Israel invade Gaza para alterar e dominar o cenário geoestratégico do Oriente Médio
Por Achille Lollo*
Desde o início da “Operação Margem de Proteção”
(Protective Edge), o presidente dos EUA, Barack Obama,
defendeu o ataque à Faixa de Gaza, declarando na TV: “... Israel
tem o legitimo direito de se defender dos ataques dos terroristas,
tentando, porém, não comprometer os civis...”. A seguir,
todos os chefes dos governos europeus, bem como os aliados asiáticos,
africanos e latino-americanos, justificaram o brutal ataque do
exército sionista que, nos primeiros 12 dias da invasão, mataram
339 pessoas, entre elas muitas crianças, além de ferir gravemente
2.562 palestinos, na maioria civis, enquanto os desabrigados são
cerca de 55.000.
O apoio incondicional em favor do governo sionista de
Israel e a condenação irrevogável contra o Hamas e o povo
palestino de Gaza se deram em função da campanha midiática que a
imprensa sionista e os partidos da direita israelense promoveram
contra o Hamas, a partir de 12 de junho, logo após o misterioso
assassinato dos três jovens israelenses, realizado nos arredores de
Hebron. De fato, ainda hoje há vagas suspeitas de que o assassinato
dos três jovens
teria sido realizado por uma fantasmagórica célula
jihadista, que nunca reivindicou a execução e que seria formada por
membros da tribo Qawasameh, tradicionalmente inimigos do Hamas – e
que, segundo alguns analistas, foi infiltrada por agentes duplos do
Mossad, o serviço secreto israelense, notoriamente especializado em
“Operações Especiais”.
Um contexto que logo foi reprisado pela mídia
ocidental, permitindo, assim, ao primeiro-ministro, Benjamin
Netanyahu responsabilizar publicamente a direção do Hamas pelo
tríplice assassinato e conclamar, diante dos microfones das TV, uma
vingativa invasão, sublinhando: “Daremos uma dura lição ao
Hamas, quebrando todos os túneis que na Faixa de Gaza servem de base
aos terroristas...”
Sucessivamente, os efeitos da manipulação midiática
permitiram ao exército sionista de realizar na Cisjordânia uma
gigantesca “operação preventiva” que, em menos de 48 horas,
prendeu cerca de 1.300 militantes do Hamas, entre os quais Aziz
Dweik, de 66 anos, porta-voz do Conselho Legislativo Palestino. Uma
operação que foi ovacionada pela opinião pública sionista
israelense, do momento que o exército voltou a prender os 570
ex-presos políticos palestinos residentes na Cisjordânia, que
haviam sido libertados em 18 de outubro de 2011, quando o Hamas
trocou o soldado israelense Gilad Shalit (capturado nos arredores de
Gaza, em 2006) pela libertação de 1.027 presos políticos
palestinos.
É preciso também dizer que, enquanto os 1.300
palestinos permanecem presos sem especificas acusações do Tribunal
de Hebron e, por isso, sujeitos a vexaminosos interrogatórios por
parte dos investigadores do Shin Bet (Segurança Interna),
notoriamente especializados na tortura física e psicológica, o
grupo de colonos sionistas, responsável pelo linchamento do jovem
palestino Mohamed Abu Jadair (que em dois de julho foi sequestrado e
depois queimado vivo na praça do bairro de Shoafat, em Jerusalém
Oriental) continuam em liberdade.
A invasão
É evidente que o tríplice assassinato em Hebron foi
o necessário estopim para o governo sionista poder mobilizar a
opinião pública israelense, inclusive a “não sionista” e,
assim, legitimar o ataque contra a Faixa de Gaza “para
dar uma lição ao Hamas”. De fato, o
“ataque total” para destruir a estrutura militar de Hamas é um
projeto que o Estado Maior do Tzahal planejou em 2006 para
contrapor-se à decisão de Ariel Sharon que, na qualidade de
primeiro-ministro em 2004 e em 2005, sentenciou a “a
retirada
unilateral de Israel da Faixa de Gaza,
por razões de segurança”. Assim, em 2008,
foi lançada a operação “Chumbo Fundido” e, depois, em 2012,
foi realizado outro grande ataque denominado “Pilar da Defesa”.
