"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Entrevista com Néstor Kohan – Órfãos e sem Vaticanos


Fuente: ANNCOL.EU
M.P. y S.A.M.: Que papel jogam hoje em dia os meios alternativos de comunicação frente à dominação planetária do capital?
N.K.: Um papel fundamental. Vivemos uma ditadura midiática sem precedentes na história. Os meios massivos monopolizaram a um limite que teria sido inimaginável tão somente há meio século. As companhias de TV a cabo, por exemplo, variam o número de canais que oferecem.
A que eu tenho acesso na Argentina tem mais de 70 canais, porém somente em dois ou três se pode ver algo diferente...e, ademais, com limitações institucionais, porque estas escassas exceções dependem, por sua vez, de estados e de sua diplomacia externa. Em outras companhias há mais de 300 canais, no entanto, os alternativos são não mais que três ou quatro. A relação assimétrica é opressiva e massacrante. As páginas web alternativas existem, porém, sinceramente, devemos assumir sua marginalização extrema. Padecemos de um totalitarismo da informação e da comunicação massacrante, disfarçado de “pluralismo” e “democracia”. A “sociedade aberta” que Karl Popper e muitos outros de seu bando delinquente do pensamento oficial ocidental apregoavam durante a guerra fria é um mito e do pior nível.
M.P. e S.A.M.: Que opinas sobre o discurso do Presidente Obama frente às novas medidas em relação a Cuba? Se abre uma esperança?
N.K.: Nicolau Maquiavel, um jovem do meu bairro, costumava relembrar que os poderosos manejam com a raposa e o leão, com a astúcia e a violência, com o consenso e a repressão. Jamais abandonam nenhum dos meios de dominação. Todos os imperialismos e sistemas totalitários reprimiram e, ao mesmo tempo, tentaram criar consenso. Obama sorri e sorri, impassível, vendendo creme dental. Se disfarça de “bom policial” em relação a Cuba, ao mesmo tempo em que ameaça castigar duramente a Venezuela Bolivariana e a qualquer outro dissidente [externo ou interno] que o desafie. Promete erradicar definitivamente a tortura, porém termina reconhecendo que a tortura continua. Agora, chamam-na de “interrogatório forte”. Obtém o Prêmio Nobel da Paz, enquanto invade países, derroca governos populares, assassina líderes opositores, suborna, compra, intervém descaradamente em outras sociedades sem respeitar sua soberania, espia e vigia cada gesto cotidiano de seu próprio povo norte-americano como o faz com todos os demais povos do mundo. Alguns de seus próprios agentes [já repugnados] e alguns poucos de seus próprios intelectuais que não perderam a dignidade o denunciam publicamente. Desde Snowden até Assange e Chomsky.
Cada quem, então, é livre para oferecer a outra bochecha. Porém, nós também temos o direito e a possibilidade de não acreditar nele.
A nova política anunciada para a Revolução Cubana expressa um reconhecimento de fato de que os matadores do quarteirão, os gorilas do bairro, os gângsters e mafiosos do “mundo livre” não puderam subjugar o povo cubano, insubmisso e rebelde. Não há que perder isso de vista nem por um segundo. Todo nosso abraço a esse heroico povo que resistiu à potência mais poderosa, cínica, descarada e impiedosa do planeta. Todo nosso carinho e nosso reconhecimento. Todo nosso respeito.
Porém, suspeitamos que o Pentágono, os círculos do complexo militar-industrial, os grandes fabricantes e traficantes de armas da elite estadunidense, o Departamento de Estado e os polvos da oligarquia financeira estadunidense se propõem subjugar e engolir Cuba por outros meios. Não creem na paz, no diálogo nem no pluralismo. Mudaram tão somente um bispo por um cavalo, porém não abandonaram a intenção de dar xeque-mate. A estratégia continua sendo contrarrevolucionária e está destinada a controlar –numa situação de crise capitalista mundial e escassez de recursos naturais- todo o “quintal” em escala continental minando as defesas inimigas. Golpeando onde mais dói e atacando o lado mais frágil da revolução, sua economia. Quem queira acreditar no lobo, tem direito. Quem pretenda “fazer teoria”, legitimando uma situação de fato com grandes malabarismos verbais e reuniões doutrinárias sacadas da manga, que o faça. Por que não?
