"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 13 de novembro de 2012

Entrevista com os comandantes Iván Márquez, Ricardo Téllez, Jesús Santrich, Marcos Calarcá e Andrés París


Os delegados plenipotenciários das FARC, desde Havana, assinalam que
os planos para aniquilá-los fracassaram.

Em 18 de outubro de 2012 iniciou, em Oslo, Noruega, um dos processos
mais importantes para buscar a paz na Colômbia. O governo de Juan
Manuel Santos e as FARC, depois de longas e secretas conversações,
decidiram sentar-se para dialogar sobre os problemas mais urgentes de
seu país. Nesse dia, o mundo pôde ver, em direto, como cada delegação
respondia ao desafio da história desde suas demandas políticas. Os
diálogos continuarão em 15 de novembro em Havana, Cuba.

O jornal El Telégrafo quer propiciar a análise que tal processo tem
gerado e contribuir para a discussão pública da tese de ambos atores.
Nesse contexto, contatamos aos Delegados Plenipotenciários de Paz das
FARC-EP em Havana, via eletrônica. Aqui se revelam alguns aspectos que
aprofundam a posição das FARC a respeito do momento histórico no qual
se dão estes novos diálogos. As respostas foram escritas por Iván
Márquez, Ricardo Téllez, Jesús Santrich, Marcos Calarcá e Andrés
París.

- Quais foram os principais argumentos para começar um novo processo
de diálogo pela paz na Colômbia?

Desde sempre, temos buscado uma saída dialogada ao conflito social e
armado que vive Colômbia. As bandeiras da paz pertencem ao povo e
somos parte substancial do mesmo. Após mais de 50 anos de contínuos
fracassos do Estado e dos sucessivos governos na luta contra
insurgente, agora dão mostras de realismo político e militar. Nos
buscam para dialogar e encontram a um interlocutor disposto a fazê-lo,
tendo em conta que, se há vontade política da contraparte, se poderá
avançar para uma paz com justiça social.

- Em que momento e quais são os elementos que incidiram para que Juan
Manuel Santos decida tratá-los como força beligerante e não como
terroristas?

Nos trata como insurgência obrigado pela realidade. O cumprimento do
compromisso de aniquilar-nos militarmente adquirido pelo governo
anterior ante a Casa Branca fracassou, como fracassaram igualmente os
programas impostos: o Plano Colômbia e suas variantes, o Plano
Patriota e Plano Consolidação, entre outros, obrigando a oligarquia,
em cabeça de Juan Manuel Santos, a reconhecer a existência do conflito
social e armado que enfrenta o país.

Essa realidade obrigou ao reconhecimento de fato de nosso caráter de
força beligerante, ainda que eles não o queiram reconhecer através do
direito, pese a que tenhamos todos os requisitos: somos uma
organização político-militar com mando centralizado; nos guiamos por
nossas próprias normas organizativas e disciplinares; estamos
desenvolvidos em todo o território nacional; nossos combatentes vestem
uniforme e portam visivelmente suas armas e na mente levam o programa
revolucionário da Nova Colômbia, a Pátria Grande e o Socialismo.

Na imputação de terroristas não a creem nem os próprios que nos a têm
atribuído. Você pode ver aos senhores do governo reunidos conosco, a
representantes de prestigiosos governos contribuindo com o processo
que se inicia e pode ler a avalanche de pronunciamentos feitos
diariamente. Em nenhuma parte aparece o termo ao qual você se refere.

- Muitos analistas, de tendência liberal, dizem que vocês se sentam a
dialogar porque estão numa situação de “derrota estratégica”. Com
vencidos ou derrotados não se dialoga. Se impõe a vontade do vencedor.
Essa é a essência da guerra. É legítimo sentar-se a negociar com um
Estado que, muitas vezes, tem atuado de acordo com os lineamentos dos
EEUU de considerar a América Latina como um pátio traseiro de
experimentos bélicos para apropriar-se de recursos naturais?

As FARC-EP não estão negociando nada, porque nada tem que negociar.
Dialogamos com o governo na busca de uma saída política ao conflito
social e armado.

A permanente ingerência dos EEUU e outras potências na Colômbia é uma
das causas fundamentais da guerra que sofre nosso povo. Sem essa
abundante ajuda econômica e militar [Colômbia é o terceiro país
receptor de ajuda militar gringa], sem o recebimento de assessores, de
equipamento e treinamento de tropas, de suportes na área da
inteligência militar, o exército oficial haveria colapsado há tempos.

