"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 22 de maio de 2013

'Uribe nos desalojou no Valle'


Novamente no Hotel Sevilla, me encontrei – encontro marcado previamente – com os negociadores das FARC en Havana: Pablo Catatumbo, Iván Márquez, Jesús Santrich e Marco León Calar.


 
 Por: Alfredo Molano Bravo

Num canto da grande sala começou a conversação. A delegação do Governo havia chegado na tarde e Sergio Jaramillo havia ditado uma polêmica conferência na Universidade Externado na noite anterior. Creio que boa parte dos temas que os comandantes desenvolveram tem que ver com essa conferência, que, confesso, não havia lido, encantado com a arquitetura e a afabilidade do povo de Santiago de Cuba, onde fui, quase como um peregrino, conhecer o quartel Moncada, onde começou a história do Movimento 26 de Julho e a Revolução Cubana.
Alfredo Molano Bravo: Falemos da pequena história da aproximação secreta com o governo de Santos.
Pablo Catatumbo: Os primeiros passos da negociação que hoje se desenvolve em Havana estão agasalhados por um pacto de confidencialidade que não podemos divulgar. No entanto, há uns antecedentes que devem ser conhecidos ou relembrados.
AMB: Como, quais?
PC: Há fatos que o país não conheceu em seu momento e que hoje devem ser contados para ir abrindo campo à verdade histórica.
No começo dos anos ’90, no governo de Gaviria, estivemos muito próximos de um arranjo de verdade, um “acordo no fundamental”, como disse Álvaro Gómez. Convocada por meios irregulares uma Assembleia Constituinte, as Farc se mostraram interessadas em participar, entre outras coisas porque Jacobo Arenas havia lançado a iniciativa desde os acordos da La Uribe com Belisario. Mais ainda, para dar espaço à União Patriótica, propusemos a eleição popular de prefeitos e governadores.
Nós estávamos preparados para a constituinte, e o governo de Gaviria, sem opor-se publicamente a nossa participação, embaralhava suas cartas. Com uma delas no bolso chegaram altos funcionários do Governo a conversar com Marulanda um mês antes da eleição de constituintes; buscavam definir o número de constituintes da Coordenadora Guerrilheira Simón Bolívar [CGSB], composta por ELN, EPL, FARC e M-19 na assembleia constituinte. Conversaram com Marulanda e com Alfonso em muito bons termos, até que se tratou do número de constituintes da Coordenadora. Dias antes, se haviam reunido seus chefes Francisco Caraballo, o padre Manuel Pérez, Carlos Pizarro com Marulanda para definir nossa participação. As cifras eram muito diferentes e a diferença muito grande. Gaviria oferecia cinco lugares e a Coordenadora pedia 20. Uma vez postos os números sobre a mesa, os delegados disseram: “Os tomam ou os deixam”.
Marulanda não respondeu nem sim nem não, disse somente: “Necessitamos um tempo para consultar com todos os membros da CGSB”. Não há tempo, responderam em forma peremptória os funcionários, o helicóptero não pode voar depois das 5 da tarde. Vocês devem tomar a decisão já. Marulanda não podia tomá-la e lhes disse: “Fiquem esta noite aqui e amanhã encontramos uma solução”. Responderam: Não, não temos tempo. Marulanda lhes respondeu: se não têm uma noite para conversar, que tempo vão dedicar à paz? Assim que o helicóptero saiu naquela tarde sem uma resposta. Um mês depois, no dia da eleição de constituintes, o Exército bombardeou os acampamentos do rio Duda. Foi a chamada Tomada de Casa Verde, que nem foi em Casa Verde nem foi tomada; o coronel Alfonso Velázquez reconheceu depois num escrito que o alto comando militar admitiu que a operação havia sido um grande erro militar. A realidade é simples e franca: Não nos liquidaram, lá seguimos. Digo-o agora: Os ultimatos não servem com as Farc.
Foi o momento em que mais perto estivemos de um acordo de paz. É óbvio que, se nós participamos numa constituinte e compartilhamos sua redação, de fato, nos acolhemos a ela sem reservas e fica sem fundamento o levantamento armado. A insurgência não pode seguir alçada em armas contra uma Constituição que subscreveu.
