"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 15 de julho de 2014

Entrevista a Marco calarcá


Por Miriela Fernández*. 

Para os que acompanham de diversas formas, na própria Colômbia ou mais além das fronteiras, a Mesa de Conversações entre as FARC e o governo de Juan Manuel Santos, instalada em Havana, Cuba, cada acontecimento na sociedade colombiana poderia ser interpretado sob a ótica de elementos a favor ou contra este quarto processo de paz. Primeira parte da entrevista desde Havana com Marco León Calarcá e a guerrilheira Camila Cienfuegos, delegados de paz das FARC.
Sem dúvidas, as eleições, e sobretudo os resultados do primeiro turno, suscitaram reflexões deste tipo. Se bem que os comícios não deram conta –não é possível, pela carência de condições para a legítima participação- da efervescência do movimento social colombiano e das forças políticas emergentes, envolvidas também numa saída justa e duradoura ao conflito que o país vive por mais de 50 anos, as declarações dos candidatos oferecem pistas, poderiam vislumbrar os destinos deste processo por parte do governo colombiano. Ainda que, não é possível contornar que só na reta final Santos arremessou mais luzes sobre o que acontece em Havana e a implicação ou o compromisso de seu governo com os diálogos. De fato, uma tese defendida por meios como a BBC ante o alto nível de abstenção e a vitória de Oscar Iván Zuluaga no primeiro turno eleitoral havia sido o desinteresse das colombianas e dos colombianos em relação com a paz –ficariam implícitos os interesses para manter a guerra-, a incredulidade neste tipo de processos, depois de várias tentativas que não cristalizaram, ou as falhas do mandatário e seu gabinete para mostrar os avanços nas conversações com a insurgência. Neste último aspecto, poderia abrir-se um amplo parêntese para analisar essa atuação, como a dos meios de comunicação e outros atores simpatizantes com tal postura.
No entanto, desde o início da Mesa e neste último período tem sido significativa a atenção por parte de amplos setores populares aos pontos que se colocam em debate. Tanto através dos mecanismos de participação, abertos desde o processo oficial como desde iniciativas mais autogestionadas do movimento social colombiano, tem havido um reconhecimento às conversações de paz como uma oportunidade histórica. Com otimismo se recebeu, ademais, o começo de uma fase exploratória para a instalação de um diálogo similar ao das FARC com o Exército de Libertação Nacional [ELN], que com vários gestos, como o cessar-fogo unilateral em diferentes momentos, já havia evidenciado seu compromisso de paz com justiça social.
Em entrevista com Marco León Calarcá e Camila Cienfuegos, integrantes da delegação de paz das FARC em Havana, destacaram que “essas diferentes ações mostram que o povo colombiano quer a paz”. Ao percorrer cada um dos pontos discutidos até o momento, meus interlocutores não só prestaram conta dos passos dados como também enfatizaram como resultado importante na revisão e inclusão de uma diversidade de propostas que caminharam desde baixo, a partir dos setores populares.
Miriela Fernández: Se tem dito que este é o processo de paz que mais avançou na história da Colômbia. Quem seguiu as conversações durante este ano e meio reconhece que houveram vários avanços nos pontos de reforma rural, participação política e drogas ilícitas. Quais foram até hoje as contribuições concretas que ficam para os atores envolvidos e para a cidadania colombiana?
Marco Calarcá: Bem, realmente nós começamos este processo há mais de um ano e meio, a partir de setembro de 2010, quando começamos a conversar sobre temas concretos. Em fevereiro de 2012 começamos o que conhecemos como encontro exploratório que concluímos com o Acordo Geral para a terminação do conflito e a construção de uma paz estável e duradoura, que essa agenda de seis pontos contém. Aí nós gastamos aproximadamente seis meses. Terminamos exatamente em 26 de agosto de 2012 e, para começar o desenvolvimento da agenda, na Mesa de Conversações, pois gastamos outros três meses porque esse início foi a 19 de novembro de 2012.
Então, se alguém olha os tempos –estou sendo explícito nisto para levar em conta que não é como dizem em minha terra “soprar e fazer garrafas”-, é um conflito em todas as ordens: econômica, política, social, cultural, que dura mais de cinquenta anos.