Os que amamos a vida e não queremos que o logo nos engula, também temos direito a usar a cabeça e a ter um pouquinho de memória. Adolf Hitler se deu ao luxo de fazer pactos de entendimento com a União Soviética. Foi para garantir a paz e respeitar a diversidade de sistemas sociais? Não, na sequência houve 20 milhões de mortos do povo soviético. O povo cubano e seu governo revolucionário estiveram meio século preparados e treinados para enfrentar, com o fuzil na mão e o olho na mira, quadra a quadra, casa a casa, uma possível e previsível invasão militar dos gringos. Não somente os militares. Cada cozinheira, cada professora, cada médico, cada pedreiro, cada motorista, sabia manejar sua arma e sabia onde tinha que postar-se para disparar contra o invasor militar imperialista se este punha sua bota suja sobre a ilha.
Estará esse povo preparado para resistir à invasão de dólares e artigos de consumo? Terão feito exercícios de apetrechamento para resistir a uma invasão de turistas com dinheiro, os disparos missilísticos de remessas milionárias, os ataques inesperados e noturnos dos investimentos de capitais, prostíbulos, cassinos, e a importação de todo um estilo de vida –onde o dinheiro manda e o ser humano obedece- do american way of life? Oxalá que sim, desejamos de todo coração! Por eles e elas, porém sobretudo por nós outros e nós outras. Se Cuba é deglutida e fagocitada pelo império, seria um golpe duríssimo no imaginário rebelde de Nuestra América e do Terceiro Mundo e nas esperança de nossos povos.
Porém, se Cuba não consegue resistir a este outro tipo de invasão [mais sutil, porém não menos agressiva], muito cuidado em acusá-los levianamente de “traição”. Se fazem isto é porque ficaram isolados, porque outras revoluções socialistas [anticapitalistas e anti-imperialistas] no continente não triunfaram. Nós também somos responsáveis pelos retrocessos eventuais que a transição ao socialismo na ilha poderia sofrer. Se tivéssemos triunfado contra nossas burguesias e seu patrão imperialista, hoje o cenário seria bem diferente.
M.P. y S.A.M.: Segundo reconheceram os presidentes de Cuba e dos EUA, o Papa Francisco jogou um papel central nesta nova relação. Se sente orgulhoso de que o novo Papa seja argentino?
N.K.: Não só não me sinto orgulhoso. Sinto muita vergonha. Este Papa é muito reacionário, que ninguém se engane. Vem cumprir a obra que Woytila começou girando pelos países do Leste europeu e apoiando a contrarrevolução na Nicarágua sandinista. Porque, naquela época, então elegeram um Papa polaco quando a Polônia sempre foi no concerto europeu de nações um país de segunda ou terceira linha, que nunca pôde ter sequer uma independência nacional que se preze de tal? Pois, porque, através do catolicismo tradicionalista polaco, se podia golpear duramente a esses governos burocráticos, impopulares, fragilizados por seus problemas sociais internos e pela carreira armamentista imposta por Reagan e Thatcher, ambos amigos de João Paulo II. Através da retórica oficial do catolicismo vaticano, hierárquico, tradicionalista e eurocêntrico, se dava cobertura “decente” à contra nicaraguense, financiada com o narcotráfico e com as armas sujas dos EUA.
Porque, 30 anos depois, os poderosos elegem um Papa latino-americano, quando todo o mundo sabe até o cansaço o eurocentrismo galopante que o Vaticano exerceu sempre, pra dentro e pra fora? Porque necessitavam pôr a Venezuela no caminho, dividir Cuba, subordinar o movimento campesino no Brasil [de forte tradição religiosa] e neutralizar a todo o movimento popular latino-americano, uma das reservas rebeldes em escala mundial potencialmente mais explosiva e “perigosa” para a geopolítica do quintal ianque.
O Papa Bergoglio-Francisco não vem libertar ninguém. Que ninguém acredite em suas gambetas à Garrincha [jogador de futebol do Brasil, que ameaçava ir para um lado e terminava indo para o outro] nem em suas meditadas guinadas de olho. Simplesmente, é um astuto jogador de truco [jogo de naipes argentino, onde ganha quem sabe mentir melhor]. Com seu tradicionalismo disfarçado de “renovador”, Bergoglio-Francisco vem modernizar, azeitar e renovar a dominação, espiritual e material, de nossos povos. Não só calou a boca de maneira escandalosa e vergonhosa em tempos sangrentos do general Videla [ainda que a posteriori pretendeu construir histórias honoráveis escassamente críveis para gente minimamente informada no terreno dos direitos humanos na Argentina].