O erro de Gaviria e do M-19 foi pretender que se podia fazer uma paz parcial, uma paz oportunista sem que estivéssemos todos. A arrogância de dirigentes distanciados do povo e desconhecedores da realidade histórica, como César Gaviria, impediu um acordo que era muito possível e que haveria sido muito sólido.
Jesús Santrich: Se bombardeou uma possibilidade de paz. Em lugar de fechar o terrível capítulo da guerra, Gaviria e seu comissionado, Rafael Pardo, preferiram negociar com Carlos Pizarro – um homem a quem respeitamos porque deu sua vida pelos ideais –, porém ao que, cabe recordá-lo, lhe facilitamos os meios econômicos dos quais carecia o M-19 para que pudesse pôr Álvaro Gómez em liberdade, quando o retiveram. A história dessa verdade não está escrita. Como diz Pablo: Conosco não valem ultimatos. Essas bravatas definitivamente não servem, e o dizemos sem arrogâncias. Por outro lado, se perdeu a oportunidade de poupar-se ao país milhares de mortos, de dor e de sofrimento.
MB: Por que as FARC não negociaram com Samper?
Iván Márquez: O governo de Samper não tinha legitimidade suficiente para adiantar uma negociação de paz. Os militares o tinham bloqueado. Bedoya brandia o sabre cada vez que o presidente falava de paz. Quando se começou a falar de uma desocupação de La Uribe, uma zona desocupada de fato porque o Governo não sabia nem onde ficava esse município, Bedoya se insubordinou e pediu a Samper dar a ordem por escrito com o objetivo de legitimar um golpe militar. Samper não tinha com que fazer frente ao poder dos militares. Carlos Holmes, agora pré-candidato de Uribe, era um simples lagarto. Propôs ao Secretariado, em seu desespero e sua impotência, unir os rios do Sul Oriente para desenvolver o país. Uma coisa absurda, pura e simples. Samper propôs negociar em meio ao conflito, o que para nós sempre foi um erro que custa muito. Algum dia se conhecerá a correspondência desprezível que sustentou nessa época Carlos Holmes Trujillo com Jacobo e Alfonso.
AMB: Por acaso, a trégua bilateral não dá uma vantagem militar a vocês?
JS: Não nos dá vantagens, nós demos uma trégua unilateral e o Governo não a interpretou como um gesto de boa vontade senão como um sintoma de fraqueza. Quisemos mostrar que, suspendendo as ações militares ofensivas, não se fortalecia o Exército. Não o entenderam. Talvez o país e a comunidade internacional, sim, o compreenderam.
AMB: E como foi o rolo com Pastrana?
Marco León Calarcá: Pastrana confessa em seu calhamaço de 800 páginas que o Caguán foi uma estratégia para poder armar o Exército, que jamais teve uma real vontade de paz. O reconheceu Víctor G. Ricardo: as FFAA não tinham nem apetrechos, nem botas, nem gasolina para os aviões. Se as Farc houvessem advertido para este fato, não se haveriam sentado a conversar com o Governo. Ademais, Pastrana se havia comprometido, como recordou há pouco Felipe Lópéz na reportagem, excelente diga-se depassagem, que lhe faz Juan Carlos Iragorri, a combater o paramilitarismo, o que nunca fez. Esse foi o fracasso do Caguán.
Hoje, o presidente Santos deveria ler o livro, quem, devido a suas múltiplas ocupações, certamente não teve oportunidade de olhá-lo. Marulanda, que era um especialista em emboscadas, sabia o que o governo de Pastrana buscava e, por isso, deixou a cadeira vazia. Porém, era um guerreiro nobre e lhe fez saber a Pastrana que não assistiria a abertura formal das negociações em San Vicente. Pastrana se apresentou para fazer ficar mal a Marulanda. Ainda que a cadeira ficou vazia, não caiu no vazio seu discurso, um discurso que se deve voltar a ler com cuidado. Não se tratava de que se pagassem umas galinhas e umas mulas. Quando Eastman, o pequeno, lhe perguntou: “Comandante, você não queria voltar a Marquetalia e ter uma fazenda cafeeira grande com gado e mulas?” Marulanda lhe disse, sem ofender-se: “Sim, quero, meu filho, uma fazenda grande chamada Colômbia, não com mulas, mas sim com caminhões-tratores para mover tudo o que se produz”.
AMB: E com Uribe, houve aproximações?