Nós acabamos de completar como FARC-EP cinquenta anos, porém o conflito vai mais além. Nós podemos situá-lo perfeitamente na lei 200, Lei de Terras de 1936. Então, não é para justificar que se demore [o diálogo] ou se demore é para fornecer elementos à análise dos tempos. Todos queremos em Colômbia, em Nuestra América e no mundo conquistar a paz, porém não é um problema somente de vontade, é um problema de que há escolhos fortes pelas concepções e ideias políticas que predominam. Nosso plano é muito simples, paz com justiça social, dignidade, que o povo possa viver de seu trabalho, soberania, democracia plena. Bem, a partir de novembro começamos a discussão da agenda e conquistamos acordos parciais, há que dizê-lo, em três pontos: o ponto que tem a ver com a terra, reforma agrária integral; o ponto que tem a ver com a democracia, a participação política e o que tem a ver com o problema das drogas ilícitas, com muito nexo com o primeiro ponto. E ressalto que são acordos parciais porque há limitações desde temas importantes que mais cedo que tarde temos que abordar na construção deste acordo.
Consideramos que no primeiro ponto conquistamos importantes avanços em torno do desenvolvimento da economia campesina, para garantir que a terra seja entregue ao que a trabalha, o campesino, a população rural. Esta inclui os campesinos, os indígenas e as comunidades negras. É para que se lhes seja legalizada a terra que já possuem, toda a terra que já está em mãos dessa gente vai ser legalizada. Essa é uma contribuição muito importante. Também deixamos claro no acordo que não se trata só de entregar a terra, senão que de gerar as condições para que as pessoas possam viver do trabalho dessa terra. Tem que ser produtiva, e para isso ter a assistência técnica, ter ferramentas, agregar valor às colheitas. Há que ter garantias para a comercialização dos produtos, há que ter preços, vias de comunicação para poder comercializar. Quer dizer, uma infraestrutura econômica, social porque temos falado da necessidade das escolas, de centros e saúde, hospitais, atenção médica, e de que haja formação para que campesinos e campesinas, sejam indígenas, negros e negras, mestiços, possam aumentar a produtividade do campo, que hajam as mesmas condições de bem-estar social que nos estamos propondo para as cidades, começando pela simples energia.
Colômbia é um país com potencial energético muito grande, porém com uma capacidade instalada de distribuição de energia muito pequena. Não se distribui para o campo. Tudo isso está incluído dentro do primeiro ponto. Há limitações, dizemos, como o tema do latifúndio. O governo colombiano não quer tocar no latifúndio e então acordamos que haja um fundo de terra e não temos até agora o tamanho desse fundo para responder aos problemas da população rural. Nós pensamos que isso se resolve tirando terras do latifúndio, começando, claro, pelo latifúndio improdutivo. Em Colômbia dizer latifúndio e latifúndio improdutivo é um pleonasmo porque todos são improdutivos. Fundamentalmente estão destinados à pecuária e chegamos ao excesso em Colômbia de que a cada vaca lhe correspondem dois hectares, 32 milhões para 16 milhões de cabeças de gado. Então, dizemos que há que restringir o latifúndio para fazer essa terra produtiva. Há que parar [com] a estrangeirização da terra. Não se pode vender a terra para as potências estrangeiras e muito menos para as transnacionais. Temos que fazer uma reorganização territorial, que se saiba qual é a terra para os cultivos, para a pecuária, para utilizar na mineração, esse ordenamento territorial faz falta, digamos que essas são as principais limitações nesse primeiro ponto.
O segundo ponto, de participação política, começou muito mal porque se tratou de instalar no ideário do povo que se tratava da participação política de guerrilheiros e guerrilheiras das FARC-EP e nós não estamos falando disso. Nós nunca pensamos neste diálogo nem nos anteriores, porque esta já é a quarta tentativa, nunca pensamos em benefícios próprios ou solucionar os problemas dos guerrilheiros e das guerrilheiras. No centro destes acordos estão os problemas da maioria. Resolvido o problema das maiorias dos colombianos, resolvido o problema de guerrilheiros e guerrilheiras.
