"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Intercâmbio Humanitário e Mediação Pedagógica

Temos insistido através dos anos na imperiosa necessidade de uma Mediação Pedagógica para a Paz na Colômbia.


Ela se mostra imperiosa nesses momentos em que os canais entre as partes enfrentadas estão aparentemente fechados, mas bem selados dizem alguns.

Uma Mediação Pedagógica que tem como meta desaprender o aprendido durante anos e anos de confrontação. Essa idéia de que em um ‘encontro’ com o outro devemos chegar abertos, dispostos a escutar e com a alma cheia de bons presságios. Porque chegar com as mesmas teses, com os mesmos ‘intocáveis’, com os mesmos prejuízos é uma grande perda para os colombianos.

Temos dito que nessa tarefa de “Mediação Pedagógica, é imprescindível ficarmos a par dos planejamentos da Biopedagogia do professor Francisco Gutierrez, da teoria do caos de Prigogine, do pensamento complexo de Edgar Morin, da biologia do amor e a teoria da auto-poesia de Maturana e Varela, das teorias educativas de Gallegos Nava, assim como resgatar os saberes ancestrais de nossos indígenas e do pensamento de vanguarda na Colômbia e América Latina, para irmos formando um conjunto que nos compense dos mais de 500 anos de cegueira acerca de nós mesmos e aprendermos mutuamente, para desenvolver corretamente essa Mediação Pedagógica para a Paz dos colombianos que realmente desejam a paz para viver a vida em paz”. [1]

Por isso é justo analisar a posição das partes para ver claramente em que momento nos encontramos.


O Governo


Na reflexão anterior [2], definimos que a posição governamental era uma típica visão cartesiana-newtoniana, simples e simplista, e concluímos que era a visão mais apegada à si mesma.

Ela é claramente visível. O uso dos ‘intocáveis’ são a sua essência. Todas as razões argumentadas são ‘razões de estado’ e em nome delas vale tudo. A desqualificação do contrário também faz parte dela , assim como o ato de mentir para os mediadores – ou usá-los-, enviando-os à tarefas que o governo já sabia de antemão que não iriam dar frutos porque o governo assim o havia decidido.

O envio dos mediadores para fazerem o papel de ridículos teve um custo e esse custo tem se manifestado plenamente. Os mediadores ficaram limitados apenas como seres humanitários, bondosos, enquanto o governo colombiano é exatamente o contrário, tanto para a opinião pública nacional como para a internacional. Uma medida do anterior é o concerto ‘Acende uma luz pelo Intercâmbio e a Paz na Colômbia’ realizado na Venezuela, com a assistência de milhares e milhares de pessoas e a ‘manifestação pelo Intercâmbio’ em Bogotá, a qual contou apenas com a assistência de 1.500 pessoas, porque os colombianos identificaram este chamamento com o governo.

Assim, cumpriu-se o previsto. Diante da mediocridade governamental, a leviandade de não propiciar o Intercâmbio, os países interessados –Venezuela, França, Equador, Bolívia, Brasil, Argentina, Nicarágua e os europeus Suíça e Espanha- praticamente formaram um Bloco Pró-Intercâmbio e pouco a pouco vão se impondo sobre o governo nacional.

O governo colombiano se esqueceu que não há ‘razão de estado’ mais poderosa que o amor com que se deve defender uma vida. Uma vida, mesmo que seja uma só, significa todo um mundo, e ela mostra o humanismo, ou a falta dele, em um governo. Isso o governo terá que aprender-quem sabe com Sarkozy- que uma vida vale qualquer esforço e vale a pena ir a qualquer lugar para defendê-la e deve ser um governo altamente democrata, verdadeiramente humanista, o primeiro a fazê-lo. O desprezo total pela vida, pela sorte dos prisioneiros, entre os quais se encontram funcionários estatais e membros da classe política colombiana, é o que evidencia o governo colombiano, e nesses momentos terá que aprender o quanto vale realmente UMA VIDA.

A inflexibilidade mostrada pelo governo se converte aqui em uma dificuldade e quase impossível efetuar com ele uma Mediação Pedagógica. Mas devemos continuar tentando.


As FARC


As FARC têm demonstrado que se adequam muito bem à um mundo de incerteza. Na realidade elas vivem em uma incerteza total. Hoje aqui, amanhã ali; amanhecer em um lugar e anoitecer em outro, variabilidade que nos dá uma idéia do caos que é sua vida. Mas dizer caos não é dizer desordem, desse caos surge uma ordem que norteia todas as suas ações.

