"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A esperança da Paz com justiça social


La Habana, Cuba, sede dos diálogos de paz, 13 de janeiro de 2014


No ocaso de 2013, falou Juan Manuel Santos no encerramento dos Cursos de Altos Estudos Militares [CAEM] e Integral de Defesa Nacional [CIDENAL], e o fez acompanhado do chefe da delegação do Governo na Mesa de Conversações de La Habana, o doutor Humberto De La Calle.


Nesse cenário, o Presidente desnudou de maneira sincera ante as Forças Militares sua estratégia de paz, referindo-se a ela como um processo originado em 2000, quando o Presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, lançou em Cartagena o denominado Plano Colômbia. Com esta revelação, o próprio Santos resolve a suspeita de que não era este um plano contra o narcotráfico, mas sim um plano contra insurgente concebido para derrotar a crescente inconformidade social.


Com ar de autossuficiência, deu brilho com suas palavras ao papel que jogou pessoalmente desde então, como condutor da estratégia militar, já como gestor de créditos ante o Banco Mundial; já como artífice de dois impostos de guerra que permitiram ao Estado arrecadar 16 bilhões de pesos com o apoio entusiasta dos empresários; já como propiciador da integração da inteligência das forças, seguindo o conselho de seu amigo, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair; já como promotor da modernização do equipamento bélico e de estímulos econômicos aos militares; já como inspirador, desde o Ministério de Defesa e da Presidência da República, dos bombardeios da CIA contra objetivos de alto valor que tiraram as vidas de comandantes como o Negro Acacio, Martín Caballero, Raúy Reyes, Jorge Briceño e Alfonso Cano...


Melhor dito, tanto incenso e autoelogio que alguns militares, quase asfixiados, em meio a essa fumaça da vaidade, chegaram a crer que estavam frente ao homem de mais méritos militares em toda a história da Colômbia. Porém, uns dias depois, quando The Washington Post desvelou o plano da CIA para assassinar aos dirigentes da insurgência colombiana, puderam escapar da estupefação. Para o país ficou claro que o intervencionismo estadunidense é total e que a Colômbia é um país ocupado com o consentimento de umas elites apátridas. O único que, sim, é atribuível a Santos é que, pessoalmente, emitiu a ordem ao exército de assassinar a Alfonso Cano, quando este já havia caído prisioneiro, como o Che.
E seguindo a dissertação sobre suas façanhas militares no encerramento do curso, o Presidente desembocou, sem mais nem mais, em que, graças a sua genialidade, conseguiu o enfraquecimento das forças insurgentes, que hoje se viram obrigadas a acorrer a uma mesa de conversações para firmar sua submissão à institucionalidade e às leis vigentes. E explicou que esse é o sentido de sua reiterada manifestação de que “a paz é a vitória”. E perguntou aos militares presentes: “Em mãos de quem ficam as armas; quem é o que se desarma, e, por conseguinte, quem ganhou?”. Algo assim como: “não contavam com minha astúcia”. Em nada ajudam essas expressões na geração de confiança entre partes contendoras que buscam sacar adiante um processo de paz.


Nessa mesma linha argumentativa, que ademais desconhece o caráter de partes iguais dos contendores que estamparam suas rubricas no Acordo Geral de La Habana, afirma com ênfase desnecessária e áspera que “não haverá impunidade para os bandidos das FARC que maltrataram a cidadania durante 50 anos”, como se falasse o “santo” chefe de uma legião seráfica e não de um Estado terrorista que causou mortes, falsos positivos, paramilitarismo, desaparecimentos, deslocamento forçado e asfixia democrática, entre outras arbitrariedades. Pareceria ter esquecido que, poucos meses atrás, defendendo ante a Corte Constitucional um inconsulto marco jurídico para a paz [cujos termos deveria consensuar com a guerrilha na Mesa de La Habana], havia reconhecido que as vítimas eram vítimas do conflito; e que o Estado é responsável por ação ou por omissão. Vale acrescentar que esse simples reconhecimento discursivo não é suficiente para significar o terrível protagonismo do Estado na geração e permanência do conflito; é necessário que a voz do soberano seja escutada nesta matéria.


