Nacionalismo angustiado
O país deveria reescrever a sua história, colocar nos devidos lugares os verdugos e seus cúmplices; deveria revelar-se, de forma séria, o que realmente aconteceu e revelar os beneficiados com a depredação continuada de terras, os herdeiros políticos que se alimentam dos juros da violência, alguns desde os anos 50.
Gustavo Adolfo Salazar*/La Semana
No século XX as elites colombianas encontraram um país muito longe do desejado e alvo sonho europeu que tivessem cobiçavam. Por isso promoveram uma lei de imigração que pretendia o “melhoramento das condições étnicas”. O país mestiço estava condenado ao atraso. O sangue negro, para Laureano Gómez era “uma disfunção” e a identidade da nação colombiana, para muitos, era uma vergonha, resultado de uma desafortunada combinação de raças geneticamente propensas ao álcool e à violência.
A prova da “degenerada raça colombiana” seria a onda de violência dos anos 50, que uma agência do governo norte-americano chegou a tentar justificar pelo excesso de mestiçagem. Portanto, à perigosa identidade mestiça somava-se uma nefasta conseqüência: a violência como traço biológico. Os eventos da época pareciam confirmar a esta noção que, com o tempo, se cristalizaria como verdade empírica insofismável.
Para mudar esse trágico destino o país investiu na redefinição da sua identidade enquanto nação e lançou-se de cabeça na tarefa de construir referenciais e símbolos que elevassem a sua maltratada auto-estima. Permitiu que se construísse uma liderança disposta a tergiversar e apagar a sua própria história e aceitou impassível, por considerar necessário, os excessos, mentiras e o estupro da pouca democracia que ainda restava; o país assimilou o triunfalismo e a futilidade da sua high-society, considerando como parte do seu patrimônio cultural as estátuas que os políticos oportunistas erigiram a Shakira, Pibe e Juanes.
Também cantam loas à exuberância e à beleza natural, treinam guias de turismo para exibir a grandeza de Cartagena, escravista até os nossos dias, sem mostrar que - literalmente - a merda ferve nas ruas dos bairros onde eles moram. Os guias descrevem em detalhes os Tayronas e sua Cidade Perdida, enquanto as autoridades permitem que se prenda, torture e assassine os seus descendentes Kankuamos, Koguis, Ikas e Arhuacos.
Os símbolos são redefinidos, o videoclipe do hino nacional é repleto de helicópteros e heróis camuflados, as mãos são levadas aos corações, levantam-se monumentos aos soldados e policiais mortos em combate, a bandeira flameja, “a pátria assim se forma”.
A nação é “lembrança e é esquecimento”, mas essa nova iconografia deixa de lado a face real, torturada e presente: as vítimas, e, com elas, a realidade. O país deveria encher-se também de monumentos aos desaparecidos, essas vítimas esquecidas e desaparecidas novamente pelo discurso político e midiático; o governo deveria ter um compromisso ético e não uma simples norma jurídica em relação aos desaparecidos. Também deveria assumir, de uma vez por todas, as suas necessidades e reivindicações.
O país deveria reescrever a sua história, colocar em seus devidos lugares os verdugos e seus cúmplices; deveria revelar-se, de forma séria, o que realmente aconteceu e revelar os beneficiados com a depredação continuada de terras, os herdeiros políticos que se alimentam dos juros da violência, alguns desde os anos 50. O país precisa conhecer os rostos dos empresários da motosserra, agroindustriais, mineradores, latifundiários, essa “boa gente” que têm passado por inocentes no inexplicável silêncio e mentira das mal chamadas versões livres.
Por isso levar a pulseira tricolor, lustrar orgulhoso o sombrero vueltiao, tem um bom berço como carteira, cantar emocionado o hino nacional, construir monumentos, nada disso serve. Não bastam para construir uma nação verdadeira, só servem para exibir o profundo desejo de esquecer o passado, a angústia por construir uma nova identidade. Dizia Ernest Renan, um dos maiores intelectuais franceses do século XIX, que uma nação é uma comunidade de interesses, “uma alma, um princípio espiritual”.
Mas nesse país a identidade está sendo forjada pelo ódio, raiva, intolerância e desrespeito. São valorizados aqueles que acham que uma nação se constrói sem as diferenças e verbalizam isso em público, estigmatizando os diferentes. Desqualifica-se o protesto, criminalizam-se os opositores, se golpeia o juiz, acusam-se com más intenções os jornalistas dissidentes. Cria-se questões e disputas com os países vizinhos porque isso gera dividendos políticos e “anima os espíritos”, sem que se dêem conta que isso ao mesmo tempo os empobrece.
Os povos indígenas, por exemplo, quando reivindicam terras são latifundiários e quando protestam são terroristas; os negros, elo fraco agora subversivos, devem esperar e suportar seu atrevimento em um exercício de absurdo racismo. Falsas categorias morais inundaram o tecido social, desqualificar o próximo transformou-se em um pérfido hábito aplaudido publicamente, dizer mentiras é um recurso que parece válido e sem conseqüências e a corrupção se esgueira em todos os lugares. Usa-se um tom ufanista para falar sobre a nação, a pátria e a imagem internacional, enquanto o corpo diplomático é uma camarilha, um balcão de negociatas nas mãos de especialistas em clientelismo e tempero manzanillos, quando não dão o refúgio a obscuros personagens acusados de crimes contra os direitos humanos.
Uma nação, em seu espírito, deve ser, recorrendo novamente a Renan, “uma grande solidariedade”. Essa nação que está sendo construída a partir do ódio, do preconceito e da exclusão, essa nação não é a minha.