Ademais, não tem nada a ver com a mensagem profética e rebelde das comunidades de base daquele rapaz barbudo de origem judia que andava a pé e com sandálias humildes enfrentando ao poderoso Império romano, questionando aos grandes mercadores do templo e denunciando o fetiche do dinheiro e do mercado, enquanto socializava e compartilhava o pão entre seus companheiros e suas companheiras. Bergoglio-Francisco, que eu saiba, não dissolveu o Banco Ambrosiano nem distribuiu as fortunas incalculáveis da Igreja Católica entre ninguém. Com dois ou três gestos intranscendentes, minimalistas e microscópicos, que não mudam uma estrutura hierárquica e sacerdotal de fundo [com milênios de história ao lado dos poderosos, desde as Cruzadas e a Inquisição, a caça de bruxas e Colombo até Hitler, Videla e Pinochet], Bergoglio vem pôr no caminho não só Cuba como também a todos os rebeldes latino-americanos e do Terceiro Mundo.
Devo confessar que o que mais me dói é ver alguns pensadores da teologia da libertação que eu respeitava e queria profundamente [continuo respeitando-os, ainda que me dói vê-los assim], numa atitude submissa e obediente, desfazendo e desterrando tudo o que se havia acumulado desde Frei Bartolomeu de las Casas até Camilo Torres. Enfim, a mensagem profética ressurgirá, não tenho nenhuma dúvida. Até o poder mais absoluto [militar, econômico ou simbólico] é passageiro e transitório na história. O poder do Vaticano, aparentemente hoje inexpugnável, não é uma exceção. As igrejas empresariais e televisivas [que compram cinemas milionários e caríssimos canais de televisão com dinheiro de ...?...] e a autoajuda não são tampouco nenhuma alternativa. O respeito autêntico pelas pessoas humanas e pela verdadeira espiritualidade está –tem que estar- mais além do mercado, do dinheiro e do capital. Continuo acreditando que a verdadeira espiritualidade virá com o socialismo como projeto integral, plural e revolucionário, onde crentes e ateus lutemos juntos, ombro a ombro, cotovelo a cotovelo, mão a mão, contra os grandes moinhos de vento do capital e suas instituições.
M.P. e S.A.M.: Neste novo contexto mundial, quais são as batalhas e os desafios das lutas dos povos na transformação da América Latina?
N.K.: Seguir resistindo! Não desmoralizar-se nem perder a bússola em meio a tormenta e a neblina. Agarrar-se com tenacidade, com obstinação, com convencimento e, por que não, com fé [como nos pedia José Carlos Mariátegui] à verdade histórica, aos projetos revolucionários culturais, sociais, integrais e radicais, à revolução mundial socialista. A confusão e a desmoralização são, se as avaliamos em termos de longa duração, passageiras. O poder dos capitalistas, ainda que hoje pareça inexpugnável, tem data de validade no curto prazo, como a maionese. Vivem para o dia a dia, arruinando o planeta em forma acelerada. Nosso projeto, por outro lado, é de longo prazo e longo fôlego. Não devemos retroceder. Não devemos nos entregar. Que as sereias continuem cantando e tentando seduzir, nós devemos seguir caminhando em busca da terra prometida de Moisés e tratando de encontra o lar comum [sem mercado nem exploração] que Ulisses perseguia, compartilhando o pão como pregava Jesus. No longo prazo, isso é o que perdura na história. Não se trata de que lado “há mais dinheiro”, senão que de que lado está o dever. Aos omissos, Deus os vomita. Os confundidos, os cansados, os que vacilam, os que nadam com a corrente do momento e se acomodam sempre onde o sol esquenta ou se penduram à onda de moda com a melhor cara de aniversário e caixinha feliz se perdem na poeira cinza, manchada e difusa da história. Espártaco, Tupac Amaru e Rosa Luxemburgo, por outro lado, seguem ao nosso lado... nítidos e em alto relevo, com dignidade e de pé. Quem se recorda hoje dos que vacilaram e se entregaram?
O movimento popular de Nuestra América deve –devemos- seguir lutando a partir de nossas próprias histórias e tradições, cada um a seu modo, manejando e preparando-se para todas as formas de luta, sem prender-se a nenhuma. Aprendendo de todas as armadilhas e manobras sujas com que assassinaram Emiliano Zapata e Augusto César Sandino, Martin Luther King e Malcom X.
M.P. e S.A.M.: Que papel jogou o marxismo nos últimos 30 anos na Argentina, desde que se retiraram os militares do general Videla e do almirante Massera até hoje?