O Estado colombiano, cumprindo ordens de Washington, declara a guerra
e a desenvolve. São eles, os EEUU, quem têm que pará-la. É  com eles
que devemos entender-nos. Os vietnamitas, enquanto enfrentavam a
guerra de agressão da França e, logo após, dos EEUU, dialogaram com
seus agressores sem abandonar os princípios. É um ensinamento que há
que levar em conta.

- Sabem vocês qual é a postura oficial – porém não política – do
governo de Barak Obama sobre estas novas negociações de paz? Trataram
deste assunto com o governo colombiano antes das conversações?

Porta-vozes do Departamento de Estado dos EEUU felicitaram
publicamente ao senhor Santos por iniciar as conversações. Antes da
viagem da delegação das FARC-EP a Oslo, Noruega, houve uma incomum
declaração do mesmo Departamento e, com posteridade a Oslo, um
terceiro pronunciamento bastante prudente.

Teria sido bom que no último comparecimento dos candidatos na TV,
Obama se houvesse ocupado de América Latina e fixado a posição de seu
governo frente ao conflito colombiano. Não obstante, numa
desacostumada entrevista, Obama falou de seus desejos de paz para
Colômbia e formulou seu propósito, como é lógico, sem consultar os
interesses da maioria, expondo que para ele o conflito se resolve
simplesmente com [o fato de] que as FARC-EP deixem as armas. Uma
visão, infelizmente, irreal e unilateral.

- Em que medida a presença de delegados ex-militares na mesa de
negociação muda positivamente as condições para chegar a um acordo de
paz? Conhecem melhor os militares as sinuosidades não políticas da
luta armada?

Em processos de diálogos anteriores, também participaram alguns
generais aposentados, como é o caso do general Forero Delgadillo, ou
do general Joaquín Matallana, quem, sendo coronel, encabeçou o ataque
contra a região de Marquetalia. Hoje, marcam presença na mesa dois dos
homens que apostaram pela derrota militar de nossa organização
guerrilheira. É desejável que generais em serviço ativo também se
vinculem, muitos deles foram assaltados em sua boa-fé para adiantar
uma guerra contra seu próprio povo.

Por outra parte, a Promotoria diz que há mais de 15.000 militares
investigados por diversos delitos: os homicídios fora de combate
[faltos positivos], os vínculos com o paramilitarismo, as
desaparições, torturas, abusos de poder são lastros que envergonham a
militares honestos. O fantasma do que ocorreu aos generais em
Argentina, Uruguai, Guatemala e El Salvador ronda hoje nos salões
dourados dos clubes de oficiais das FFMM e de Polícia. Esperamos que
os militares, por fim, contribuam para a paz do país.

- Antes de continuar com os pontos a tratar-se na agenda dos diálogos,
quiséramos saber duas coisas: 1 – Há  consenso no interior das FARC de
que é a hora de negociar a paz e abandonar as armas?

A bandeira da paz é nossa. Desde nossas origens temos exposto soluções
diferentes da guerra. É parte de nossa linha política. Por isso,
existe unanimidade em adiantar os diálogos com o governo, disso não
resta a menor dúvida.

Este é um processo que apenas começa. Cada ponto da agenda contempla
uns sub-pontos que haverá que desenvolver com criatividade para ir
encontrando fórmulas de acordos que devem começar a plasmar-se na vida
prática da sociedade colombiana. Se na ratificação e implementação dos
acordos se vão obtendo resultados concretos, se transitará para um
país que ataca as causas que deram origem ao conflito; certamente,
isto fará desnecessário o uso dar armas que legitimamente temos
empunhado até o momento.

A guerra nunca foi um fim para os guerrilheiros e as guerrilheiras das
FARC-EP, portanto, se deixam de existir as causas que fizeram tronar
as armas, estas se silenciarão e não terão nenhuma utilidade.

E dois: Ainda consideram a luta armada como uma alternativa militar e
política enquanto na maioria dos países, sobretudo no Sul da América,
há processos políticos que os mais otimistas têm qualificado de
progressistas? Como veem vocês esses processos?

Os Povos de Nossa América e do mundo têm direito a lutar por seus
interesses e contra aqueles que usurpam seus direitos e riquezas. A
forma de luta é decisão de cada povo consultando as realidades que
vive. As FARC-EP não são apregoadoras da luta armada especificamente,
esta não surge por decreto de ninguém. Obedece a fatores muito
específicos de cada sociedade. Como revolucionários, nos solidarizamos
com todas as lutas dos pobres da Terra.

