"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


domingo, 22 de fevereiro de 2015

Ingerência dos Estados Unidos, contra insurgência e terrorismo de Estado


Por Renán Vega Cantor, Rebelión


A dimensão internacional do conflito social e armado em Colômbia.
A Marisol e Lucia, minhas duas pequenas filhas, com a esperança de que possam viver num país decente, no qual não se mate ninguém por pensar, defender seus direitos e lutar por construir uma sociedade justa.


«[…] vivemos numa atmosfera de mentira, tergiversação e falsidade sem paralelo [...]. Não se deve temer a investigação histórica da verdade, assim esta nos asfixie e dilacere». Germán Guzmán C., La violencia en Colombia. Parte descritiva, Ediciones Progreso, Cali, 1968, p. 12.
A subordinação estratégica da Colômbia
«Obtivemos tudo o que solicitamos a este país [...]. Colômbia não regateou, senão que de todo coração saiu em apoio a nossa política [...] e não existe país na América do Sul que tenha se desempenhado em forma mais cooperadora». Spruille Braden, (Embaixador dos Estados Unidos) 6 de março de 1942, citado em David Bushnell, Eduardo Santos y la política del Buen Vecino, Bogotá: El Ancora Editores, p. 45.
«Consideramos que […] se deve realizar um esforço combinado por toda a Equipe do País [Colômbia] a fim de selecionar pessoal civil e militar com vistas a um treinamento clandestino em operações de resistência, [...] e, na medida em que seja necessário, executar atividades paramilitares, de sabotagem e/ou terroristas, contra partidários conhecidos do comunismo . Os Estados Unidos devem apoiar isto». John F. Kennedy Library. National Security Files. Box 319. Special Group; Fort Bragg Team; Visit to Colombia, 3/1962, «Secret Supplement, Colombian Survey Report».
«Se Pastrana foi a norte-americanização da política de segurança colombiana, na medida em que a estratégia que buscava uma saída negociada ao conflito e a formulação inicial do Plano Colômbia como uma estratégia integral para o desenvolvimento terminaram adaptando-se à agenda e aos interesses do governo norte-americano, Uribe é a «colombianização» da estratégia de segurança norte-americana no país, isto é, a interiorização dos ditames de Washington, já não uma adaptação de uma iniciativa própria, e sim uma tradução do diagnóstico, das políticas e demandas estadunidenses». «Habla el Comandante del Sur» [«Fala o Comandante do Sul»], Revista Semana, No. 1080, versão digital.
Na hora de analisar as causas do conflito social e armado, assim como as variáveis que o prolongaram e o impacto sobre a população civil, os Estados Unidos não é uma mera influência externa, mas sim um ator direto do conflito, devido a seu envolvimento durante grande parte do século XX. Suas ações se inscrevem no marco de uma relação de subordinação, entendida como um vínculo de dependência onde o interesse particular da Colômbia se considera representado nos serviços a um terceiro [Estados Unidos] que se concebe como dotado de uma superioridade política, econômica, cultural e moral. É uma relação desigual e assimétrica que assume um caráter estratégico, pois a existência mesma da República se pensa como indissociável da situação de subordinação. Uma subordinação estratégica e uma autonomia restrita são chaves na hora de entender a perduração do conflito, já que os Estados Unidos é agente central na definição dos lineamentos políticos das classes dominantes em Colômbia.