Uma investigadora da Soborna de Paris demonstrou que as FARC mudaram –complementando- sua linguagem com cada Processo de Paz que teve, o que nos demonstraria sua maleabilidade, sua capacidade de adaptação. Seu conhecimento se enriqueceu nos Processos de Paz e prova disso foi o imenso laboratório de Paz em que converteram o Caguán. Ali vimos guerrilheiros que iam se aprimorando à medida em que faziam suas tarefas e suas Audiências Públicas, uma vez que iam ensinando aos líderes cívicos, negros, indígenas, grêmios, etc, quais eram suas propostas e visões. E sua sobrevivência a tantos planos militares, os Planos Colômbia, Patriota e Consilidação, são os últimos, só demonstrariam um enorme conhecimento do ‘inimigo’. Quem sabe por isso o respeito com que se referem à ele. Apesar dessa capacidade de adaptação, o que observamos é que seus princípios continuam intocados, ligados às suas doutrinas, o marxismo-leninismo e o bolivarianismo.

Essa flexibilidade fazem deles uns candidatos excelentes para guiar essa Mediação Pedagógica para a Paz, no entanto com o governo é extremamente difícil, enquanto todos esperávamos que fosse o contrário. Não se entendo como o governo se mostra intransigente, enquanto as FARC seria a que aportava aqui a novidade. Por isso os vemos tranqüilos nesse assunto. A televisão mostrou líderes guerrilheiros com muito caráter, íntegros, renovados e com alegria de viver a vida. Algo realmente chamativo para a opinião.

Quem sabe o aspecto negativo seja o dos tempos. As FARC viveram outros tempos e não os tempos do mundo atual. Eles provém da sua extração campesina que está muito ligada aos tempos da Mãe-Terra, a qual estão muito ligadas às FARC, ainda que nos últimos anos tenha se nutrido de muitos jovens da cidade. Mas a Terra é tudo para as FARC, é seu teto, sua camuflagem, sua provisão de refúgio e alimentos. E a Mãe-Terra tem seus tempos, os quais as FARC seguem muito bem.

Por culpa do tempo vimos funcionários do governo alterados, impacientes, pelos tempos das FARC. Mas eles sempre me fazem recordar o provérbio de alguns povos africanos: “O homem branco tem relógios para medir o tempo, mas nunca tem tempo para si mesmo”.

Por tudo isso, a Mediação Pedagógica seria facilmente aceita pelas FARC e utilizada como um recurso em sua atividade.


Clara, o guerrilheiro e Emmanuel.


Clara e a concepção de Emmanuel nos deixa um ensinamento de que é possível na Colômbia a reconciliação. Ela, da chamada classe política, acostumada à todas as comodidades, vive a dureza de seu cativeiro e em determinado momento apesar da vida difícil na montanha, na selva, seu coração lhe dá uma força vital para amar um guerrilheiro e conceber um filho entre os dois.

Haverá prova mais sublime de reconciliação entre os colombianos que conceber um filho do ‘inimigo’? Que sentimento predominou ali: o amor, a biologia? Eu acredito que acima de tudo está o amor e os pseudo-sociólogos apelaram para explicações como a “Síndrome de Estocolmo” e a da “violação consentida”. Os que dão essas explicações vivem apegados à uma quantidade de marcos, conceitos teóricos, ‘buracos negros’, que impedem de ver algo bem diante de seus narizes. Eles nunca sentiram o amor, o verdadeiro amor, a manifestação sublime da vida, e quem sabe o que sentem está mascarado pelo véu da mediocridade.

Por sua parte o guerrilheiro sente esse amor que o leva a desafiar tudo, até os regulamentos de sua organização e está disposto a pagar o preço. E cede à sanção correspondente por haver violado as disposições e as orientações, aplicadas por um superior hierárquico não sem a compreensão de que “quando o assunto é amor a razão não tem vez”. Além do mais, a falta do filho quando não esteja, quando este se for com sua mãe, será uma dor e um bálsamo ao tempo. Dor por sua ausência, bálsamo por tê-lo.

Emmanuel por sua vez, dadas as condições, desfrutada do calor materno de algumas horas ao dia e o resto ficava com as “mães substitutas”, as guerrilheiras, que cumpriam cabalmente a tarefa encomendada. E uma criança na guerrilha é assunto raro, estranho, estranhíssimo. Além do mais o sentimento materno está presente em todas as guerrilheiras. Por isso, acredito eu, braços e amor maternal é o que tem sobrado à Emmanuel em seus quatro anos de existência.

Iniciou-se uma história de amor e reconciliação que apenas começou e não sabemos qual será seu final. Apenas desejamos em nosso coração que tenha um final feliz para todos.


[1] La salud desde la dimensión autopoiética. H. Vanegas. 2006

[2] El imperativo de una mediación pedagógica para la paz en Colombia, H. Vanegas. 2006. Ver en http://deorumars.blogspot.com/2006_08_01_archive.html

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