Mais adiante pontifica com o sofisma de que não haverá anistia nem indultos incondicionais para os guerrilheiros, como ocorreu no passado com o M-19, porque, segundo ele, a CPI não o permite; porém, logo, em tom persuasivo, como apaziguando temores da oficialidade em torno do espinhoso assunto de vítimas e máximos responsáveis, anunciou que a justiça transicional operará para outorgar benefícios jurídicos aos militares. Pelo menos fica claro que todas essas cambalhotas do governo em torno do marco jurídico são para favorecer aos militares.


Ainda que este assunto será abordado em seu devido momento, o primeiro que queremos dizer ao governo é que não viemos a La Habana para negociar impunidades. Não. Por isso, propusemos a composição de uma Comissão para o esclarecimento da verdade sobre a história do conflito interno colombiano, para facilitar a ação jurisdicional e dar satisfação às vítimas, porém o governo tem se desentendido com conhecimento de causa de que, se não se integra essa comissão, não será possível abordar o tema de vítimas e máximos responsáveis. Devemos arrancar na raiz essa assimetria jurídica que sempre pesa contra os mais fracos. O país entende que a guerrilha não vai permitir que seus dirigentes sejam pendurados nos postes, estigmatizados como vitimários e únicos responsáveis. Já o aceitou o Presidente: as vítimas são vítimas do conflito. Se a armadura jurídica internacional é ineludível, como afirmam, o Estado colombiano, que se auto encadeou ao Estatuto de Roma, apesar de estar envolvido em crimes internacionais e de lesa-humanidade, no fundo deve estar pensando em como responder ante a CPI no que diz respeito a tão graves e ineludíveis imputações. As FARC têm propostas para buscar uma saída justa a esta intrincada situação, de tal maneira que os combatentes e todos os colombianos saiamos satisfeitos.


Na mencionada alocução o presidente também passou uma parte de tranquilidade aos militares em torno dos acordos parciais conseguidos em La Habana: “O que se negociou em desenvolvimento rural – disse -, não é nada extraordinário, nada que vá escandalizar, não haverão sovietes stalinistas”... E nisso tem razão, e considerando, como ele diz, “que nada está acordado até que tudo esteja acordado”, o fundamental está nas ressalvas que ainda estão por debater-se. O campesinato colombiano clama para que se acabe com o latifúndio, se componha o fundo de terras para sua distribuição, se limite a estrangeirização da terra, se regule a exploração mineiro-energética das transnacionais, se estabeleçam as ZRCs [Zonas de Reservas Campesinas], onde floresça a economia campesina que garanta a soberania alimentar do país e se convenham fórmulas para frear o impacto negativo dos TLCs sobre a produção agrícola e a indústria nacional.


E quanto à Participação Política, o compromisso, segundo Juan Manuel Santos, é só ampliar a democracia, “buscando dar participação a esses setores que estiveram submetidos pelas FARC”. A respeito disso, queremos precisar que nosso empenho na Mesa de Conversações é conseguir que se lhe dê participação à cidadania e a suas organizações nas altas instâncias de planejamento de políticas que comprometem o futuro e a dignidade dos colombianos, se abram as enferrujadas portas que estiveram fechadas por toda uma vida republicana à democracia verdadeira, que não se assassine a ninguém por seu pensamento político e visão de país, que se dê participação às regiões secularmente esquecidas, se proscreva a Doutrina da Segurança Nacional e a concepção do inimigo interno, e se erradique definitivamente o paramilitarismo de Estado, para que isto possibilite também o trânsito de movimento armado a novo movimento político.


As ressalvas do ponto dois da agenda, estreitamente ligadas ao anseio nacional, exigem uma reestruturação democrática do Estado e da reforma política em função da expansão democrática; a reconversão das Forças Militares para a construção da paz e a proteção da soberania nacional; reforma econômica; reforma da esfera judicial que liberte a justiça de sua politização e corrupção e lhe devolva sua independência como esfera do poder; a reforma e democratização do sistema político eleitoral; concretização do prorrogado ordenamento territorial; a democratização da propriedade dos meios de comunicação , entre outros transcendentais aspectos relacionados com a democracia verdadeira, a paz com justiça social e a reconciliação nacional.