N.K.: Nosso marxismo foi, primeiro, massacrado, aniquilado, queimado, nas pessoas, nos livros e nas produções culturais. Nosso marxismo não perdeu nenhum debate de ideias, fomos aniquilados e assassinados da forma mais perversa, que é algo completamente diferente. Depois da fogueira, da tortura, da violação, do aniquilamento e dos desaparecidos vieram as bolsas, os carguinhos politiqueiros, as editoriais prestigiosas, a cooptação. Porém, hoje há uma nova geração que ronda os 20 anos e que está em busca. Reaparecem, dispersos, porém reaparecem os ecos nunca apagados do todo, os sinais e símbolos da tradição insurgente e do marxismo rebelde. Algo novo está nascendo. Nosso modesto e microscópico papel é apoiar isso novo que nasce, tratar de orientar, brindar elementos para que essa nova geração faça seu caminho, construa sua experiência, despreze e desobedeça a voz do amo. E sobretudo se inteire de que a luta não parte de zero. Antes que todos nós nascêssemos e andássemos em fraldas ou sacando as melecas do nariz, já havia muita, porém muita gente lutando. Há que conhecê-los e conhecê-las. Há que estudá-los para poder aprender e recriar um novo imaginário rebelde, radical, insurgente e revolucionário, em escala nacional, continental e mundial. Sem memória e sem história, sem fortalecer nossa identidade e nossa cultura, estamos perdidos antes de começar.
M.P. e S.A.M.: Como visualiza ao marxismo latino-americano em escala continental?
N.K.: Muito melhor que há 20 anos! Há 20 anos, ninguém, nem os mais radicais se animavam a mencionar duas palavrinhas–chave: “socialismo” e “imperialismo”. Hoje são moeda corrente. Tudo está em discussão, porém o que está claro é que o imperialismo continua existindo, vigiando, controlando, violando a soberania de outros países e reforçando o domínio do capital onde quer que esteja, enquanto continua de maneira irracional e enlouquecida destruindo nosso planeta. Também está fora de discussão que o neoliberalismo não vai mais, que outro mundo é possível, e que esse mundo é e deve ser o socialismo. Qual socialismo? Isso é o que, pelo menos por enquanto, não está resolvido. Será socialismo com capitais privados, mercado generalizado, consumo desenfreado e competição entre as empresas ou será, pelo contrário, uma planificação socialista e participativa dos recursos sociais, ecológico, anti patriarcal, anti-imperialista e anticapitalista? É evidente que a disputa está aberta e o marxismo de Marx e de Che Guevara têm muitíssimo o que dizer a respeito... Ou é impensável hoje uma sociedade que não esteja regulada pelo mercado?
Causa inquietação e até um pouco de desgosto, pra não dizer vergonha alheia, ouvir ou ler apologias do mercado em mil tons, melodias e cores, realizadas em nome do socialismo. O modelo mercantil do “cálculo econômico”, contra o qual batalhou pacientemente Che Guevara nos anos ’60, hoje é um jogo de crianças ao lado das argumentações que circulam citando as autoridades mais dessemelhantes, desde Nikolai Bukharin a Deng Xiaoping, desde Charles Bettelheim a Alec Nove, entre muitos outros e outras. Um dos grandes desafios pendentes do marxismo do século XXI consiste em desmontar a falsa homologação de mercado e democracia. Para poder concretizá-lo, como mínimo, há que ESTUDAR. As palavras de ordem já não bastam. E, para decifrar os enigmas irresolutos, há que superar o divórcio entre um marxismo acadêmico [erudito, porém impotente e inoperante, que vibra e baila segundo a última música da academia parisiense ou nova-iorquina] e um saber militante abnegado, esforçado e sudorífero, porém que não estuda, não lê, não está informado e suplanta a falta de formação da militância de base com palavras de ordem superficiais ou com a importação acrítica ou ingênua do “modelo chinês”, do “modelo iugoslavo” ou qualquer outro ensaio de gabinete.
M.P. e S.A.M.: Caducaram as formas de luta radicais no novo contexto regional e mundial?
N.K.: Estou muito mal e muito pouco informado. Quase não vejo TV, nem ouço rádio, nem leio os jornais, nem vejo internet. Porém..., segundo as poucas notícias que chegam ao meu bairro e me contam meus vizinhos na quitanda, o Pentágono não se dissolveu. A CIA não aposentou ninguém. A NSA não enviou seus milhares de agentes a veranear e tomar umas bebidas. As forças armadas não desapareceram. A polícia se multiplica. As prisões não se transformaram em espaços para ir dançar e fazer festas. As leis “antiterroristas” não foram revogadas. Talvez tudo isto passou e eu não vi na TV, porém suspeito que não sucedeu. Então..., por que o movimento popular deve resignar-se à mansidão?
