Entrevista a Marco calarcá
Por
Miriela Fernández*.
Para
os que acompanham de diversas formas, na própria Colômbia ou mais
além das fronteiras, a Mesa de Conversações entre as FARC e o
governo de Juan Manuel Santos, instalada em Havana, Cuba, cada
acontecimento na sociedade colombiana poderia ser interpretado sob a
ótica de elementos a favor ou contra este quarto processo de paz.
Primeira parte da entrevista desde Havana com Marco León Calarcá e
a guerrilheira Camila Cienfuegos, delegados de paz das FARC.
Sem
dúvidas, as eleições, e sobretudo os resultados do primeiro turno,
suscitaram reflexões deste tipo. Se bem que os comícios não deram
conta –não é possível, pela carência de condições para a
legítima participação- da efervescência do movimento social
colombiano e das forças políticas emergentes, envolvidas também
numa saída justa e duradoura ao conflito que o país vive por mais
de 50 anos, as declarações dos candidatos oferecem pistas, poderiam
vislumbrar os destinos deste processo por parte do governo
colombiano. Ainda que, não é possível contornar que só na reta
final Santos arremessou mais luzes sobre o que acontece em Havana e a
implicação ou o compromisso de seu governo com os diálogos. De
fato, uma tese defendida por meios como a BBC ante o alto nível de
abstenção e a vitória de Oscar Iván Zuluaga no primeiro turno
eleitoral havia sido o desinteresse das colombianas e dos colombianos
em relação com a paz –ficariam implícitos os interesses para
manter a guerra-, a incredulidade neste tipo de processos, depois de
várias tentativas que não cristalizaram, ou as falhas do mandatário
e seu gabinete para mostrar os avanços nas conversações com a
insurgência. Neste último aspecto, poderia abrir-se um amplo
parêntese para analisar essa atuação, como a dos meios de
comunicação e outros atores simpatizantes com tal postura.
No
entanto, desde o início da Mesa e neste último período tem sido
significativa a atenção por parte de amplos setores populares aos
pontos que se colocam em debate. Tanto através dos mecanismos de
participação, abertos desde o processo oficial como desde
iniciativas mais autogestionadas do movimento social colombiano, tem
havido um reconhecimento às conversações de paz como uma
oportunidade histórica. Com otimismo se recebeu, ademais, o começo
de uma fase exploratória para a instalação de um diálogo similar
ao das FARC com o Exército de Libertação Nacional [ELN], que com
vários gestos, como o cessar-fogo unilateral em diferentes momentos,
já havia evidenciado seu compromisso de paz com justiça social.
Em
entrevista com Marco León Calarcá e Camila Cienfuegos, integrantes
da delegação de paz das FARC em Havana, destacaram que “essas
diferentes ações mostram que o povo colombiano quer a paz”. Ao
percorrer cada um dos pontos discutidos até o momento, meus
interlocutores não só prestaram conta dos passos dados como também
enfatizaram como resultado importante na revisão e inclusão de uma
diversidade de propostas que caminharam desde baixo, a partir dos
setores populares.
Miriela
Fernández: Se tem dito que este é o processo de paz que mais
avançou na história da Colômbia. Quem seguiu as conversações
durante este ano e meio reconhece que houveram vários avanços nos
pontos de reforma rural, participação política e drogas ilícitas.
Quais foram até hoje as contribuições concretas que ficam para os
atores envolvidos e para a cidadania colombiana?
Marco
Calarcá:
Bem, realmente nós começamos este processo há mais de um ano e
meio, a partir de setembro de 2010, quando começamos a conversar
sobre temas concretos. Em fevereiro de 2012 começamos o que
conhecemos como encontro exploratório que concluímos com o Acordo
Geral para a terminação do conflito e a construção de uma paz
estável e duradoura, que essa agenda de seis pontos contém. Aí nós
gastamos aproximadamente seis meses. Terminamos exatamente em 26 de
agosto de 2012 e, para começar o desenvolvimento da agenda, na Mesa
de Conversações, pois gastamos outros três meses porque esse
início foi a 19 de novembro de 2012.
Então,
se alguém olha os tempos –estou sendo explícito nisto para levar
em conta que não é como dizem em minha terra “soprar e fazer
garrafas”-, é um conflito em todas as ordens: econômica,
política, social, cultural, que dura mais de cinquenta anos.