PC: E muito sérias, apesar de sua gritaria bélica. Uribe não é um guerreiro, é um fanfarrão. Antes de terminar o segundo governo, quando sua candidatura estava fazendo água, um empresário com quem as duas partes tínhamos confiança – um verdadeiro facilitador – fez uma ponte com Luis Carlos Restrepo e por aí com Uribe. A embaixada americana e a Igreja estiveram informadas do passo, segundo nos inteiramos por Wikileaks. Passaram uns dias até quando recebemos uma carta muito amável e bem escrita assinada por Frank Pearl, nesse momento conselheiro de Uribe, que propunha um diálogo secreto no Brasil com Alfonso Cano ou comigo.
Nós analisamos com seriedade a iniciativa e concluímos que, estando por finalizar o governo, não tinha sentido abrir um processo sem saber quem poderia ser o novo mandatário. Assim que se respondeu com um “Não, grato; por agora, não”.
De todas as maneiras, ficou no ambiente o ânimo da iniciativa para encontrar-nos na zona onde eu operava – Barragán, Santa Lucía, La Mesa –. O Exército desocupou, com efeito, a área, apesar do que o ministro de Defesa declarava em público. Nos mandaram dizer que essa era uma prova da vontade de conversar, porém o Governo estava já de saída e nós lemos o que era certo: Uribe necessitava de nosso apoio.
AMB: Ou seja, que durante o governo de Uribe, sim, houve uma desocupação?
PC: Sim senhor, assim foi. Se pode verificar pelas datas.
IM: Mais ainda, houve outro antecedente por lá na metade de Uribe. O presidente nos fez saber que estaria disposto a desocupar os municípios de Florida e Pradera se Marulanda estava disposto a conversar, porém que o único problema era que essa desocupação incluía os engenhos açucareiros de Ardila Lulle. Álvaro Leiva lhes fez cair na conta do erro. Se tratava de um encontro com o Bloco Ocidental das Farc e já estávamos prontos para viajar ao lugar com Caliche, Pacho Chino, Leonel Páez, Reinel, melhor dizendo, o alto comando.
AMB: E por que razão não se levou a cabo o encontro?
JS: Porque, quando as coisas estavam prontas, explodiu uma bomba na praça da Universidade Militar. Puro barulho. Não houve feridos nem mortos, porém o Governo concluiu que nós a havíamos posto e se cancelou o encontro. Como não fomos nós, sabíamos o que buscava quem a pôs. Os meios de comunicação deram um grande desdobramento ao fato e alguns – os de sempre – disseram que o ato mostrava a hipocrisia das Farc, seu jogo duplo. Depois enredaram tudo com uma mulher que sacaram da manga e que diz que nos fazia inteligência. Uma falsa Mata Hari crioula.
AMB: Agora, falemos das relações com Santos.
IM: Depois do desencontro com Uribe, veio o “ruído de chaves” que fez Santos no discurso de posse. O interpretamos como uma boa mensagem e não nos equivocamos, porque um dia nos chegou um texto autorizado por ele, porém sem sua assinatura, dizendo que o Governo poderia estar interessado em explorar uma solução política ao conflito armado. Já o Governo falava de conflito armado e não de ameaça terrorista, o que era um passo significativo.
Alfonso Cano respondeu, em meio a um intenso assédio militar, com uma conferência gravada que deu ao que ele chamava a “guerrilheirada” e que difundimos amplamente. Alfonso dizia mais ou menos: “Sim, exploremos”. Depois enviou outra mensagem mais clara: “Conversemos”.
Há que dizer – acrescenta Iván Márquez – que o papel do presidente Chávez nas aproximações foi definitivo. Depois de oito anos de guerra sem quartel, de guerra a morte, nós desconfiávamos de tudo. Chávez aclimatou com paciência e sabedoria a necessária confiança numa saída negociada. Todos os primeiros passos se deram na Colômbia com sua ajuda.
AMB: Houve alguma condição prévia?
PC: Por nossa parte, a única condição foi que a classe dirigente, representada nos dois partidos tradicionais, estivesse disposta a reconhecer sua responsabilidade histórica na violência desde suas origens até o presente; esse simples fato abriria uma perspectiva, uma avenida de paz, porque se restabeleceria a verdade histórica. Santos, há que destacar, esteve de acordo. As únicas condições que nós pusemos foram as de ter essa disposição de ânimo para conversar e que as Farc nunca aceitariam um acordo que não incluísse a reforma agrária e a justiça social.