Há dados históricos inegáveis. Não podemos fazer como o avestruz que esconde a cabeça e simula não saber de nada. Nossos irmãos [porque não são só amigos, companheiros e camaradas, são nossos IRMÃOS com maiúsculas] de Cuba dissolveram o antigo Departamento de Libertação Nacional, depois denominado Departamento América, de onde atuavam Manuel Piñeiro Losada, popularmente conhecido como Barbarroja, junto com muitos amigos. Bem, têm todo o direito do mundo. Seguimos querendo, admirando e respeitando-os. Não julgamos. Não opinamos. Não abrimos a boca.
Porém, o resto do movimento rebelde, popular, insurgente e radical de Nuestra América, por que tem que se dissolver? Hoje há muito mais pobreza, exploração, desemprego e exclusão que nos anos ’60. Por que deveríamos renunciar à perspectiva, ao projeto, à estratégia da revolução se nossos inimigos continuam firmes sem abandonar suas posições? Tenho a sensação de que hoje já não temos nem pais nem avôs, nem Mecas nem Vaticanos ideológicos [utilizo agora estas expressões no sentido metafórico]. Estamos “órfãos”. Com toda a história nas costas, a qual reivindicamos com orgulho e com honra, sem renegar absolutamente nada de nada, porém já sem “estados guias” nem Vaticanos ideológicos. Nem Moscou, nem Pequim, nem Albânia, nem Havana, nem Paris. Perdão, não queremos ofender a ninguém, dizemos com todo o respeito do mundo. E quem queira aconselhar, que o faça, está em todo seu direito. Porém, nós simplesmente ouvimos, não obedecemos.
Hoje há novas potências “emergentes” [assim são chamadas nos noticiários] que podem, talvez, brindar apoio circunstancial aos inimigos de seus inimigos, porém nenhuma destas potências tem um projeto anticapitalista nem anti-imperialista sério. No melhor dos casos, têm disputas geoestratégicas e geopolíticas, porém de nenhum modo se propõem construir uma sociedade socialista ou comunista em escala planetária. De jeito nenhum! Não há que se confundir.
Se somos realistas, hoje o movimento popular pode contar com suas próprias forças. Devemos recriar o imaginário rebelde e revolucionário preparando-nos e mentalizando-nos para uma luta longa e difícil que não se resolverá dentro de seis meses. Aquele garoto de quem lhes falava, Nicolau Maquiavel, sustentava que lutar deste modo é muito mais difícil. Custa muitíssimo mais construir uma força própria sem muletas alheias. Porém, quando alguém consegue construí-la, se torna indestrutível, porque não se depende de ninguém.
M.P. e S.A.M.: Quais são, em tua opinião, as tarefas das novas gerações de jovens militantes em Nuestra América e no mundo? 
N.K.: Precisamente, essa é a principal tarefa para as novas gerações. Aprender do passado, apropriar-se de toda a história de luta, resistência, internacionalismo, heroísmo e abnegação; avaliar, conhecer, reconstruir, porém já sem Vaticanos. Necessitamos construir uma força popular e revolucionária de alcance, como mínimo, continental, que seja própria. Já sem aplicar “modelos” de lousa, nem o ataque súbito ao palácio de inverno, nem a longa marcha, nem o internacionalismo centrado unicamente em Paris e Bruxelas, nem o foco rural caribenho nem o sindicalismo economicista, nem a esquerda exclusivamente parlamentar e institucional. Pensar uma estratégia para os novos tempos, talvez inclusive combinando e articulando todas essas formas, sem prender-nos mecânica nem dogmaticamente a nenhuma delas de modo excludente, como se fosse um catecismo. Nossos inimigos manejam todas as formas de luta. Por que nós não temos direito a fazer algo análogo? Manejar e preparar-se, então, para todas as formas de luta! Essa é a tarefa da nova geração. Uma tarefa imensa, porém apaixonante.
E finalizaria dizendo a um rapaz ou uma moça de 20 anos: esta tarefa pendente, se se quer, não só é necessária e urgente, também é uma experiência “divertida” e “atraente”. Muito mais atraente e inspiradora que qualquer experiência medíocre e opaca que o capitalismo oferece para nossa vida cotidiana. O marxismo rebelde de Nuestra América e as aventuras e desventuras da revolução socialista hoje oferecem muitíssimo mais que 3 bolsas de droga, que 5 igrejas evangélicas, que 17 livros de autoajuda, que 35 joguinhos eletrônicos e que 8 caminhões de cerveja. Nós temos tarefas estratégicas que só podem ser realizadas pelos jovens e pelas jovens do século XXI. Temos toda a confiança do mundo de que poderão assumir semelhante tarefa. Se o conseguem, nós os seguiremos e os apoiaremos contentes e felizes.
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