Nós
acabamos de completar como FARC-EP cinquenta anos, porém o conflito
vai mais além. Nós podemos situá-lo perfeitamente na lei 200, Lei
de Terras de 1936. Então, não é para justificar que se demore [o
diálogo] ou se demore é para fornecer elementos à análise dos
tempos. Todos queremos em Colômbia, em Nuestra América e no mundo
conquistar a paz, porém não é um problema somente de vontade, é
um problema de que há escolhos fortes pelas concepções e ideias
políticas que predominam. Nosso plano é muito simples, paz com
justiça social, dignidade, que o povo possa viver de seu trabalho,
soberania, democracia plena. Bem, a partir de novembro começamos a
discussão da agenda e conquistamos acordos parciais, há que
dizê-lo, em três pontos: o ponto que tem a ver com a terra, reforma
agrária integral; o ponto que tem a ver com a democracia, a
participação política e o que tem a ver com o problema das drogas
ilícitas, com muito nexo com o primeiro ponto. E ressalto que são
acordos parciais porque há limitações desde temas importantes que
mais cedo que tarde temos que abordar na construção deste acordo.
Consideramos
que no primeiro ponto conquistamos importantes avanços em torno do
desenvolvimento da economia campesina, para garantir que a terra seja
entregue ao que a trabalha, o campesino, a população rural. Esta
inclui os campesinos, os indígenas e as comunidades negras. É para
que se lhes seja legalizada a terra que já possuem, toda a terra que
já está em mãos dessa gente vai ser legalizada. Essa é uma
contribuição muito importante. Também deixamos claro no acordo que
não se trata só de entregar a terra, senão que de gerar as
condições para que as pessoas possam viver do trabalho dessa terra.
Tem que ser produtiva, e para isso ter a assistência técnica, ter
ferramentas, agregar valor às colheitas. Há que ter garantias para
a comercialização dos produtos, há que ter preços, vias de
comunicação para poder comercializar. Quer dizer, uma
infraestrutura econômica, social porque temos falado da necessidade
das escolas, de centros e saúde, hospitais, atenção médica, e de
que haja formação para que campesinos e campesinas, sejam
indígenas, negros e negras, mestiços, possam aumentar a
produtividade do campo, que hajam as mesmas condições de bem-estar
social que nos estamos propondo para as cidades, começando pela
simples energia.
Colômbia
é um país com potencial energético muito grande, porém com uma
capacidade instalada de distribuição de energia muito pequena. Não
se distribui para o campo. Tudo isso está incluído dentro do
primeiro ponto. Há limitações, dizemos, como o tema do latifúndio.
O governo colombiano não quer tocar no latifúndio e então
acordamos que haja um fundo de terra e não temos até agora o
tamanho desse fundo para responder aos problemas da população
rural. Nós pensamos que isso se resolve tirando terras do
latifúndio, começando, claro, pelo latifúndio improdutivo. Em
Colômbia dizer latifúndio e latifúndio improdutivo é um pleonasmo
porque todos são improdutivos. Fundamentalmente estão destinados à
pecuária e chegamos ao excesso em Colômbia de que a cada vaca lhe
correspondem dois hectares, 32 milhões para 16 milhões de cabeças
de gado. Então, dizemos que há que restringir o latifúndio para
fazer essa terra produtiva. Há que parar [com] a estrangeirização
da terra. Não se pode vender a terra para as potências estrangeiras
e muito menos para as transnacionais. Temos que fazer uma
reorganização territorial, que se saiba qual é a terra para os
cultivos, para a pecuária, para utilizar na mineração, esse
ordenamento territorial faz falta, digamos que essas são as
principais limitações nesse primeiro ponto.
O
segundo ponto, de participação política, começou muito mal porque
se tratou de instalar no ideário do povo que se tratava da
participação política de guerrilheiros e guerrilheiras das FARC-EP
e nós não estamos falando disso. Nós nunca pensamos neste diálogo
nem nos anteriores, porque esta já é a quarta tentativa, nunca
pensamos em benefícios próprios ou solucionar os problemas dos
guerrilheiros e das guerrilheiras. No centro destes acordos estão os
problemas da maioria. Resolvido o problema das maiorias dos
colombianos, resolvido o problema de guerrilheiros e guerrilheiras.