Do tema central, a dimensão internacional do conflito armado, se derivam um par de aspectos internos da Colômbia: a contra insurgência e o Terrorismo de Estado. Se analisa a origem e construção de um “bloco de poder contra insurgente”, a partir, primeiro, da repressão e perseguição aos movimentos sociais e políticos que na primeira metade do século XX puseram em questão a ordem estabelecida [como as lutas populares da década de 1920 e o gaitanismo na década de 1940] e, segundo, da sofisticação doutrinária da contra insurgência por influência direta dos Estados Unidos em inícios da década de 1960.
Na contra insurgência nativa se utilizam mecanismos repressivos de índole ideológica, midiática, jurídica, militar... por setores das classes dominantes, do bipartidarismo, das Forças Armadas e do Estado para perseguir aos adversários sociais e políticos, como um procedimento de velha data. Num momento chave dessa contra insurgência nativa, em meados da década de 1940, se formam os “pájaros” [sicários paramilitares], se politizam a polícia e o Exército com a finalidade de perseguir gaitanistas, comunistas e noveabrilenhos.
A contra insurgência nativa se liga com a contra insurgência moderna que se implementa desde meados da década de 1950 e tem um caráter mais doutrinário e elaborado após a Revolução Cubana. Essa contra insurgência moderna, com um acentuado caráter anticomunista, justifica a perseguição sistemática do protesto social, encoberta com o manto da Guerra Fria e em seguida da Guerra contra as Drogas e da Guerra contra o Terrorismo.
Quando a contra insurgência se converte numa doutrina oficial das Forças Armadas e do Estado colombiano, se erige num dos suportes do Terrorismo de Estado, que se remete ao Massacre das Bananeiras, de 1928, como seu antecedente mais tristemente célebre. O saldo de dor desse terrorismo estatal, durante os últimos 65 anos, é similar ao gerado pelas ditaduras do Cone sul ou da América Central e do Caribe em diversos momentos do século XX.
São múltiplos os impactos da intervenção dos Estados Unidos no conflito colombiano e os efeitos da contra insurgência e do terrorismo de Estado, entre os quais se ressaltam o paramilitarismo, os assassinatos de Estado [mal chamados “falsos positivos”], a criação de redes oficiais de espionagem e perseguição de adversários políticos [como o Departamento Administrativo de Segurança, DAS], as fumigações aéreas, os bombardeios, as violações e tráfico sexual que mercenários e militares dos Estados Unidos realizam.
Da análise efetuada, se desprende que os Estados Unidos tem desempenhado um papel protagônico na persistência do conflito armado em Colômbia por sua influência direta nos assuntos de nosso país [com ênfase no terreno militar e na abertura de mercados] desde fins da década de 1930, durante a administração presidencial de Eduardo Santos.
A ingerência dos Estados Unidos assume a forma de “intervenção por convite”, em concordância com o caráter subordinado das classes dominantes e do Estado colombiano. E, ainda que a contra insurgência e o Terrorismo de Estado sejam anteriores à presença dos Estados Unidos na vida política colombiana, adquirem um novo sentido, sistemático e permanente, após a vinculação do país à órbita anticomunista de Washington depois da Guerra da Coreia [1950-1953], que se mantém até o dia de hoje.
Conclusões
A seguir, apresentamos algumas conclusões deste informe:
  1. Durante grande parte do século XX, entre as classes dominantes e os Estados de Colômbia e Estados Unidos, se gerou uma aliança estratégica que beneficia mutuamente as duas partes, porém que prejudica as maiorias sociais de nosso país. Os primeiros lucram pelos empréstimos e as ajudas militares, pelo que estabeleceram uma subordinação e dependência incondicional. Os segundos porque controlam diversos aspectos da sociedade e política colombianas, assim como as mais importantes ramificações da atividade econômica, pelo predomínio de suas empresas e investimentos em ramos estratégicos.