Em Colômbia não se permite fazer política de outra maneira. O caráter
violento, assassino e sanguinário das apátridas elites nacionais,
submetidas às políticas do Pentágono [um Estado violento que utiliza o
terrorismo como método preferido de dominação], assim o confirmam.

Uma longa lista de outros fatores faz com que nosso país seja terra
fértil para a expressão armada da luta, sem ir mais longe, a
desigualdade social. Nosso país ocupa o vergonhoso quarto lugar sobre
a lista a nível mundial... e que dizer da corrupção? Nossos
governantes, metidos até os tutanos em negócios sujos, não respeitam
nenhuma norma moral, muito menos uma carta ética. E como corolário, o
fato real de que em nosso país aquele que discorde do sistema e suas
políticas se converte automaticamente em objetivo militar.

Em outros países da Pátria Grande se dão processos nos quais há
governos que consultam e representam os interesses populares, toda
nossa admiração e solidariedade para com eles. Entre outras coisas,
essa realidade influi positivamente nesta nova tentativa de saída
dialogada ao conflito.

- Um dos pontos básicos da agenda de diálogos é  o tema agrário. Se
consideramos que nenhum país latino-americano fez uma reforma agrária,
que lhes leva a pensar e conceber que o Programa Agrário das FARC pode
encontrar eco no governo de Santos, que propôs uma lei de
desenvolvimento rural? Quais seriam os pontos que fariam avançar um
acordo básico neste tema?

Não é só o Programa Agrário dos Guerrilheiros, aprovado em 1964 e que
segue absolutamente vigente, senão que, ademais, nos adequamos às
novas realidades, acercando-nos a construir soluções que garantam os
direitos dos campesinos, indígenas e afrodescendentes, gerando
condições de vida digna produto do trabalho.

Consultando os conceitos de terra, território e espacialidade,
desenvolvimento amigável com a terra se ressalta, aliás, que o
capitalismo ameaça a própria existência do planeta; o que
reivindicamos é uma exploração racional dos recursos, de acordo com
uma existência digna do ser humano. Por outra parte, o discurso
pronunciado em Oslo pelo Comandante Iván Márquez em nome das FARC-EP e
firmado pelo Secretariado Nacional da organização denuncia a trapaça
da chamada lei de restituição de terra, por meio da qual se pretende
legitimar o despojo de milhares de hectares. O ardil: a “venda” ou
“arrendamento” da terra aos campesinos, comunidades indígenas e
afrodescendentes de maneira legal. Uma vez legalizadas as transações,
os terrenos são despojados ou “confiscados” por necessidade do Estado.

- Frente às dificuldades jurídicas que podem derivar-se se vocês se
desmobilizam, como produto destas conversações, que saídas concretas
propõem para mudar a percepção de uma opinião pública formada na
desconfiança e na ideia de que muitas de suas ações foram criminosas e
que devem pagar por elas antes de pensar numa aberta participação
política?

Já temos claro que não haverá desmobilização. Chegaremos a acordos
sobre a deposição das armas, no sentido em que estas percam sua razão
de ser ao resolver as causas da guerra. Não é possível olhar a
institucionalidade de uma maneira estática. Se estamos levantados
contra ela atualmente não é com essa mesma institucionalidade que se
construirão os caminhos da paz. Devem ser feitas mudanças e é a mesa
de conversações a encarregada de propô-las, e de construir os acordos
necessários para atender as situações derivadas dos mesmos.

- De chegar a um acordo, têm vocês um plano ou processo de
desmobilização que assegure aos guerrilheiros não só uma situação
jurídica segura, como também uma reintegração social paulatina? E uma
reintegração econômica?

Desgraçadamente, a desinformação é a quarta arma na guerra. Os meios
de comunicação impressionam. Pensamos que o positivo é ver o processo
que estamos iniciando com objetividade para ambas partes e não gerar
expectativas irreais com exigências que não correspondem à
insurgência. Pergunta-nos sobre a reintegração nossa à sociedade, à
economia e nossa resposta não pode ser que outra pergunta: E em
virtude de que armadilha estamos nós por fora da sociedade?

O processo de construção da paz com justiça social resolverá  os
problemas da população colombiana em geral. Os guerrilheiros e as
guerrilheiras nos incluímos aí. Em outras palavras, resolvidos os
problemas do povo, do qual somos parte essencial, estarão resolvidos
também os problemas da guerrilheirada.