Então,
estamos falando de democracia, de que haja democracia real. Falamos
das necessidades de reformar o Estado, a justiça, o sistema
eleitoral e tudo isso ficou tocado, digamos, porém falta arredondar
aspectos democráticos, por exemplo, no referente aos meios de
comunicação, porque não há competição democrática quando
somente uns podem ser ouvidos, quando uns, os poderosos, podem dar
informação e os setores populares não têm acesso a isso. Pois,
tendente a tocar esse tema, a resolver isso, acordamos um novo canal
de televisão para os movimentos sociais e políticos, porém é
insuficiente e há problemas sérios... Para fazer política as
pessoas têm que estar vivas. Então, há que garantir o direito à
vida, e enquanto exista a doutrina da segurança interna, regendo os
destinos do país, na qual se considera ao próprio povo como
inimigo, não há garantia para a vida, e enquanto exista o
paramilitarismo como ferramenta funesta do Estado, não há garantia
de vida, e sem garantia de vida não se pode fazer política.
M.F.:
Se acordou também outorgar direitos políticos aos movimentos
sociais e organizar um evento para discutir, elaborar esse mecanismo
de participação política dos movimentos sociais e organizar um
evento no qual sejam os partidos políticos os que elaborem o
estatuto da oposição, que está mandatado
pela Constituição de 1991, ou seja, que levamos mais de 20 anos,
está na Constituição e não o cumprem... Bem, a paz está também
na constituição e tampouco se cumpre.
M.C.: Esse
é um dos aspectos mais complexos, tendo em conta que as FARC têm
sido acusadas de relações com o narcotráfico, o que Zuluaga
utilizou também em sua campanha eleitoral. Que representa para vocês
e logo para os colombianos e colombianas o acordo neste ponto?
Nós o tratamos sob a
seguinte ótica. Somente a comercialização é o negócio que
conhecemos como narcotráfico e é um negócio próprio do
capitalismo e cumpre com todas as normas dos negócios neoliberais.
Há uma enorme taxa de lucro, porém isso se vê como se houvesse
narcotráfico e se ataca aos escalões mais frágeis da cadeia. Nós
dizemos: uma coisa é a produção de folha de coca, da maconha, da
amapola; outra coisa é o consumo, e outra é o negócio que é o
narcotráfico e que vai desde os que compram a matéria-prima nas
zonas rurais até os grandes capos do narcotráfico, que são os que
sacam a cocaína, não as plantas, a cocaína para os centros de
consumo, que são fundamentalmente os países mais desenvolvidos,
como os Estados Unidos e os da Europa ocidental.
Nesses três aspectos
abordamos a discussão desse ponto. Já dissemos, a primeira parte da
produção tem a ver muito com o tema da terra. É que os campesinos
em Colômbia, a população rural está produzindo folha de coca,
maconha, amapola, que é mínima. Essa população faz assim porque é
o único produto que lhe garante a subsistência. Qualquer pessoa
diria que estes campesinos se enriqueceram, e é mentira, esses
campesinos subsistem, vivem e mal, porém não há nenhum produto,
banana, mandioca, cacau, borracha nem nada que eles possam produzir e
que lhes permita essa subsistência. Então, claro, chegaram a isso.
Por isso, dizemos que as
causas do cultivo são econômicas e sociais. Resolvido isso, então
se resolve o problema dos cultivos. Dizemos, há que fazer uns planos
especiais enquadrados nos planos de reforma agrária integral, uns
planos especiais para as zonas onde há produção de cultivos
suscetíveis ao uso ilícito, e aí, na medida em que o povo das
comunidades, acordado com as comunidades, se comprometa a deixar o
cultivo, então se desenvolva o plano para que possam subsistir, para
que possam garantir sua vida com outra produção. Porém, o povo não
pode dizer deixo o cultivo, porque de que vai viver enquanto isso?
Acordamos uns subsídios que permitam ao povo fazer esse trânsito
entre a economia ilegal a e produção legal. Ligado a isto dizíamos
do fortalecimento da economia familiar, planos de desenvolvimento
alternativo, entregar a terra e a possibilidade de explorá-la para
que possam viver disso.
Também nós negamos
rotundamente a possibilidade de continuar com as fumigações, a
aspersão aérea.
Tem se descampesinado o
campo colombiano. Têm havido mal-formações genéticas e têm
gerado muitos problemas. O outro é que esse acordo também vá
amparado do compromisso de que não voltem a ocorrer essas
fumigações, que têm matado animais, acabado com a fauna, com a
flora, a contaminação da água, o meio ambiente. Isso também faz
parte dessa grande tragédia em Colômbia.