  2. Em Colômbia existe uma contra insurgência nativa –que se nutre do anticomunismo- que é anterior ao surgimento da doutrina da contra insurgência, porém que se renova e se mescla com esta última devido aos interesses geopolíticos dos Estados Unidos durante a Guerra Fria.
  3. A ingerência dos Estados Unidos no conflito social e armado de nosso país tem sido constante e direta desde fins da década de 1940, o qual se expressa tanto na ajuda militar ao Estado como no fomento das políticas de contra insurgência.
  4. Os sucessivos governos dos Estados Unidos das últimas sete décadas são responsáveis diretos pela perpetuação do conflito armado em Colômbia, na medida em que têm promovido a contra insurgência em todas as suas manifestações, estimulado e treinado as Forças Armadas com seus métodos de tortura e eliminação dos que são considerados como «inimigos internos» e bloqueando as vias não militares de solução das causas estruturais do conflito social e armado.
  5. A missão do general Yarborough de 1962 é diretamente responsável pela consolidação do paramilitarismo em Colômbia, posto que recomendou que fossem organizados grupos de civis e militares, promovidos pelo Estado, com a finalidade explícita de perseguir e matar aqueles considerados como comunistas.
  6. Os Estados Unidos contribuíram para a militarização da sociedade colombiana por seu financiamento e apoio ao Estado colombiano e a suas Forças Armadas em nome de diversas cruzadas, contra o comunismo, o narcotráfico e o terrorismo.
  7. Os Estados Unidos são corresponsáveis diretos em milhares de assassinatos que as Forças Armadas e os paramilitares cometeram, por seu patrocínio a brigadas militares comprometidas nesse tipo de crimes e por seu respaldo a grupos privados de assassinos.
  8. O controle direto do DAS por parte dos Estados Unidos –desde o momento de sua fundação, em 1960, até sua recente dissolução- os faz responsáveis dos numerosos crimes e delitos que contra a população se cometeram oriundos desse organismo de segurança, entre os quais se incluem assassinatos de sindicalistas e dirigentes sociais e o seguimento e assédio a setores da oposição política.
  9. Ao promover a chamada «guerra contra as drogas», os Estados Unidos estão envolvidos em forma direta na destruição de economias campesinas e indígenas em diversos lugares da Colômbia, que são vítimas de fumigações, de bombardeios e da perseguição oficial e paraoficial.
  10. A privatização da guerra que o Plano Colômbia e a nova contra insurgência impulsionam promove a utilização de mercenários no conflito interno de nosso país, que cometem numerosos delitos [violações, assassinatos, torturas, desaparecimentos], que gozam de plena impunidade, em virtude dos acordos entre Colômbia e Estados Unidos. Com isto se reforça a «cultura da impunidade» que caracteriza as Forças Armadas da Colômbia.
  11. O terrorismo de Estado que se perpetua em Colômbia desde fins da década de 1940 se alimenta tanto da sustentação militar e financeira dos Estados Unidos como dos interesses das classes dominantes nativas, para preservar seu poder e sua riqueza e negar-se a realizar elementares reformas econômicas e sociais de tipo redistributivo.
  12. Algumas empresas de capital estadunidense –como a Chiquita Brands-, que têm financiado e patrocinado grupos paramilitares, são responsáveis diretas de centenas de crimes cometidos em diversos lugares da Colômbia, porém nunca foram processadas em nosso país, onde gozam de plena impunidade.