*Gustavo Adolfo Salazar é professor da Faculdade de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Javeriana.
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Gustavo Adolfo Salazar*/La Semana
No século XX as elites colombianas encontraram um país muito longe do desejado e alvo sonho europeu que tivessem cobiçavam. Por isso promoveram uma lei de imigração que pretendia o “melhoramento das condições étnicas”. O país mestiço estava condenado ao atraso. O sangue negro, para Laureano Gómez era “uma disfunção” e a identidade da nação colombiana, para muitos, era uma vergonha, resultado de uma desafortunada combinação de raças geneticamente propensas ao álcool e à violência.
A prova da “degenerada raça colombiana” seria a onda de violência dos anos 50, que uma agência do governo norte-americano chegou a tentar justificar pelo excesso de mestiçagem. Portanto, à perigosa identidade mestiça somava-se uma nefasta conseqüência: a violência como traço biológico. Os eventos da época pareciam confirmar a esta noção que, com o tempo, se cristalizaria como verdade empírica insofismável.
Para mudar esse trágico destino o país investiu na redefinição da sua identidade enquanto nação e lançou-se de cabeça na tarefa de construir referenciais e símbolos que elevassem a sua maltratada auto-estima. Permitiu que se construísse uma liderança disposta a tergiversar e apagar a sua própria história e aceitou impassível, por considerar necessário, os excessos, mentiras e o estupro da pouca democracia que ainda restava; o país assimilou o triunfalismo e a futilidade da sua high-society, considerando como parte do seu patrimônio cultural as estátuas que os políticos oportunistas erigiram a Shakira, Pibe e Juanes.
Também cantam loas à exuberância e à beleza natural, treinam guias de turismo para exibir a grandeza de Cartagena, escravista até os nossos dias, sem mostrar que - literalmente - a merda ferve nas ruas dos bairros onde eles moram. Os guias descrevem em detalhes os Tayronas e sua Cidade Perdida, enquanto as autoridades permitem que se prenda, torture e assassine os seus descendentes Kankuamos, Koguis, Ikas e Arhuacos.
Os símbolos são redefinidos, o videoclipe do hino nacional é repleto de helicópteros e heróis camuflados, as mãos são levadas aos corações, levantam-se monumentos aos soldados e policiais mortos em combate, a bandeira flameja, “a pátria assim se forma”.
A nação é “lembrança e é esquecimento”, mas essa nova iconografia deixa de lado a face real, torturada e presente: as vítimas, e, com elas, a realidade. O país deveria encher-se também de monumentos aos desaparecidos, essas vítimas esquecidas e desaparecidas novamente pelo discurso político e midiático; o governo deveria ter um compromisso ético e não uma simples norma jurídica em relação aos desaparecidos. Também deveria assumir, de uma vez por todas, as suas necessidades e reivindicações.
O país deveria reescrever a sua história, colocar em seus devidos lugares os verdugos e seus cúmplices; deveria revelar-se, de forma séria, o que realmente aconteceu e revelar os beneficiados com a depredação continuada de terras, os herdeiros políticos que se alimentam dos juros da violência, alguns desde os anos 50. O país precisa conhecer os rostos dos empresários da motosserra, agroindustriais, mineradores, latifundiários, essa “boa gente” que têm passado por inocentes no inexplicável silêncio e mentira das mal chamadas versões livres.
Por isso levar a pulseira tricolor, lustrar orgulhoso o sombrero vueltiao, tem um bom berço como carteira, cantar emocionado o hino nacional, construir monumentos, nada disso serve. Não bastam para construir uma nação verdadeira, só servem para exibir o profundo desejo de esquecer o passado, a angústia por construir uma nova identidade. Dizia Ernest Renan, um dos maiores intelectuais franceses do século XIX, que uma nação é uma comunidade de interesses, “uma alma, um princípio espiritual”.
Mas nesse país a identidade está sendo forjada pelo ódio, raiva, intolerância e desrespeito. São valorizados aqueles que acham que uma nação se constrói sem as diferenças e verbalizam isso em público, estigmatizando os diferentes. Desqualifica-se o protesto, criminalizam-se os opositores, se golpeia o juiz, acusam-se com más intenções os jornalistas dissidentes. Cria-se questões e disputas com os países vizinhos porque isso gera dividendos políticos e “anima os espíritos”, sem que se dêem conta que isso ao mesmo tempo os empobrece.
Os povos indígenas, por exemplo, quando reivindicam terras são latifundiários e quando protestam são terroristas; os negros, elo fraco agora subversivos, devem esperar e suportar seu atrevimento em um exercício de absurdo racismo. Falsas categorias morais inundaram o tecido social, desqualificar o próximo transformou-se em um pérfido hábito aplaudido publicamente, dizer mentiras é um recurso que parece válido e sem conseqüências e a corrupção se esgueira em todos os lugares. Usa-se um tom ufanista para falar sobre a nação, a pátria e a imagem internacional, enquanto o corpo diplomático é uma camarilha, um balcão de negociatas nas mãos de especialistas em clientelismo e tempero manzanillos, quando não dão o refúgio a obscuros personagens acusados de crimes contra os direitos humanos.
Uma nação, em seu espírito, deve ser, recorrendo novamente a Renan, “uma grande solidariedade”. Essa nação que está sendo construída a partir do ódio, do preconceito e da exclusão, essa nação não é a minha.
*Gustavo Adolfo Salazar é professor da Faculdade de Ciências Políticas e Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Javeriana.
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