AMB: E das armas, quê?
JS: Nós temos uma disposição sincera e serena para participar nas mudanças que o país requer se há democracia. Nunca dissemos que só com as armas se chega ao poder. Marulanda disse: “Se as mudanças se fazem pela via democrática, as armas serão desnecessárias”. Nós não estamos apegados a elas. Porém, não aceitamos a pax romana que querem impor-nos. Na hora da verdade, se há boa vontade das partes, as armas são um assunto secundário. O IRA não entregou uma só pistola e hoje há governo e democracia na Irlanda do Norte. O pacto, convertido em texto constitucional, as tornaria inúteis. Inclusive poderíamos dar cumprimento a um preceito constitucional lógico: Na Colômbia há um só Exército. Porém, há muitos casos que estão vivos, como a morte de Guadalupe Salcedo. Desmitifiquemos a entrega de armas. As armas não se disparam sozinhas, se tornam inúteis. Se os compromissos são cumpridos, são desnecessárias; se há uma vontade de paz verdadeira, tudo se ajeita. Acaso não é bom para eles reduzir o PIB “de armas” de quase 6% para, digamos, 4%? Quantos quilômetros de rodovias se poderiam fazer com esses 2%? Quantos subsídios de moradia se poderia dar? Quanta saúde não se poderia dar? Não se lhe pode arrancar o corpo ao problema da saúde. É, hoje em dia, o assunto que mais preocupa o povo. O Governo põe paninhos de água morna a um enfermo moribundo, como é a Lei 100.
AMB: Vocês adiantaram, segundo parece, um bom trecho no tema agrário com as Zonas de Reserva Campesina. Em que ponto vão?
IM: Falemos claramente. Nós não estamos pedindo que sejam soberanas, mas sim que sejam autônomas, como o são os municípios que têm um conselho, uma administração eleita, que fazem seus planos de desenvolvimento e cuidam de seu meio ambiente; que podem planejar o uso de regalias e manejar as transferências, que podem chegar a votar uma decisão que considerem põe em perigo sua estabilidade ambiental. Esse conto das “republiquetas independentes” é uma falácia inventada pelos militares para desconhecer um programa originado no campesinato e regulamentado por uma lei da república. Quiséramos dizer que, sobre o primeiro ponto da agenda, levamos redigidas em limpo como acordo dez folhas de papel. Avançamos. Viemos meter o acelerador a fundo. Já entramos hoje, quarta-feira 15 de maio, no tema da laborização do trabalho rural para que os campesinos tenham direito a férias, gratificação, seguro desemprego, saúde, pensão.
MLC: É paradoxal, o que o campesinato e as Farc estão pedindo em matéria agrária é que se cumpram duas leis fundamentais, a Lei 200 de 36, que dá direito de propriedade aos possuidores de melhorias – que é o que se pede quando se fala dos nove milhões de hectares – e a Lei 160 de 1994, que cria as Zonas de Reserva Campesina. Ou seja, que se atendam as solicitações feitas pelos campesinos de reconhecer suas melhorias e convertê-las em Zonas de Reserva Campesina. É simples: que se cumpram as leis que eles mesmos redigiram na Constituição.
JS: Se o Governo não cumpre suas próprias leis, como poderemos confiar em que cumpra os acordos que se firmariam?
AMB: Vocês pedem mudanças sociais, porém onde está a linha entre o possível e o que não se pode pedir sem cair no irrealizável?
MLC: Nós estamos dispostos a um acordo de paz com justiça social. Não estamos pedindo a “revolução por contrato”, mas sim uma reestruturação política sólida que nos permita participar na construção de uma verdadeira democracia; poderíamos pactuar uma longa trégua, uma trégua de vários anos para compartilhar a responsabilidade de tirar o país da pobreza e da injustiça.
AMB: O Governo tem dito que nem a política econômica nem a doutrina militar são negociáveis, e vocês assinaram o acordo que exclui esses temas.