-Desde diversas esferas sempre se relacionou as FARC com o
narcotráfico; porém, é o Estado o principal responsável de não
controlar a produção e o tráfico de alcaloides. Qual é  a posição de
vocês a respeito de um tema que não só concerne a toda a sociedade
colombiana, como também às redes internacionais que lucram com este
negócio?

Estamos de acordo com vocês sobre a responsabilidade do Estado nesse
fenômeno. Sem desconhecer a gravidade do problema para os pobres do
mundo, é necessário precisar que o narcotráfico é um pretexto usado
pelos gringos para agredir aos povos. Citemos só três exemplos: a
invasão do Panamá; o Irãgate, para financiar atividades encobertas
[como chamam aos delitos dos organismos de inteligência]; o Plano
Colômbia, como forma de justificar seu descarado intervencionismo em
território colombiano e latino-americano.

Afirmamos com veemência que não somos narcotraficantes e não o fomos
jamais. Não temos cultivos, não os cuidamos, não temos laboratórios e
tampouco comercializamos a cocaína. O que nós fazemos é cobrar
impostos às atividades econômicas que se realizam nos territórios onde
exercemos influência, incluindo o mercado da folha de coca. Isso é o
que chamam participação no narcotráfico. Mostra evidente são nossas
propostas de soluções possíveis a este nefasto problema. Em 1993
propusemos atacar o fenômeno do narcotráfico como um problema social e
de saúde e não com soluções repressivas e medidas de polícia. Depois,
em 2000, propusemos a legalização do consumo de psicotrópicos, nos
olharam com desdém e, no entanto, essa realidade se abre passagem
atualmente como forma de solução.

Igualmente, no mesmo ano, no marco dos diálogos desenvolvidos com o
governo de Andrés Pastrana, se realizou uma audiência pública
internacional sobre o tema. Ali, propusemos um plano elaborado pelo
comandante Manuel Marulanda, para erradicar os chamados cultivos
ilícitos. O plano foi visto com bons olhos e recebeu comentários
positivos, porém, na hora de colocá-lo em prática, nenhum país,
nenhuma organização, nenhuma personalidade disse nada e ali ficou, no
esquecimento. Outro elemento para suas conclusões: Por que as recentes
avalanches de declarações, denúncias e confissões feitas pelos
narcotraficantes sempre vinculam a políticos em exercício, militares
em ascensão, pecuaristas vinculados com paramilitares e empresários?

Quem são os que verdadeiramente lucram com este negócio?

-Quais são as mea-culpa das FARC após tantos anos de luta e dor para
os que estão dentro e fora da guerrilha na Colômbia?

Não é possível abordar a tarefa da construção da paz pensando
unicamente nas responsabilidades da guerrilha, desconhecendo a
realidade, esquecendo os que são os verdadeiros causadores da
violência e vendo como única saída a claudicação do povo que luta por
seus direitos.

Nunca nosso Exército realizou operativos contra objetivos civis, está
em nossos lineamentos éticos proteger a população, seus bens. E mais,
faz parte de nossa essência como Exército do Povo. Perguntemo-nos mais
bem, quem se esconde por trás da população civil?, quem têm os
quartéis e instalações no meio dos povoados, desconhecendo a
normatividade internacional?, quem se entrincheiram nas escolas?, quem
se fazem transportar por civis? E um longo et cetera de violações às
leis que regem a guerra.

Se, por situações da confrontação, fizemos algum dano à  população
civil, essa não foi nunca nossa intenção e estamos dispostos a aclarar
qualquer dúvida nesse sentido.

- Que posição têm acerca da frase do negociador De la Calle quando
disse que “... não seriem reféns da mesa de diálogo...”?

De la Calle mostra a posição e urgências do governo de Santos. Eles
estão pressionados pelas transnacionais para continuar o
imisericordioso saqueio de nossas riquezas. Acostumados a fazer o que
lhes vem na gana, de acordo com seus interesses e em meio de sua
prepotência, não entendem como o povo em armas exige participação nas
decisões do país, para as maiorias.

Não queremos considerar as palavras de Santos como uma ameaça ao
processo. O compromisso firmado é trabalhar nos acordos de maneira
eficaz. Aprendemos de nosso Comandante-chefe, Manuel Marulanda Vélez,
que o trabalho para conquistar a paz de nosso povo deve ser feito
“lento, porém seguro”.