Porém, nenhuma das duas operações foi finalizada porque os efeitos
das nefandas ações realizadas pelo exército e a aviação
israelense levantaram a acusação de genocídio e de limpeza étnica
por parte do Conselho de Direitos Humanos da ONU. É suficiente
lembrar que, em 2008, a operação “Chumbo Fundido” provocou a
morte de 1400 civis palestinos! Mesmo assim os representantes
permanentes dos EUA, da Grã Bretanha e da França no Conselho de
Segurança da ONU vetaram qualquer tipo de sentença condenatória
contra Israel que, graça à cumplicidade dos países da OTAN,
continua impune desde 1948, isto é, quando as brigadas dos grupos
sionistas invadiram os territórios da Cisjordânia, expulsando a
maior parte da população palestina.
Em janeiro de 2013, apesar da inútil interferência
do Secretário de Estado dos EUA, John Kerry, o Estado Maior do
Tzahal (Forças Armadas Israelenses), e as direções do Mossad
(Inteligência e Operações Especiais), do Aman (Inteligência
Militar) e do Shin Bet (Segurança Interna), com o pleno conhecimento
do governo, começaram a finalizar o planejamento da “Operação
Margem de Proteção” (Protective Edge). Tanto que, em 20 de maio
de 2014, o comandante da Força Aérea de Israel, major-general Amir
Eshel, ao intervir na Décima Conferência Anual para a Segurança
Nacional declarava: “Eu acredito que, nos últimos dois anos,
nossas capacidades operacionais cresceram bastante, perdendo apenas
para os Estados Unidos, a partir de um ponto de vista tanto ofensivo
como defensivo...”, salientando depois: “Hoje, a Força
Aérea de Israel (IAF) tem uma capacidade ofensiva sem precedentes, o
que nos permite de atacar com precisão milhares de alvos em um único
dia, isto porque, nos últimos dois anos, dobramos nossa capacidade
operacional por duas vezes. Assim, no final de 2014, teremos uma
melhoria avaliada em 400% das nossas capacidades ofensivas em relação
ao passado recente, como resultado de um longo processo de
melhorias”.
Palavras extremamente claras que evidenciam, sem
nenhuma dúvida, que a Força Aérea Israelense, com seus F15 e F16
armados com “bombas inteligentes GBU-28”, juntamente aos mísseis
de longo alcance “Jerico”, pode alvejar todas as cidades do
Oriente Médio, inclusive as da Síria e do Irã. Por isso, ficou
claro que a invasão contra Gaza foi, apenas, uma demonstração
estratégica do potencial militar de Israel. Uma demonstração que
os estrategistas de Telavive querem que seja, antes de tudo, um sinal
de alerta para os países do Oriente Médio que ainda duvidam dos
elementos políticos decisórios, do poderio militar e da visão
estratégica de Israel. De fato, às 21h23min do dia 17, o
primeiro-ministro Benjamin Netanyahu autorizava o prosseguimento das
vertentes bélicas da “Operação Margem de Proteção” em todo o
território da Faixa de Gaza, mobilizando ainda mais 18.000
reservistas que se juntaram aos 56.000 já entrincheirados ao longo
da fronteira da Faixa de Gaza.
A “Guerra Total”
Planejada por ser executada com 74.000 soldados para
“limpar”, durante dois meses, a periferia e os campos de
refugiados de Gaza City e os bairros de Beit Lahia, Jabalia, Beit
Haroun, Deir al-Balah, Khan Yunis, Abassan al-Kabera e Rafah, a
invasão terrestre foi precedida por um primeiro bombardeio “a
tapete”, que durou 5 horas, alvejando toda a rede de
infra-estruturas das referidas cidades, em particular as subestações
de distribuição das companhias de eletricidade, gás, água e
telefone, as pontes, bem como os grandes armazéns e frigoríficos e
todos os prédios da administração pública.