IM: O governo de Santos nos fecha esta porta ao impedir-nos negociar a política econômica. Como vamos falar de justiça social com os TLCs que estão arruinando aos cafeicultores, aos arrozeiros, aos agricultores de batata e de milho, aos produtores de lácteos, que, como temos visto, estão hoje protestando e organizando-se? Como vamos passar por alto a política econômica que permite o roubo do ouro e do carvão que estão fazendo as grandes mineradoras? Como vamos falar de justiça social vendo como arrasam a altiplanura, acabam com sua gente e com seus recursos hídricos? É necessário recordar que o Acordo firmado com Santos diz muito claramente que “o desenvolvimento econômico com justiça social e em harmonia com o meio ambiente é garantia de paz e progresso”. Como, então, falar de construção da paz sem falar do desenvolvimento econômico com justiça social? O Governo alega que o preâmbulo do acordo firmado não faz parte do acordo. É como dizer que o preâmbulo de uma constituição, seu marco geral, seu espírito, não são vinculantes! Absurdo! Um preâmbulo não é uma nota decorativa!
JS: A discussão do modelo de desenvolvimento se está dando na rua, o questionamento aos TLCs é tema de discussão em toda reunião. Os editoriais de imprensa o trazem a conto. Acaso a crise de Grécia, Itália, Espanha não estão impugnando o chamado Consenso de Washington? Porém, aqui está proibido discutir um modelo que demonstrou ser o motor da injustiça social e da exclusão econômica.
JS: Mais ainda, se vamos falar de paz e vamos falar de armas, como podemos passar agachados ante uma doutrina militar que tem tolerado o paramilitarismo? Agora nos querem vender a mentira de que os militares – alguns, muitos, não importa – nada têm que ver com a formação de um exército que chegou a ter – e tem – vários milhares de homens armados. Como podemos aceitar que semelhante força que cometeu os crimes mais atrozes que o país já conheceu se formou, cresceu e se fortaleceu às costas dos generais, sem que em mais de 20 anos de tivesse produzido um só combate com a Polícia e o Exército? Que classe de generais temos, então? A doutrina militar vigente deve ser discutida pelo país porque seus efeitos estão à vista de todo o mundo. Basta ler os jornais, basta contar os mortos e os desaparecimentos registrados pelas ONGs. Como sabe o Exército quantos homens e mulheres temos, suas idades, seu lugar de nascimento, e não diz quantos homens, mulheres e crianças morreram no país durante os 60 anos de confrontação armada? A simples cifra é um argumento para que se discuta uma doutrina militar que tem favorecido tal quantidade de mortos e desaparecidos, de falsos positivos, de massacres, de torturas. Saquemos os trapos ao sol, todos os trapos, e que isto seja, em vez de um varal de mortos, um varal de confissões francas e valentes. Não temamos a verdade da guerra, uma guerra em que estão comprometidas duas partes e não uma somente.
AMB: Como destravar o novelo em que estamos metidos?
PC: O país está maduro para escutar com serenidade uma declaração de responsabilidade histórica no desastre que temos vivido durante 60 anos. Esse simples sinal sincero por parte do Governo permitirá avançar em transformar o acordo firmado num tratado de paz. Que se reconheçam as vítimas do conflito, as vítimas das duas partes. Que se ponham sobre a mesa todos os componentes do quebra-cabeças, que se tragam à mesa todas as vítimas e todos os vitimários, sempre e quando se reconheça que nós nos armamos em legítima defesa e que em legítima defesa temos sustentado uma longa guerra sem ser derrotados.
Quero dizer uma coisa em voz alta: Este Secretariado está disposto a buscar de uma vez por todas a dar um jeito. Propendemos por uma participação ativa de todo o povo, e a fórmula histórica é uma assembleia constituinte.
AMB: Estão vocês tão certos de ter nela maioria, ou melhor, de não ser uma minoria que possa ser massacrada?
PC: Cremos que o povo nos ouve. Porém, se o povo decide por maioria colocar-nos de lado, aceitamos seu veredito. São as regras do jogo. Nós apostamos numa assembleia constituinte com caráter legislativo para que não volte a passar o que passou com a de 1991, na qual, por exemplo, o princípio de ordenamento territorial não pôde sair do limbo. Agora, com a proposta de Zonas de Reserva Campesina, pode tomar vida.
Por último, digo para que se ouça: A Santos lhe falta governabilidade. Não se pode negar. Necessita uma maioria forte para poder assinar a paz e nós estamos dispostos a ajudar a construí-la sempre e quando tenha esse único objetivo: a paz, a reconciliação política definitiva entre colombianos.