Xô, abutres! Sobre um encontro histórico
Nos últimos 200 anos nunca estivemos tão próximos de reverter a dependência financeira que historicamente caracterizou a região.
Por José Renato Vieira
Martins (*)
O encontro BRICS / UNASUL
deu um chega pra lá nos abutres, os fundos especulativos
internacionais cujo ataque à Argentina visa a fragilizar política e
financeiramente toda a região. Comovida, a presidente Cristina
Kirchner agradeceu a solidariedade.
O tema não estava
previsto na pauta oficial, mas juntamente com a parceria entre o
Banco do Sul e o Novo Banco de Desenvolvimento – questão levantada
pelo presidente Maduro, da Venezuela - a discussão tornou-se um dos
pontos centrais do encontro realizado em Brasília no dia
16/07/2014.
Segundo o governo
argentino, os papéis em posse desses fundos foram comprados na bacia
das almas muitos anos depois da renegociação da dívida. Se esta
loucura não for detida, o rombo nas contas públicas da Argentina
poderá ultrapassar a casa dos U$ 46 bilhões, levando a uma
moratória técnica com efeitos sistêmicos sobre toda a região, a
começar pelo Brasil.
Em seu discurso de
agradecimento a presidente Cristina Kirchner criticou duramente a
cobrança da dívida e disse que o país está sofrendo um ataque
especulativo. “Esses fundos abutres não foram investidores na
Argentina, compraram bônus em 2008, quando já havia passado sete
anos da declaração do default. Eles nunca emprestaram dinheiro à
República Argentina, mas compraram por centavos uma dívida de U$ 48
milhões”, observou a presidente.
Por isso, no atual
contexto, a realização do encontro BRICS / UNASUL adquire uma
relevância maior para toda América do Sul.
Nos últimos 200 anos
nunca estivemos tão próximos de reverter a dependência financeira
que historicamente caracterizou a região. O chega pra lá nos
abutres é uma prova disso, e foi acompanhado de críticas ao FMI e
apoio a criação do Banco do BRICS. Futuramente este encontro será
estudado como um dos acontecimentos que deu origem a nova ordem
financeira mundial.
A principal diferença é
que agora a América do Sul está entre os protagonistas, e não mais
entre os espectadores, como aconteceu há 70 anos quando foram
criadas as instituições de Bretton Woods.
Ao fazer jus ao que há de
melhor em nossa tradição diplomática, a presidente Dilma se
adiantou em dizer que os novos instrumentos financeiros não são
contra ninguém, mas a favor da soberania da América do Sul. Às
vésperas de uma campanha eleitoral que promete ser uma das mais
acirradas ideologicamente do período recente, um pouco de elegância
não faz mal a ninguém. Sobretudo quando alerta para os riscos de
uma eventual regressão da nossa política externa independente
contidos nas promessas da oposição.
Fossem vivos, Raúl
Prebisch e Celso Furtado estariam exultantes. O momento é mesmo de
comemoração.
(*) José Renato Vieira
Martins, professor da UNILA, vice-presidente do FOMERCO,
ex-pesquisador visitante do IPEA.
(Com apoio de Carta
Maior)