Então, estamos falando de democracia, de que haja democracia real. Falamos das necessidades de reformar o Estado, a justiça, o sistema eleitoral e tudo isso ficou tocado, digamos, porém falta arredondar aspectos democráticos, por exemplo, no referente aos meios de comunicação, porque não há competição democrática quando somente uns podem ser ouvidos, quando uns, os poderosos, podem dar informação e os setores populares não têm acesso a isso. Pois, tendente a tocar esse tema, a resolver isso, acordamos um novo canal de televisão para os movimentos sociais e políticos, porém é insuficiente e há problemas sérios... Para fazer política as pessoas têm que estar vivas. Então, há que garantir o direito à vida, e enquanto exista a doutrina da segurança interna, regendo os destinos do país, na qual se considera ao próprio povo como inimigo, não há garantia para a vida, e enquanto exista o paramilitarismo como ferramenta funesta do Estado, não há garantia de vida, e sem garantia de vida não se pode fazer política.
M.F.: Se acordou também outorgar direitos políticos aos movimentos sociais e organizar um evento para discutir, elaborar esse mecanismo de participação política dos movimentos sociais e organizar um evento no qual sejam os partidos políticos os que elaborem o estatuto da oposição, que está mandatado pela Constituição de 1991, ou seja, que levamos mais de 20 anos, está na Constituição e não o cumprem... Bem, a paz está também na constituição e tampouco se cumpre.
M.C.: Esse é um dos aspectos mais complexos, tendo em conta que as FARC têm sido acusadas de relações com o narcotráfico, o que Zuluaga utilizou também em sua campanha eleitoral. Que representa para vocês e logo para os colombianos e colombianas o acordo neste ponto?
Nós o tratamos sob a seguinte ótica. Somente a comercialização é o negócio que conhecemos como narcotráfico e é um negócio próprio do capitalismo e cumpre com todas as normas dos negócios neoliberais. Há uma enorme taxa de lucro, porém isso se vê como se houvesse narcotráfico e se ataca aos escalões mais frágeis da cadeia. Nós dizemos: uma coisa é a produção de folha de coca, da maconha, da amapola; outra coisa é o consumo, e outra é o negócio que é o narcotráfico e que vai desde os que compram a matéria-prima nas zonas rurais até os grandes capos do narcotráfico, que são os que sacam a cocaína, não as plantas, a cocaína para os centros de consumo, que são fundamentalmente os países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos e os da Europa ocidental.
Nesses três aspectos abordamos a discussão desse ponto. Já dissemos, a primeira parte da produção tem a ver muito com o tema da terra. É que os campesinos em Colômbia, a população rural está produzindo folha de coca, maconha, amapola, que é mínima. Essa população faz assim porque é o único produto que lhe garante a subsistência. Qualquer pessoa diria que estes campesinos se enriqueceram, e é mentira, esses campesinos subsistem, vivem e mal, porém não há nenhum produto, banana, mandioca, cacau, borracha nem nada que eles possam produzir e que lhes permita essa subsistência. Então, claro, chegaram a isso.
Por isso, dizemos que as causas do cultivo são econômicas e sociais. Resolvido isso, então se resolve o problema dos cultivos. Dizemos, há que fazer uns planos especiais enquadrados nos planos de reforma agrária integral, uns planos especiais para as zonas onde há produção de cultivos suscetíveis ao uso ilícito, e aí, na medida em que o povo das comunidades, acordado com as comunidades, se comprometa a deixar o cultivo, então se desenvolva o plano para que possam subsistir, para que possam garantir sua vida com outra produção. Porém, o povo não pode dizer deixo o cultivo, porque de que vai viver enquanto isso? Acordamos uns subsídios que permitam ao povo fazer esse trânsito entre a economia ilegal a e produção legal. Ligado a isto dizíamos do fortalecimento da economia familiar, planos de desenvolvimento alternativo, entregar a terra e a possibilidade de explorá-la para que possam viver disso.
Também nós negamos rotundamente a possibilidade de continuar com as fumigações, a aspersão aérea.
Tem se descampesinado o campo colombiano. Têm havido mal-formações genéticas e têm gerado muitos problemas. O outro é que esse acordo também vá amparado do compromisso de que não voltem a ocorrer essas fumigações, que têm matado animais, acabado com a fauna, com a flora, a contaminação da água, o meio ambiente. Isso também faz parte dessa grande tragédia em Colômbia.


(primeira parte)

--
Equipe ANNCOL - Brasil
anncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com