Um bombardeio que começou primeiro no norte de Gaza,
na região de Beit Lahiya, onde os caças-bombardeiros descarregaram
bombas de fragmentação de 500 kg e bombas de penetração de 1.000
kg. A seguir outra onda de aviões investiu o bairro de Choujaiya, no
Leste da Faixa, enquanto uma terceira onda descarregou seu
carregamento de bombas e foguetes em Gaza City alvejando, inclusive
um campo de refugiados da ONU e o hospital Al-Wafa. Por sua parte, as
corvetas e os navios lança-foguetes destruíam todo tipo de
construções localizadas no litoral de Gaza City. Enquanto isso, a
artilharia (tanques, canhões de longo alcance, morteiros e rampas de
foguetes) martelava os edifícios localizados ao longo da fronteira
até alcançar a periferia de Gaza City.
Somente depois desse sistemático bombardeio é que
os batalhões de fuzileiros e das tropas especiais começaram a
avançar com extrema prudência entre os escombros das casas.
A imprensa européia e, sobretudo, a estadunidense
fizeram de tudo para minimizar a brutalidade dos bombardeios “a
tapete”, dos dias 17, 18 e 19, enfatizando os comunicados do
porta-voz do exército sionista, tenente-coronel Peter Lerner,
segundo o qual “...As unidades da Força Aérea israelense
haviam realizado apenas bombardeios cirúrgicos contra os objetivos
militares do Hamas...”.
Mas o cinismo dos sionistas tocou o ápice quando o
presidente israelense, Shimon Peres (que em 1994 recebeu o premio
Nobel pela Paz para depois, em 2005, se juntar a Ariel Sharon no novo
partido direitista Kadima), ao ser entrevistado pela BBC após o
assassinato de quatro garotinhos palestinos, teve o descaramento de
dizer: “...Estou profundamente sentido pela morte das jovens
vítimas que se deu por um acidente. Pois nossos pilotos receberam a
ordem de não atirar onde há crianças. Infelizmente, no local do
ataque havia muito armamento e os palestinos não mantêm longe as
crianças!”
Após essa entrevista ter corrido o mundo,
contribuindo a reforçar o show midiático do Estado sionista e seus
aliados, a TV árabe Al Arabya divulgava uma nota do porta-voz do
centro de primeiros socorros de Gaza, Ashraf al-Qudra, que anunciava
a morte, no bairro de Sabra, de mais três crianças, respectivamente
de 7, 8 e 10 anos, que foram alvejadas por um foguete no terraço de
sua casa, no momento em que estavam dando a comida aos seus pombos. A
seguir, o diretor do hospital, Basman Alashi, informava que, também
na praia de Gaza, outros três garotos, de 10, 12 e 13 anos, morreram
alvejados, no dia 18, pelos canhões das corvetas israelenses.
Na tarde do dia 19, o número de palestinos mortos
por efeito dos bombardeios chegou a 339, enquanto os feridos somavam
2.562, sem contar, ainda, os mortos e os feridos que ficaram
enterrados debaixo dos destroços dos prédios alvejados. Mortos e
feridos que em sua completa maioria são civis, em particular
crianças, mulheres e idosos.
Os milicianos das Brigadas Ezzedin al-Qassam
continuam escondidos em túneis subterrâneos, de onde atiraram
contra o território de Israel 1.663 foguetes Qassam. Destes, somente
346 foram interceptados pelo sistema anti-foguetes “Iron-Dom”, do
exército israelense; os restantes não alvejaram nenhum objetivo
estratégico importante. Por isso, é preciso lembrar que a eficácia
dos foguetes Qassam é muito reduzida por ser um projeto artesanal
desenvolvido, em 2001, por Nidal Fat'hi Rabah Farahat. Hoje, o
foguete Qassam é mais uma arma política que representa o espírito
de resistência dos palestinos de Gaza e seu apoio político ao Hamas
e aos milicianos das Brigadas Ezzedin al-Qassam.
Segundo as declarações do porta-voz do exército
sionista, tenente-coronel Peter Lerner, os bombardeios continuarão
ainda por outros dois ou três dias, isto é, quando iniciarão os
desgastantes combates de “casa por casa” entre os milicianos que
saem dos túneis e os soldados israelenses que pretendem controlar os
perímetros urbanos. É nessa fase que começará a verdadeira
“Operação Margem de Proteção”, com os soldados israelenses
que pretendem acabar fisicamente, em menos de trinta dias, com as
Brigadas Ezzedin al-Qassam, enquanto os milicianos tentarão
transformar Gaza City em uma segunda Stalingrado.
