
até mesmo liberal. Mesmo assim é tratada como aberração pelo
congresso.
Estes
poucos milionários detentores das riquezas mundiais tem uma tarefa
que, acredito eu tome mais do seu tempo hoje do que a administração,
propriamente dita das fortunas. Trata-se da missão de influenciar
governos, dominar meios de comunicação, criar
símbolos/sentimentos/valores, enfim disputar a hegemonia. Eles lutam
para manter o privilégio da participação política exclusiva nos
rumos do mundo. Financiam campanhas, criam consensos, reforçam
tabus, e como resultado, ampliam seus lucros, fomentando o ciclo
vicioso, que conecta seus domínios patrimoniais ao domínio cultural
e simbólico. Isso é o sistema capitalista.
A força
da ideologia capitalista, da sociedade consumista, nunca esteve tão
arraigada no inconsciente coletivo. No mundo e no Brasil. Graças às
conquistas populares, nos últimos anos, parte da população
brasileira melhorou de vida e houve um contraponto à tendência
mundial. Mesmo valendo o que Lula falou, que "os bancos nunca
ganharam tanto”, aqui a desigualdade caiu. Contudo, o sentido desta
melhora continua passando pelo fortalecimento e reprodução desta
sociedade dos 1% para qual o mundo caminha, o que ameaça esta
redução. As valorosas exceções são as cisternas, o PAA e outros
programas cujo cerne é não reduzir o direito à uma mercadoria e a
garantia de dignidade a um serviço prestado pelo Estado.
Minha
esperança é que a ideia da Pátria Educadora do lema da presidenta
Dilma intente refletir sobre estas contradições e fortaleça as
soluções solidárias, e emancipatórias com nítida intenção de
enfrentar a causa dos problemas, para não ficarmos só na boa
intenção.
1Segundo
relatório da ONG Oxfam citado em reportagem de Carta Capital
disponível em
http://www.cartacapital.com.br/economia/oxfam-em-2016-1-mais-ricos-terao-mais-dinheiro-que-resto-do-mundo-8807.html