O que inquieta do discurso de Santos sobre a paz
Por
Timoleón Jiménez, Comandante-Chefe das FARC-EP
Sempre
incisivo, o Presidente repete quase literalmente o mesmo enquanto
cenário nacional e internacional lhe é possível.
Seu
conteúdo se tornou um lugar comum, frases repetidas para que
qualquer pessoa possa entendê-las, porém que dizem, na realidade,
muito pouco. Sua versão da realidade nacional poderia ser
sintetizada em frases tão breves como país modelo em
desenvolvimento econômico e social, com os melhores índices em
todos os sentidos, em crescimento, em emprego, em redução da
pobreza e da miséria, na carreira contra a desigualdade, em
escolaridade e o que você queira acrescentar.
Desde
logo que essa avassaladora prosperidade não tem sido uma
característica permanente. Se conseguiu, a partir de 2010, ano em
que começou seu primeiro governo, estabelecendo uma espécie de
paralelo que poderia definir-se em termos simples como antes de
Santos e depois de Santos. O Presidente não deixa escapar ocasião
para contrastar as fabulosas cifras que está revelando com os
deploráveis dígitos exibidos nos períodos presidenciais anteriores
ao seu.
O bom
homem passa com humildade a reconhecer que não vivemos no paraíso
terrenal. Temos problemas e estamos enfrentando-os, com êxito, ainda
que nos falta muito por fazer. Então, vem a relação dos
extraordinários projetos de desenvolvimento em fase inicial. O
inestimável mérito das concessões de quarta geração, o imparável
crescimento do investimento
estrangeiro, as graças do PIPE, o incrível desenvolvimento
informático e das comunicações.
Não
faltará a menção ao último triunfo desportivo ou artístico.
Nairo, James, o que mais tenha repercutido na mídia. Será o exemplo
de nosso sangue, de nosso impulso, da capacidade de nosso povo para
impor-se sobre as adversidades. Aqui pode estar a conexão com o tema
que ocupará o resto da intervenção. A maior dificuldade que os
colombianos encontramos com o triunfo final, o conflito armado, a
falha que não nos deixa avançar como devíamos.
Começa
a relação do histórico gesto seu de ter reconhecido sua
existência, assim como a das vítimas e dos despojados da terra. E,
o que é mais importante ainda, sua decisão de recorrer à via do
diálogo para pôr fim a tanta angústia. Virá a
economia a respaldar a importância de terminar o conflito, o que
cresceria o PIB, o que significaria o desenvolvimento pleno do campo,
a ausência de obstáculos ao investimento mineiro-energético.
Então seguirá o inevitável
reconhecimento ao poderio bélico do Estado. Graças a ele se chegou
até aqui. A lisonja tranquilizante às forças armadas falará de
seu heroísmo, lealdade e entrega, ao que seguirá o juramento de não
afetá-las para nada com o eventual acordo final. Nem em pé de
força, nem em recursos. Muito menos por suas condutas ilícitas.
Pelo contrário, como tropas do império, se lhes abrirão leques de
oportunidades em diferentes lugares do mundo.
Haverá que defender o
processo de paz dos obtusos que não entendem sua importância, dos
caluniadores de ofício, da gente com interesse de lucro. E a melhor
maneira é explicando do que se trata na realidade. Uma simples
oportunidade às guerrilhas para que se desmobilizem e obtenham certo
grau de compreensão em seu tratamento punitivo. Mentem os que
asseguram que se negocia a propriedade privada, a família ou o
Estado, de nenhuma dessas coisas se trata.
As instituições nacionais,
as relações internacionais de qualquer tipo, o modelo neoliberal de
economia, do qual a propósito se trata de delimitar recorrendo ao
expediente da terceira via, apenas uma variante frustrada do mesmo, a
doutrina de segurança do Estado, as forças militares e de polícia,
o regime político e eleitoral, o latifúndio ou as relações de
trabalho entre produtores e proprietários, nada, nada disso faz
parte da discussão na mesa de La Habana.
E mais, o Presidente dedica
uns parágrafos a deixar completamente claro que nem sequer a
confrontação mesma faz parte dos temas da Agenda. As forças
militares têm a ordem permanente de recrudescer com todo o seu poder
contra os insurgentes, de causar-lhes o maior número possível de
mortos, feridos e deserções, de desmoralizá-los, de empurrá-los
para a assinatura de sua submissão na Mesa. Por isso deixa claro que
não haverá cessar-fogo bilateral.
E para que nenhum o acuse de
mole, Santos repete em todos os seus discursos que ele foi o ministro
de Defesa e o Presidente que propiciou os mais duros golpes a seus
inimigos. Ele acabou com o primeiro, o segundo, o terceiro e dezenas
e dezenas de mandos mais das FARC. O censo dos reinseridos passa de
50.000. Nada disso vai se deter, continua e se acrescentará. Lá, os
que não queiram vê-lo. Lá, a insurgência, se não se dá conta do
que lhe espera.
O que seu governo tem feito
é expor ante a insurgência na mesa seus projetos para o agro, e
oferecer-lhe que se vincule à sua implementação, uma vez tenha
entregue suas armas. Não se pactuou nem se pactuará nenhuma classe
de reforma agrária. Também lhes mostrou sua disposição a permitir
o desfrute de algumas garantias se acessam inserir-se no modelo de
democracia vigente. E os comprometeu a renunciar ao narcotráfico e a
ajudar a combatê-lo. Mudou-os
de bando.
Esclarece também que agora
se abordará o difícil tema das vítimas, no qual a insurgência
terá que comprometer-se ante elas e à justiça a responder por seus
crimes. Desde logo que polícias e militares terão tratamento
privilegiado nessa matéria. E explica que praticamente fica pendente
um tema, o da entrega de armas, que em breve começará a tratar-se
numa mesa técnica da qual farão parte dois generais ativos, para
que não se pense mal por ninguém.
Não deixa de louvar o
crescente apoio internacional que o processo de paz obtém e o que
pode significar em recursos para o pós conflito. Na realidade, com
todo esse discurso só deixa clara uma coisa. Sua evidente intenção
de tranquilizar ao grande capital, aos poderosos proprietários de
terras, aos investidores, às forças armadas, à ultra direita que o
ataca. E para o pobre povo, fica o quê? Deveras, Santos crê que com
essas concepções alcançará a paz para a Colômbia?
Montanhas de Colômbia, 17 de julho de 2014.
--
Equipe
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http://anncol-brasil.blogspot.com
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