Farc: “Militares e contratos de guerra impedem cessar-fogo”
“Esta não é mais uma tentativa [para a paz]. Para as Farc é uma
constante manter as portas abertas para a busca de uma saída negociada
para o conflito social e armado”, diz Marco León Calarcá, em
entrevista exclusiva ao Portal Vermelho. Sobre o fato de não ter sido
decretado o cessar-fogo durante as conversas, em sua opinião isso se
deve ao fato de o governo manter acordos com militares e contratos de
guerra.
Por Vanessa Silva, da redação do Vermelho
No dia 15 de novembro será iniciada, em Cuba, a segunda fase da
negociação entre as partes envolvidas no processo de paz entre as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo –
FARC-EP e o governo colombiano. A iniciativa é a quarta neste sentido
desde que a guerrilha entrou em ação no país em 1964.
Segundo Calarcá, a sociedade deve participar dos processos de
negociação de paz. Para isso, serão oferecidas condições para que a
população possa enviar propostas e participar dos debates.
Apesar de não haver sido pactuado um cessar-fogo — desde agosto
morreram 50 guerrilheiros e na última semana a insurgência matou seis
policiais — as Farc têm dado mostras de que estão abertas à
negociação, como deixa claro Calarcá, integrante da equipe de
negociações das Farc com o governo da Colômbia, em entrevista
exclusiva para o Portal Vermelho, realizada por e-mail. O guerrilheiro
denuncia que o cessar-fogo não é implementado por interesses escusos:
“o governo insiste em adiantar as conversas sem o cessar-fogo. Os
compromissos com o militarismo e os contratos de guerra se impõem”.
O processo de paz é apoiado por 80% dos colombianos e recebe críticas
do ex-presidente Álvaro Uribe. O líder da direita continental não
admite o que considera ser um “retrocesso” em sua política de
extermínio dos combatentes.
“O que buscamos com a mesa de negociação é chegar a acordos para
resolver o conflito colombiano. Isto significa erradicar as causas de
caráter econômico, político, social e cultural que nos mantêm em
guerra”, sinaliza Calarcá. Confira a íntegra da entrevista:
- Portal Vermelho: Importantes setores políticos sinalizam que é
necessária uma maior participação da sociedade no processo de paz da
Colômbia. Isso seria possível?
Marco León Calarcá: Sem dúvida. A paz é para todas e todos. Na Mesa de
Diálogos são contemplados alguns mecanismos para que organizações da
cidade e do campo, em suas diferentes formas — fóruns, mutirões,
associações, comunidades de jovens, homens e mulheres de todas as
idades, indígenas, afrodescendentes e todos e todas em geral, durante
o processo de discussão — façam chegar propostas e inclusive possam
enviar delegados presenciais para fazer sua própria defesa.
Haverá elementos necessários tais como página na internet, correios
eletrônicos, telefones e endereços de e-mail para facilitar a
comunicação da Mesa com a sociedade. Além disso, serão feitos os
“rincões da paz” (escritórios para a paz) em todos os municípios e
capitais como mecanismo facilitador e incentivador para que as pessoas
comuns possam se comunicar com facilidade com a Mesa e obtenham as
informações suficientes sobre o processo.
Também funcionarão a assessoria de imprensa, que em comum acordo
divulgará o resultado ou as conclusões do trabalho realizado, e o
escritório de comunicação com a sociedade.
- Foram acordados seis pontos para a finalização de todas as
negociações. Como serão implementados?
Realmente são seis pontos com subtemas e aspectos diversos. O que
buscamos com a Mesa de Diálogos é chegar a acordos para resolver o
conflito colombiano. Isto significa erradicar as causas que nos mantêm
em guerra de caráter econômico, político, social e cultural, além da
prática violenta e sanguinária do establishment colombiano. Nesse
sentido não utilizamos o termo “negociação”.
- É possível que não sejam discutidas questões políticas e econômicas
da Colômbia, como quer o governo?
Isso deve ser tratado, como foi anunciado claramente em Oslo pelo
Comandante Iván Márquez em nome do Estado Maior das Farc-EP. São temas
da organização guerrilheira que encarnam um sentido da vida política
das maiorias na Colômbia e que são consubstanciais. Primeiro, somos a
maioria em nossa pátria e não o capitalismo neoliberal estrangeiro
como assegurou [Humberto] De La Calle em nome do governo do presidente
Juan Manuel Santos em Oslo.
Abordar seriamente a discussão sobre o fim do conflito, com o firme
propósito e a vontade política de chegar a acordos que permitam a
solução incruenta tem como premissa resolver as causas do conflito e é
impossível se esquivar do econômico, político e social.
- Esta é a quarta tentativa de resolver o conflito. Por que devemos
acreditar que agora será diferente? Quais são as garantias de um lado
e de outro?
Não se trata de uma tentativa a mais. Para as Farc é uma constante
manter as portas abertas para a busca de uma saída dialogada ao
conflito social e armado. Sempre mantivemos viva a esperança de que o
povo pode impor seus anseios de mudança, de justiça social como base
da reconciliação nacional.
- É possível que as Farc sejam, no futuro, um partido político e
possam disputar as próximas eleições?
Somos uma organização político-militar que também possui uma estrutura
partidária. Somos militantes do Partido Comunista Clandestino
Colombiano. Obviamente não cabemos dentro do esquema partidário da
democracia liberal burguesa. E não necessariamente para nós exercer
política é participação eleitoral. Todos os dias e em toda a geografia
nacional, o movimento das Farc se expressa através da guerrilha, das
Milícias Bolivarianas, do Partido Comunista Clandestino Colombiano e
do Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia. A confrontação e a
repressão impõem a clandestinidade, mas nunca a imobilização. O
permanente contato com o povo do qual fazemos parte é nossa essência.
Sobre um partido político legal e eleições são possibilidades que
dependem do desenvolvimento do processo, teremos que ver.
- Com esse processo, existirão alternativas para os guerrilheiros?
Sempre consideramos que, por nossa luta ser pelos interesses da
maioria, em uma Mesa de Diálogos não deve figurar um capítulo à parte
sobre aspirações específicas da guerrilha. Consideramos que ao serem
resolvidos os problemas do povo, são resolvidos os problemas da
“guerrilhada”.
- Haverá anistia?
Nós temos propensão por um acordo de solução para os problemas
geradores do conflito. Não reconheceremos a institucionalidade
burguesa com a finalidade de esperar dela indultos e perdões. Dentro
do regime de terror estão os assassinos, que são os que devem pedir
perdão.
- E quanto aos paramilitares?
Os paramilitares são criação do regime que os mantém. Depois da farsa
dos acordos e a traição que significou para eles a extradição, muitos
grupos ativos no narcotráfico ficaram à espera das ordens de seus
chefes, militares civis e uniformizados. Para terem visibilidade agora
são chamados bandos criminosos, “bacrim”.
- Foi acordado que não haverá cessar-fogo durante os diálogos. Isso
pode fazer com que as Farc percam posições?
Não há um pacto sobre o cessa- fogo, é um ponto a ser tratado e o
faremos em seu momento, no entanto, nossa proposta é um cessar-fogo
bilateral agora, para economizarmos danos. Pensamos que se estamos com
vontade política de terminar o conflito, essa é uma coisa lógica. O
governo insiste em adiantar as conversas sem o cessa-fogo. Os
compromissos com o militarismo e os contratos de guerra se impõem. A
experiência demonstrou que não é o melhor.