Deus não estava no Maracanã
Por
Rafael
Grillo*
Deus não estava no domingo
no Maracanã. De que outro modo entender que permitisse ganhar a
competição os nativos do país de um Papa que abdica e não os
conterrâneos do pio Francisco, que hoje dá a cara da cadeira do
Vaticano?
Tampouco esteve quando do
“Mineiraço” de uns dias atrás. Nessa quarta-feira de cinza,
onde o povo que se ufana de que “Deus é brasileiro” e adora
Pelé, o ídolo de ébano, foi castigado com sete golaços olímpicos.
Um marcador de escândalo: nada menos que 7 –o número mágico-
tantos contra o bom anfitrião, da equipe ganhadora de 5 Copas, das
hostes iluminadas pelos Neymar Jr. E
David Luiz...
Como assimilar que Deus
permitisse a coroação de um adventício na América, na comarca que
uma vez foi o Novo Mundo ou Paraíso na Terra? Mais ainda se os
bem-aventurados foram os netos desses rudes vikings que disputam a
primazia do descobrimento a São Cristóvão, o padroeiro dos
viajantes; o Colombo que empreendeu travessia sobre três caravelas
benzidas por Reis Católicos...
Chamem-me de herege,
apóstata, o que queiram. Porém repito: Deus não esteve na Copa
do Mundo do Brasil.
Ainda que, mais bem, cabe dizer que não estava em nenhuma parte,
porque nem sequer viu do outro lado do mundo como os de Judeia, seu
povo eleito, demoliam os Mandamentos e as casas e os corpos dos
palestinos.
Toda a Alemanha festejou o
regresso de sua Mannschaft,
uma legião triunfante de rosto múltiplo: Müller,
Klose, Neuer, Kross, Schurrle, Özil, Lam, Khedira… Uma tropa de
elite, sim. Porém, não endurecida em fráguas de Vulcano
nem iluminada com os raios do todo-poderoso. Em todo caso, uma
partida moldada com a herança do rei Odin e seus corvos negros,
Hugin (pensamento)
e Munin (memória),
que são características tidas também por nós, os humanos. O
mérito é do técnico Low, quem aprendeu de derrotas anteriores e
aperfeiçoou tática e estratégia. Quem colheu o fruto de um salto
evolutivo, desde os pesados tanques de guerra que foram, até a
virtuosa orquestra de Berlim que hoje é. Pelo meio houveram anos de
paciência e dissipação de recursos e energias para melhorar a
pedreira e ordenar a Bundesliga.
Argentina queria coroar
Messi como um novo Deus, como o legítimo continuador daquele DEUS do
86, Dieguito Maradona, o qual pôs sua mão de menino malandro, de
filhote rebelde do potreiro, para burlar a imperial hoste de Albión
e se sacou um gol interpretado como mediação do Eterno.
Porém a Glória, que tão
perto esteve, também longe ficou; e os naturais da terra do tango
triste e de Borges o Cético tiveram que conformar-se com o regresso
dos anjos caídos. De um esquadrão com o olhar posto no solo e não
nas nuvens, encabeçado pelo chefinho Mascherano, e seguido por um
“Lío” mais parecido com o garoto rosarino de talento imenso e
transtorno do crescimento que do gênio dos 91 gols com o Barcelona;
atrás, Di María com a coxa contundida, e Lavezzi, Garay,
Demichelis, Rojo...
Dando o destino seu giro
mais afortunado, e acaso inesperado, a pátria alviceleste logo
enxugou as lágrimas e acolheu seus compatriotas com aplausos. A
torcida batia no peito para dizer: “Esta equipe argentina ficou em
meu coração. Deixaram a alma no terreno”. Assim, esquecendo-se de
maravilhas celestiais, premiaram os rostos do heroísmo humano: a
humildade, a simplicidade, o espírito coletivo, o esforço.
Chamem-me de ímpio. Mas a
grande lição do Maracanã é que não vivemos tempo de deuses. E o
futebol é uma simples questão de homens.
*O autor do artigo é um
jornalista cubano. Escreve sobre literatura, cinema e artes
visuais. É chefe de Redação da revista cultural cubana El Caimán
Barbudo.
Tradução:
Joaquim
Lisboa Neto
--
Equipe ANNCOL - Brasilanncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com
--
Equipe ANNCOL - Brasilanncol.br@gmail.com
http://anncol-brasil.blogspot.com