Recomendações
Deste informe se desprendem duas classes de recomendações: umas sobre os arquivos, difusão e acesso à informação e outras de tipo geral, apresentadas em forma sintetizada:
Arquivos, acesso e difusão da informação:
  1. Para o conhecimento, reconstrução e busca da verdade sobre a responsabilidade dos Estados Unidos no conflito colombiano, assim como de suas múltiplas derivações e nexos com o Estado colombiano, suas Forças Armadas, organismos de segurança e empresários privados, é indispensável que se desclassifiquem os documentos atinentes à Colômbia que repousam nos arquivos estadunidenses.
  2. Essa documentação deveria ser considerada como patrimônio documental do país e deveria ser trazida a nosso território, ser depositada no Arquivo Geral da Nação e ser traduzida e difundida publicamente.
  3. Os arquivos do DAS, das Forças Armadas, do Ministério de Defesa e das entidades de segurança do Estado devem ser preservados por entidades independentes e sem vínculos com as Forças Armadas e revelada tanto a informação relacionada com as atuações dos Estados Unidos como com a repressão interna.
  4. O Estado colombiano dever abrir portais virtuais de fácil acesso no qual se armazene e se possa consultar a informação documental sobre o papel dos Estados Unidos no conflito colombiano.


De tipo geral:
  1. Para construir uma sociedade em paz e democrática é indispensável reformular as relações entre Colômbia e Estados Unidos, de tal maneira que se recupere a soberania nacional com o objetivo de manejar em forma autônoma nossos assuntos e que as políticas internas não se guiem nem pelos interesses de Washington nem de nenhum poder forâneo, senão que respondam aos interesses da população colombiana.
  2. O Estado colombiano deve revelar à sociedade todos os pactos e acordos militares secretos que existem com os Estados Unidos e com qualquer outro Estado [como Israel] e deve comprometer-se a que nunca voltarão a se estabelecer acordos dessa natureza.
  3. Em prol de contribuir com a justiça para as vítimas, o governo dos Estados Unidos deve facilitar que os cidadãos desse país envolvidos em graves crimes contra o povo colombiano, em particular assassinatos, desaparecimentos e casos de violação sexual respondam ante tribunais independentes e se ponha fim à impunidade que os protege. Além disso, que se eliminem os privilégios e proteção de que gozam os militares dos Estados Unidos e os mercenários a seu serviço.
  4. É indispensável que cesse a participação dos Estados Unidos no manejo das agências de segurança, como sucedeu com o DAS.
  5. Devem ser investigados os casos de violência sexual exercida por militares e mercenários dos Estados Unidos em todo o território colombiano e castigar aos culpáveis.
  6. As Forças Armadas em Colômbia devem abandonar suas concepções de contra insurgência, de anticomunismo e de inimigo interno, voltar aos seus quartéis, reduzir seu tamanho e orçamento e dedicar-se a resguardar as fronteiras nacionais. Isto implica uma desmilitarização da sociedade colombiana, que possibilite que novas forças sociais e políticas se organizem e se expressem livremente sem o temor de ser vítimas da perseguição e estigmatização provenientes de doutrinas contra insurgentes e/ou da segurança nacional.
  7. Deve-se abandonar o tratamento militar e repressivo que se impôs em Colômbia nas últimas seis décadas e formular novas formas de abordar complexos problemas de nossa sociedade, como o atinente aos cultivos de uso ilícito.
  8. Dado o caráter unilateral e arbitrário como opera a extradição [que se saiba, nenhum cidadão dos Estados Unidos foi extraditado para a Colômbia], resulta indispensável pôr fim à extradição de colombianos para os Estados Unidos ou qualquer outro país.
  9. O governo dos Estados Unidos deve aceitar sua responsabilidade, de maneira inequívoca, ante as vítimas por sua participação direta e indireta em nosso conflito, da mesma maneira que a guerrilha das FARC-EP aceitaram sua parte de responsabilidade e como também deve fazê-lo o Estado. As vítimas do paramilitarismo, dos bombardeios, fumigações, assassinatos [como os mal chamados «falsos positivos»], assim como das políticas militares, sociais, econômicas e comerciais impostas por Washington que têm tido um impacto nocivo sobre milhões de colombianos, necessitam saber a verdade sobre a participação dos Estados Unidos em seu sofrimento. Se precisa de uma desculpa pública incondicional e inequívoca por parte do governo dos Estados Unidos, assim como reparação às vítimas e uma garantia de não repetição desta ingerência perniciosa no futuro.
  10. Devem ser desmontados os mal chamados programas de «assistência militar», mediante os quais se produz uma ingerência política ilegítima em nossos assuntos domésticos, assim como se promoveu a ideia nas Forças Armadas de que os colombianos, ou alguns deles, são um «inimigo interno» ao qual se combate e aniquila. Este é um aspecto central da democratização da sociedade e da depuração das Forças Armadas.
  11. Deve haver uma audiência e investigação em profundidade das atividades da agência de cooperação estadunidense USAID, a qual, operando desde uma matriz primordialmente contra insurgente e beligerante, esteve implicada desde um primeiro momento na assistência a atividades e instituições que têm promovido massivamente a violação de direitos humanos, tais como o DAS e as ações cívico-militares. Se trata de desmilitarizar a cooperação de tal maneira que não represente uma transgressão a nossa soberania.
  12. Tendo em conta a cumplicidade direta dos grandes meios de comunicação da Colômbia na legitimação da intervenção dos Estados Unidos –e de seus crimes-, junto com o Terrorismo de Estado e da contra insurgência, devem ser responsabilizados como vitimários por serem geradores da «cultura da impunidade», da mentira e da desinformação.


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Equipe ANNCOL - Brasil