Diálogos de paz em La Habana: Santos sabota a mesa
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Quinta-feira,
17 Outubro 2013 03:34
O
acordo é possível sem ambições nem pressões, reconhecendo a
bilateralidade da mesa de Havana e a necessidade das decisões
combinadas. O presidente Juan Manuel Santos não defende o processo
de paz e joga com supostas alternativas em consulta que põem em
perigo a continuidade do diálogo.
De
conformidade com o ordenado pelo comandante das FARC-EP Timoleón
Jiménez à Delegação de Paz em Havana, esta deu a conhecer, no
passado 3 de outubro, o “Primeiro informe sobre o estado das
conversações de paz”, feito com o qual se solucionou a polêmica
com o Governo Nacional sobre a confidencialidade ou não dos assuntos
tratados na mesa bilateral.
Como
nunca antes, estiveram tão em perigo os diálogos de Havana, pois,
na raiz do pronunciamento do chefe das FARC-EP de que se revelariam
os segredos bem guardados e acordados pelas duas partes, o presidente
Juan Manuel Santos lhe fez saber no momento à delegação
guerrilheira, através de Humberto de la Calle Lombana, que,
cumprindo-se o anúncio, o Governo Nacional romperia o processo.
“[...]Com
o exclusivo propósito de que o país e o mundo conheçam na verdade
o que ocorre, decidi autorizar os nossos porta-vozes em Havana a
elaboração de um informe ao povo colombiano. Temos uma grande
responsabilidade ante ele, e tanta retórica prejudica, Santos”,
disse o comandante das FARC-EP. Palavras que foram interpretadas, ou
melhor, apresentadas pela “grande imprensa” com distorção ou má
intenção.
Duzentas propostas
Após
a precisão de “Timochenko” no famoso apêndice, que não foi
um
pau
na roda dos diálogos, como
foi qualificada, Iván Márquez leu, ante a mídia, e para
conhecimento do país, o informe que não revelou segredos, porém,
sim, situou os avanços e conquistas do diálogo durante um ano de
percorrido, fato que pôs fim ao incidente que tensionou o país nas
duas últimas semanas.
“O acordo diz que as
discussões da mesa não se farão públicas, e para nada se refere
ao combinado. Por isso, jamais objetamos ou nos incomodaram os
informes que de maneira particular o governo dá às corporações,
aos militares, ou à opinião em geral”.
“Havida conta que o
governo levou a debate público e a conhecimento das esferas
legislativa e jurisdicional, tanto o marco jurídico como o
referendo, as FARC se sentem em liberdade de opinar frente a estes
temas. O faremos de maneira responsável em prol de entregar
elementos de juízo à cidadania, para que esta siga contribuindo com
suas iniciativas à superação do longo conflito colombiano”, diz
o informe fariano.
As FARC-EP recordaram que
apresentaram 200 propostas à mesa. Cem sobre o tema agrário e cem
sobre participação política. Todas elas interpretam as que
numerosas organizações sociais, agrárias, populares e partidos
políticos fizeram nos foros que se adiantaram sobre os dois temas,
organizados pela Universidade Nacional e as Nações Unidas.
“Demonstra o papel
deliberante e a iniciativa guerrilheira na mesa”, reconheceu um
analista. E acrescentou: “Não se conhecem as do Governo, porém
parece que não as há, porque estão dedicados a rechaçar as que
fazem as FARC. É a prática do ‘nãoismo’, que demonstra pouca
iniciativa governamental. Atuam
por reflexo, na defensiva”.
Avanços
modestos
A
realidade do diálogo e das conquistas está exposta de forma
desprendida no informe lido pelo Iván Márquez: “Hoje, após 14
ciclos de intercâmbios nos quais as FARC-EP puseram sobre a mesa
cerca de 200 propostas mínimas para resolver os problemas rurais e
os de participação política e cidadã, ainda que se tenha chegado
a mais de 25 páginas de acordos parciais, os avanços são
modestos”.
“Temos
suficiente material na comissão de texto e podemos anunciar ao povo
colombiano que, pelo que tem que ver com a delegação das FARC,
avançamos com bastante celeridade. Oxalá pudéssemos fechar para
esta data o ponto de participação política ou se se quer todos os
pontos da agenda”, disse Andrés París.