Gaza e o cenário geoestratégico regional
Enquanto o exército israelense continua a bombardear
a Faixa de Gaza, os dirigentes do Hamas não aceitam negociar o
cessar-fogo, proposto pelo secretário da ONU, Ban Ki-moon que, na
realidade, não resolve a condição de absoluto isolamento
diplomático e econômico a que a Faixa de Gaza está submetida. De
fato, o governo sionista impede o funcionamento do aeroporto, dos
portos, além de ter conseguido do Egito o fechamento da única
entrada comercial no posto de fronteira de Rafah.
É neste âmbito e com o recrudescimento das
operações militares em Gaza que o primeiro ministro, Benjamin
Netanyahu, está conseguindo montar um novo cenário geoestratégico,
cuja complexidade pode interferir com a representatividade e as
projeções políticas que o Departamento de Estado dos EUA elaborou,
recentemente, para o Oriente Médio.
Estados Unidos
Para entender a posição que Benjamin Netanyahu
assumiu nos últimos meses, bem como o apoio irrestrito que ele
recebeu dos comandos das Forças Armadas e das direções dos
poderosos serviços secretos (Mossad, Aman e Shin Bet), é preciso
dizer que isso reflete, também, o conflito político interno no seio
do Partido Democrata, entre o clã dos Clinton e o grupo que ainda
apóia Barack Obama, do qual John Kerry é o porta-voz no âmbito
internacional. De fato, é notória a atual flexuosidade em forma de
ziguezague da política exterior da Casa Branca para com o Oriente
Médio. Por exemplo, quando a Arábia Saudita decidiu financiar o
golpe de Estado contra o presidente do Egito, Mohamed Morsi, os
sauditas não pediram a autorização à Casa Branca, mas, sim,
informaram, apenas, as autoridades de Telavive, que saudaram a
iniciativa, do momento que Morsi e o governo da Irmandade Muçulmana
estavam ajudando a direção do Hamas em romper o isolamento imposto
pelo exército sionista.
De fato, o golpe liderado pelo general Sisi, criou
sérios problemas de credibilidade para a Casa Branca, visto que em
um primeiro momento o presidente Obama havia decidido suspender a
ajuda militar destinada ao Egito, no valor de 1,6 bilhão de dólares.
Depois, quando o poderoso lobby sionista de Wall Street manifestou
seu pensamento, Obama enviou John Kerry ao Cairo para renegociar com
o general Sisi a continuação do antigo acordo de cooperação
assinado desde os tempos de Mubarak.
Na questão da Palestina, Benjamin Netanyahu virou a
cara quando a Casa Branca apoiou o acordo de reconciliação entre o
Fatah e o Hamas. Aliás, esse foi o motivo para enterrar de vez as
negociações de paz, construídas pacientemente por John Kerry e o
presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas.
Por último, o governo sionista e em particular os
comandos militares não gostaram da abertura diplomática que a Casa
Branca realizou com o novo presidente do Irã, o moderado Hassan
Rohan, visto que o pacífico desmantelamento das centrais nucleares
iranianas eliminava a hipótese do ataque aéreo com os F-15 e F-16
israelenses.
Também, no que diz respeito à guerra civil na
Síria, o governo sionista e a monarquia saudita desaprovaram as
iniciativas diplomáticas de John Kerry, que com a insignificante
realização das cúpulas “Genebra-1” e “Genebra-2” deram ao
regime de Bashar al-Assad um importante fôlego político que
permitiu a retomada da iniciativa militar e, mais recentemente, a
vitória nas eleições. Aliás, sionistas e sauditas censuraram
Barack Obama por ter “vacilado” quando a mídia ocidental acusou,
injustamente, o exército de Damasco de ter usado as bombas químicas
contra os civis. Na realidade, a indecisão de Obama deu tempo para
descobrir que foram os homens da Brigada Al-Nusra que provocaram o
desastre químico em Homs.