Considera o Presidente que o terceiro ponto em discussão, o narcotráfico, é um tema fundamental, e aventura que sem ele, possivelmente, as FARC e o ELN não estariam hoje onde estão. E nós dizemos que, sem o narcotráfico que necrosou até os tutanos a estrutura do Estado colombiano, claro, as FARC e o ELN não estariam onde estão, porque sem a gangsterização do regime, sem desigualdade nem tanta miséria não haveria levantamento armado. Pedimos que não se massacre com o ferro punitivo aos setores mais frágeis da cadeia do narcotráfico, que são os campesinos e os consumidores. A substituição de cultivos deve ser combinada com os campesinos e sob nenhuma circunstância se erradicarão sem que antes se promovam planos alternativos. As fumigações com glifosato, que têm causado males irremediáveis ao meio ambiente, devem ser suspensas. Atrás das grades, ao lado dos capos, deveriam estar não os campesinos nem as chamadas “mulas”, expressão de um problema social, mas sim os banqueiros corruptos, que com a lavagem de ativos provenientes de lucros do narcotráfico, estimulam sua existência. Como diria Bolívar, aqui as leis só servem para enredar aos fracos e de nenhuma trava aos fortes. Porém, muito pouco se faria para dominar o fenômeno se não há uma ação internacional combinada entre as nações, se não se persegue a máfia da distribuição, se não se dá o salto das políticas proibicionistas que têm agudizado o problema, para um protocolo de tolerância regulada, de persistente educação à juventude e do tratamento da dependência como assunto prioritário de saúde pública.


E conclui Santos afirmando que ‘não haverá cessar-fogo, não baixaremos a guarda na ofensiva militar”, e que só haveria trégua depois da assinatura do acordo final. Nas FARC lamentamos esta contumácia fatal que nega à mesa a confiança necessária para avançar na construção de acordos.


Se manterá viva a chama da esperança da paz que hoje trilha em La Habana só se o governo está disposto a propiciar mudanças efetivas que signifiquem democracia e dignidade, e se os colombianos vislumbram no horizonte que, por fim, poderemos ter pátria. Porém, fundamentalmente, se manterá viva a esperança da paz se as maiorias nacionais de pobres e excluídos, os campesinos, os trabalhadores, os desempregados, a juventude, as mulheres, os indígenas, a população afro e os habitantes dos imensos cinturões de miséria que rodeiam as cidades se mobilizam por ela. Haverá esperança de paz se as camadas médias que se empobrecem, que se endividam, que perdem suas casas enquanto os ricos são cada vez mais ricos, fazem sua a bandeira da paz. Haverá reconciliação, se o povo se indigna pela desaparição da soberania e da indústria nacional, que vê com raiva como as políticas governamentais vão configurando um país exclusivo de investidores e saqueadores, de banqueiros lavadores de lucros criminosos aos quais, ademais, há que fazer-lhes reverência, opte pela resistência cidadã. Se todos cerramos fileiras contra os corruptos que capturaram o Estado e que como ratazanas roubam os dinheiros públicos, haverá esperança; se rechaçamos essa gelatinosa governabilidade edificada sobre “geleia”, contratos e cargos burocráticos, se todos nos mobilizamos, se saímos à rua, se confrontamos e reclamamos unidos, a flama da paz não só não se apagará como seus clarões também iluminarão o continente. Lá, o presidente se segue crendo que só somos 7.200.


Finalmente, em torno das eleições quiséramos pôr termo a rumores não isentos de perfídia e maledicência lançados ao vento pela direita paramilitar da Colômbia: Nenhuma candidatura de direita, muito menos de extrema-direita, é opção para alcançar a paz. Por isso convocamos aos colombianos, a suas organizações sociais e políticas, à gente pensante, a buscar alternativas que nos favoreçam como nação, e nesse sentido sugerimos impulsionar a Constituinte pela Paz frente a qualquer perspectiva eleitoral dos mesmos de sempre e que pretendem converter a Colômbia em paraíso das transnacionais. Na mesma direção, chamamos aos promotores do voto em branco e da abstenção a canalizar sua inconformidade e força para a exigência de uma Assembleia Nacional Constituinte pela Paz. O processo constituinte que se iniciou com os diálogos de paz de La Habana deve preencher-se de força popular neste 2014 que começa.


DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP