Escreve Iván Marquez à colunista Natalia Springer: “Devemos alcanzar a paz”
Natalia
Springer, colunista do diário El Tiempo, em sua nota “Como acabar
o processo de paz”, se referiu a este desde uma ótica difícil que
não permite ver a luz da reconciliação que muitos colombianos
percebem no horizonte como esperança que não pode deixar escapar.
A paz,
como ápice de todos os direitos e como anseio crescente das maiorias
nacionais, não se pode confundir com os sentimentos da metade dos
cidadãos que votam num país onde quase sempre triunfa a abstenção;
uma abstenção que atrai e congrega como bola de nove a descrença e
o desencanto de muita gente perante seus governantes.
A
anistia e o indulto aplicados aos delitos políticos e seus conexos
não são uma perversão, como crê Springer, senão o produto de
séculos de jurisprudência. As rebeliões, um direito legítimo dos
povos, consagrado desde 1948 na Declaração dos Direitos Humanos da
ONU. Duzentos anos atrás, o Libertador conceituava que “O homem
social pode conspirar contra toda lei positiva que tenha encurvada
sua nuca, escudando-se com a lei natural”. Em Colômbia a rebelião
é o delito político por excelência, e precisamente o delito
político concebido em sua integralidade originária, isto é, com os
denominados delitos conexos subsumidos nele, contém os instrumentos
jurídicos que podem limpar o caminho para a paz e a reconciliação,
desde logo com o complemento necessário da solução às causas
estruturais da rebelião.
Por
isso dizemos que não viemos a Havana para negociar impunidades. As
estatísticas das Nações Unidas atribuem ao Estado e a seus
paramilitares a responsabilidade de mais de 80 por cento das
vitimizações, em muitos casos através de crimes internacionais
caracterizados pela sistematicidade e pelo cálculo, circunstância
que dificulta o acesso a benefícios jurídicos.
Agora,
ao falar de máximos responsáveis, devemos afirmar claramente que a
cadeia de mando não se esgota nos Estados-Maiores do Exército e da
Polícia, senão que vai mais além e toca o Palácio de Nariño. O
assunto não pode ser explicado pelas elites como o comportamento
anômalo de umas maçãs podres, quando as ordens à instituição
armada partiram do livre arbítrio e da premeditação dos poderosos.
De verdade que o problema das vítimas do conflito é assunto
complexo que não se pode expedir com argumentos levianos nem
sofismas.
Por
sua parte, Uribe Vélez, aproximando seu imenso rabo-de-palha do
fogo, posando de serafim totalmente alheio de sua condição de
máximo responsável, estima que não pode ter paz com impunidade.
Não somente comprometido com crimes de lesa-humanidade, tem se
dedicado a obstruir a justiça tirando do país seus alfiles da
delinquência Luis Carlos Restrepo, María del Pilar Hurtado e vulgo
“Uribito” para evitar seu encarceramento. O grave é que, ante
estes delitos notórios, a autoridade judicial, paralisada como
estátua, não atua. É como se o promotor dos “falsos positivos”
tivesse um pacto com o diabo no qual nenhuma autoridade terrenal pode
tocá-lo. O mito de um Uribe-fita-veda
terá que rodar pelo solo.
É urgente pôr em marcha a
Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas para esclarecer o
assunto das responsabilidades, para que seu relato ilumine como farol
a verdade que as vítimas do conflito reclamam. Há muita “gente
bem”, e envaidecida, que lava as mãos como Pilatos frente ao
dessangramento e a violência nacional, ainda que arrastem o pesado
fardo oculto de máximos responsáveis. Responsáveis são os
partidos políticos, os ideólogos do paramilitarismo como estratégia
contra insurgente do Estado, os terra-tenentes, os pecuaristas, os
generais, alguns bananeiros e palmicultores, certos banqueiros, a
narco-para-política, os comandantes das forças, os que idealizaram
os “falsos positivos”, a grande imprensa instigadora da guerra,
reconhecidos
purpurados da igreja, os implementadores da política neoliberal que
produziu milhares e milhares de mortos e milhões de pobres, o
governo dos Estados Unidos, que interveio desde o princípio de
maneira direta no conflito, e também a insurgência, porém noutro
plano, que não é o dos que geraram esta guerra.
Natalia, “os responsáveis
do horror são os que atualmente nos estão representando como
sociedade”. Não se horrorize pelo hipotético, senão pelo que tem
a seu lado: um Estado capturado por poderes mafiosos e estruturas
narco-paramilitares, o cancro da corrupção, a impunidade, a
exclusão política, a militarização da sociedade, a intolerância,
a miséria e a desigualdade, a ocupação militar por uma potência
estrangeira, o saqueio de umas riquezas naturais que poderiam ser
utilizadas para a redenção social do país...
Esta situação tem que
mudar. Aos colombianos não nos resta outro caminho que o da
retificação de tantas injustiças e a disposição do espírito
coletivo para a reconciliação, porque a guerra perpétua não pode
ser nosso destino. Para edificar a paz este país necessita de bases
consistentes de justiça social, democracia e soberania. Sem que
emirja o humano sentimento da compreensão e do perdão, não haverá
paz. Teremos que desterrar dos corações a vingança e o ódio, a
exclusão e a intolerância. À paz deveremos consagrar nossos
melhores empreendimentos, para isolar com todas as nossas forças e
fazer com que marche ao nosso lado durante os séculos futuros.
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Publicado
por AFP NOTICIAS para Agencia Fariana de Prensa - Bloque Cdte. Jorge
Briceño