Irã
A partir do dia 20 de julho, John Kerry abrirá um
canal de comunicação com o presidente do Irã, Hassan Rohan, para
definir uma agenda de trabalho sobre as futuras negociações para a
retirada das sanções econômicas impostas pelo Ocidente, enquanto o
Irã aceitou desmantelar as centrais nucleares consideradas
“impróprias” para o uso civil. Consequentemente, os EUA e o Irã
deverão definir o início das negociações realizadas com um
“deadline 5+1”, isto é, com a participação de Rússia, China,
Grã Bretanha, França e Alemanha.
É evidente que Israel está contra esse “deadline”,
do momento que o Irã, após o desmantelamento das suas centrais
nucleares, poderá tornar-se o novo grande parceiro do Ocidente, tal
como o era o Irã do Xá Reza Pahlevi. Por isso, juntamente à Arábia
Saudita (que odeia o Irã), o governo sionista permitiu que os
agentes do serviço secreto Mossad fossem à Síria e ao Iraque para
treinar e monitorar os combatentes do ISIS. Desta forma, além de
impedir a consolidação política e econômica do governo iraquiano
do xiita Nuri al-Maliki, muito ligado ao Irã, Israel poderá
desestabilizar o futuro relacionamento do governo iraniano com as
potências ocidentais, cujos serviços secretos determinaram o
sucesso do Califado do ISIS.
Iraque
Em 2012, ninguém acreditava que os serviços
secretos de Grã Bretanha, França, EUA e, sobretudo, Israel
estivessem treinando na Síria os bandos jihadistas iraquianos.
Aliás, ninguém pensava que em pouco tempo os mesmos teriam
conseguido atacar a região central do Iraque e se apoderar de vários
campos petrolíferos, com vista a financiar suas atividades
militares. Por isso, em 2013, diferentes empresas “fantasmas”
israelenses e sauditas já estavam comprando o petróleo que o ISIS
roubava na Síria e no Iraque, pagando apenas 50% do valor de
mercado. Praticamente, o ISIS sobrevive com a receita do petróleo
roubado, com a qual o misterioso Al-Bagadabi pode pagar os 30.000
combatentes fundamentalistas e sustentar a estrutura administrativa
de um “Califado” que, em teoria, se estende das regiões
norte-orientais da Síria até o centro do Iraque.
À causa do despudorado comportamento do exército
iraquiano em Mossul, o governo central do Iraque, dirigido pelo
presidente Jalal Talabani (curdo) e o primeiro-ministro Nuri
al-Maliki (xiita) entrou em crise, visualizando, assim, todas as
contradições políticas, institucionais, econômicas e militares
provocadas no Iraque após 10 anos de ocupação estadunidense. Pior
disso tudo é a cegueira política do governo majoritário xiita que,
ainda, não consegue se relacionar com os sunitas e os curdos.
De fato, com a saída do contingente militar dos EUA
(120.000 homens) e o fim dos bilionários investimentos “para a
implantação da democracia”, criou-se no Iraque um perigoso
“buraco negro”, que a Casa Branca pensa poder fechar com a
reformulação do governo do primeiro-ministro Nuri al-Maliki,
diretamente monitorado pelo Irã, cuja reciclagem política passa
pela renúncia do programa nuclear militar, além de garantir um
regular fornecimento de gás e de petróleo ao Ocidente.
É evidente que as “excelências” da estratégia
sionista apóiam o processo de “balcanização” do Iraque, com o
qual pretendem evitar a formação de um novo eixo político,
econômico e energético entre Washington e Teerã.
Não foi casual que quando John Kerry esteve em
Erbril, para se encontrar com o presidente da região autônoma do
Curdistão, Masud Barzani, os assessores israelenses já haviam
sugerido a Barzani de ocupar as regiões petrolíferas de Kirkut, que
os curdos pretendem integrar a sua região autônoma. Esta iniciativa
enfureceu John Kerry por desarticular os equilíbrios entre o
Curdistão e o governo central de Nuri al-Maliki, além de ampliar as
rupturas do modelo institucional em um momento em que a instabilidade
política entre curdos e xiitas permite ao “Califado do ISIS” se
apresentar como o terceiro Estado etnicamente reservado aos sunitas.