“Já
temo suma soma de páginas suficientes no ponto de participação
política para mostrá-lo à Colômbia como um avanço. A
confidencialidade que se nos põe pela cláusula estabelecida no
acordo nos impede distrair-nos no conteúdo dessas páginas, porém,
sim, informamos à Colômbia e ao mundo que a Delegação de Paz das
FARC-EP se encontra trabalhando intensamente sem freios para um
acordo neste ponto”.
“Outros
desejos já correspondem a agendas políticas que não estão
presentes no Acordo Geral, porém cada um está em seu direito de
trabalhar desde seu ângulo e desde seus interesses todos estes
temas. No que a nós corresponde, vamos apresentar à Colômbia
muitos bons resultados ao término deste ciclo”, sustentou París.
No
entanto, ao terminar a 15ª rodada de conversações, não há acordo
sobre participação política. Nem sequer sobre o estatuto da
oposição, ordenado pela Constituição Política de 1991. O Governo
Nacional se opõe a incluir um artigo que garante o direito ao
protesto social e os direitos das organizações sociais à
mobilização e apresentação de suas reivindicações.
Enquanto
De la Calle Lombana exige às FARC demonstrar com fatos a vontade de
paz, porta-vozes da insurgência asseguram que o Governo, com sua
posição estreita, ao desconhecer o preâmbulo do “Acordo Geral
para pôr fim ao conflito e conquistar uma paz estável e duradoura”,
obstaculiza chegar a um imediato acordo.
“As
guerras não são eternas; elas devem ter um final. Se
ambas as partes têm vontade sincera, ninguém poderá contra a paz.
Porém,
o governo tem a responsabilidade de não permitir que se nos escape
esta esperança, porque possui em suas mãos a decisão das mudanças,
de abrir as portas à democracia, e atender ao clamor de um povo que
exige paz com justiça social’, diz a declaração da Delegação
de Paz das FARC-EP ao culminar a 15ª rodada.
Jogo
perigoso
Em
contradição com o bom ambiente que se deve preservar em Havana, o
presidente Juan Manuel Santos abriu um debate com os partidos da
Unidad Nacional, estendido ao país e à “opinião pública”
através da mídia, que apresentam o suposto freio das FARC e os
poucos resultados concretos sobre o futuro dos diálogos e se se
devem manter ou não.
É uma
consulta surpreendente e perigosa, porque Santos, em lugar de
convocar ao Estabelecimento a defender o processo de paz, abre um
debate sobre a possibilidade de suspender os diálogos ou inclusive
rompê-los.
As
alternativas do presidente Santos são três: suspender os diálogos
durante a campanha eleitoral, rompê-los em definitivo, ou seguir
como estão. Reafirmou que espera resultados até o dia 18 de
novembro, do contrário tomará a decisão em qualquer das três
direções.
Horacio
Serpa Uribe, porta-voz do governo de César Gaviria nos diálogos de
Tlaxcala [México] com a Coordenadora “Simón Bolívar”, em 1992,
relembrou que ali se adotou a figura da suspensão e jamais se
retomou. Neste sentido, se mostrou em desacordo com esta alternativa
e, evidentemente, com a ruptura. “Há
que seguir no diálogo”, assinalou.
Ainda
que as FARC-EP não rechaçaram a opção de suspendê-los durante a
campanha eleitoral para que este tema não cause ruído na mesa,
numerosos porta-vozes da esquerda e analistas políticos se opõem
porque pode ser aproveitado pelos inimigos da paz para impor a
ruptura. É possível que não haja o retorno à mesa.
Se
algo se desprende do informe da delegação de paz das FARC-EP, é
que é possível obter resultados no médio prazo, porém é
indispensável que o presidente Santos abandone a posição
pusilânime de fazer concessões à extrema-direita e ao militarismo
e decida favorecer os acordos de paz com democracia e justiça
social, sem reduzi-los à desmobilização e à entrega das armas. E
sem impor decisões próprias do acordo bilateral como o marco
jurídico para a paz, o referendo e as vítimas do conflito.
O
conflito colombiano tem profundas causas que devem ser resolvidas,
como solução não cabem a pax romana nem a paz dos cemitérios.
Fonte: Semanario Voz