Líbia
A desintegração do “processo democrático
ocidental” imposto pelos EUA, a França e a Grã Bretanha, e a
divisão étnica e tribal operada pelas milícias, ligadas aos
serviços secretos da Arábia Saudita e do Catar, evidenciaram a
completa incapacidade do Departamento de Estado dos EUA e da própria
CIA em saber reordenar a vida política, econômica e,
principalmente, militar da Líbia. Esse fato, aos olhos dos sionistas
e do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, reforça ainda mais a
idéia de que Israel pode ser a nova potência regional capaz e apta
a ditar e fazer respeitar regras e, portanto, impedir o surgimento de
outras Líbias. De fato, o golpe de Estado no Egito e a dura
repressão que o governo do general Sisi está impondo no país com a
caça aos membros da Irmandade Muçulmana, impedem o Egito de voltar
a ser a grande potência árabe, que garante a “ordem ocidental”
no Oriente Médio.
Gaza
Não há dúvida de que, hoje, o presidente da
Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, é apenas uma figura decorativa
no fragmentado movimento de resistência palestino. Aliás, seu
posicionamento titubeante diante da política arrogante e seletiva do
governo sionista e os ricos negócios que a burguesia palestina
pratica com a indústria israelense, enterraram de vez a tese “Dois
Estados para Dois Povos”, que Yasser Arafat havia conseguido
impor nos Acordos de Oslo, em 13 de setembro de 1993.
Por outro lado, todos os líderes políticos
palestinos contrários à linha política de Mahmud Abbas e Mohamed
Dahlan (apoiado pessoalmente pelo emir do Qatar) ou foram
definitivamente afastados da vida política ou estão encarcerados
nas prisões sionistas, tal como aconteceu a Marwan Al-Barghouti,
líder do Fatah, e a Ahmad Sa’adat, secretário geral da Frente
Popular de Libertação da Palestina (FPLP), preso em uma solitária
desde 2006.
Por isso, o Hamas adquiriu no contexto palestino uma
dimensão política nacional, visto que teve a coragem de governar e,
ao mesmo tempo, rejeitar as regras impostas pelos governos sionistas.
Aliás, a reconciliação entre o Fatah e o Hamas foi considerada
pelo governo sionista um ato não declarado de guerra, em um momento
em que o próprio primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, considera
mortos e enterrados os Acordos de Oslo. Uma posição que, apesar de
tudo, a Casa Branca e os parlamentos de muitos países europeus ainda
não engoliram.
Se depois consideramos que o Hamas é reconhecido e
apoiado pelo Catar, enquanto a Autoridade Nacional Palestina (ANP) é
sustentada pela Arábia Saudita, fica evidente que o “ataque total”
à Faixa de Gaza é também uma maneira para dizer a todo o mundo
árabe, inclusive à Turquia – apesar ter assinado acordos
militares com Israel, ainda apóia a criação de um Estado
independente palestino -, que a atuação do Hamas na Faixa de Gaza
deverá ser a mesma que o Fatah exerce na Cisjordânia. Isto é,
desmilitarizada, sem nenhuma autonomia financeira, totalmente
dependente da economia e dos transportes israelenses, além de
permitir que parcelas de seu território sejam destinadas à
colonização sionista. Enfim, uma entidade minoritária
“politicamente pacificada e controlada no quadro das regras da
sociedade judaica e da ordem do Estado de Israel”.
Por outro lado, a inflexível decisão de Benjamin
Netanyahu de derrubar a estrutura militar do Hamas foi uma maneira de
apresentar aos Estados Unidos e aos países da União Européia o
novo cenário geoestratégico do Oriente Médio, onde Israel é a
potência nuclear e militar que representa e coordena os interesses
do Ocidente no Oriente Médio. Enfim, é a moderna prospecção
política, econômica e, sobretudo, geoestratégica do “Grande
Israel”.
*Achille Lollo é jornalista italiano,
correspondente do Brasil de Fato na Itália, editor do programa TV
“Quadrante Informativo” e colunista do "Correio da
Cidadania".