O juramento de Angelino Garzón
Seu crânio é ovóide e sua fronte um pouco projetada entre duas grandes mechas de pêlo ralo.
Alberto Pinzón Sánchez
A imagem correu o mundo, enviada pelo Escritório de Imprensa da Presidência da República da Colômbia, para testemunhar fotograficamente o momento solene no qual Angelino Garzón, o outrora “proletário comunista” fundador e presidente da Central Unitária de Trabalhadores da Colômbia, jurou fidelidade ao regime de Uribe Vélez, representado pelo seu ministro de Relações Exteriores, Jaime Bermúdez Merizalde, durante a sua posse como embaixador no Escritório Internacional do Trabalho em Genebra.
É uma foto despretensiosa. Nela aparecem os dois personagens cara-a-cara. “Ángel” - com os seus inchados e pequenos olhos de madrugador tresnoitado, olha Bermúdez com intensidade e um pouco de incredulidade, como se refletisse: “Não pode estar certo, a que ponto cheguei!” - toma ar e segura a respiração. Depois expira lentamente por uma pequena abertura no canto da boca, escondida no lábio superior por duas pequenas faixas de pêlos negros separadas por um espaço vazio que parecem ser o que na Colômbia chamamos buço. Uma região cuidada com zelo para tentar dar volume e mascarar assim a boca pronunciada. Um pouco do ar é ainda retido em bochechas fortes, de pele bem barbeada, que deixam entrever o contorno de potentes músculos cultivados pelo velho hábito de mascar, ruminar e tragar silenciosamente e com calma.
Seu crânio é ovóide e sua fronte um pouco projetada entre duas grandes mechas de pêlo ralo, evidenciando uma dessas inteligências dúbias, hipócritas ou ladinas de grande capacidade que nos congressos costumam apelidar de “pragmáticas”. A cabeça sustenta-se em dois potentes ombros por meio de um pescoço largo de boi manso, por sua vez oprimido por uma camisa de popeline branca e um nó-de-gravata mal feito, ou feito às pressas, ou mal acomodado, de raios dourados sobre um fundo vermelho que só faz levantar as carnes do pescoço.
À frente ele tem a mão direita levantada com os dedos separados, ao estilo angelical e trágico usado por El Greco para pintar seus personagens torturados, mostrando as linhas da palma da mão a Bermúdez. A notícia que acompanha a foto diz que ele está jurando. Discordo, pois não há uma Bíblia na foto. Um livro tão importante para um “ex-seminarista eterno”, como sempre foi “Ángel”, apesar de todos os seus contra-juramentos e abjurações atéias de marxista-leninista que ele fez inclusive em público durante sua oculta e longa carreira de comunista disfarçado. Pareceria melhor que ele pedisse que Bermúdez lesse seu destino na mão suarenta e frouxa que entressaía da negrura de seu traje. Atrás dele sobressai a moldura dourada de uma obscura pintura a óleo que dá ainda mais dramaticidade ao palco de paredes de madeira talhada.
Em sua frente, não olhando para a sua mão, mas para o seu rosto, sua expressão, vê-se um Bermúdez um pouco corcunda, ladeado pelas cores amarela e azul de algo que parece ser a bandeira colombiana, com uma copiosa juba no estilo argentino que lhe oculta as orelhas e seu aspecto sinuoso e suave. Parece estar pronunciando o seu característico discurso de ministro da Opus Dei, dizendo, em voz pausada e musical:
-Lembre-se (porque é certo que o lisonjeará em sinal de superioridade) do juramento que algum dia você fez ao monsenhor Escrivá de Balaguer. Não está escrito nesse papel que eu te ensino, ou mostro, ou exibo, porque o que está escrito (é possível vislumbrar as colunas com as cifras) é o montante da recompensa que você receberá em francos suíços graças à persistência da tua fé. À simulação, ao ocultamento de artista do engano cujo papel durante tantos anos você desempenhou, e a categoria com que você soube se infiltrar nas organizações dos ateus que buscam um Mundo melhor aqui e agora e não no além. Mas agora, por teu empenho e dedicação aprendida em teus tediosos dias de seminarista faminto, você receberá a recompensa que merece da mesma forma como temos feito com Rojas e outros “infiltrados” que nos ajudaram enormemente a desmoralizar os nossos inimigos: os inimigos da fé. O dragão que ataca São Jorge! Lembra, estimado Ángel, aquela máxima do Imperialismo tão pratica e comprovada durante séculos que eu mesmo tive que aprender durante meu mestrado em Ciências Políticas em Oxford: “Se quer dominar um país é melhor corrompê-lo que ocupá-lo”. Por acaso você conhece outro país como a Colômbia, onde a decomposição e a podridão, não só física como também moral, seja ainda maior?
Penso que “Ángel” não deu resposta; pelo menos não se vê na foto. Ele saiu daquele irrespirável e oprimido aposento satisfeito com o seu reconhecimento e a recompensa recebida, disposto a ocultar em Genebra, com obstinação monacal, o que é impossível ocultar: que durante os 6 anos do regime de Segurança Democrática de Uribe Vélez (ao qual agora jurou pertencer) não foram eliminados pelo Estado 100 sindicalistas, nem 15 mil civis desapareceram da mesma forma. Deve ter saído caminhando no mesmo passo que todos conhecemos durante o seu trabalho de “abnegado” proletário: com passos curtos e projetando a ponta dos pés para a frente, tratando de golpear a pesada batina imaginária que uma vez ele usou no seminário maior, mas da qual nunca se despiu inteiramente.
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Alberto Pinzón Sánchez
A imagem correu o mundo, enviada pelo Escritório de Imprensa da Presidência da República da Colômbia, para testemunhar fotograficamente o momento solene no qual Angelino Garzón, o outrora “proletário comunista” fundador e presidente da Central Unitária de Trabalhadores da Colômbia, jurou fidelidade ao regime de Uribe Vélez, representado pelo seu ministro de Relações Exteriores, Jaime Bermúdez Merizalde, durante a sua posse como embaixador no Escritório Internacional do Trabalho em Genebra.
É uma foto despretensiosa. Nela aparecem os dois personagens cara-a-cara. “Ángel” - com os seus inchados e pequenos olhos de madrugador tresnoitado, olha Bermúdez com intensidade e um pouco de incredulidade, como se refletisse: “Não pode estar certo, a que ponto cheguei!” - toma ar e segura a respiração. Depois expira lentamente por uma pequena abertura no canto da boca, escondida no lábio superior por duas pequenas faixas de pêlos negros separadas por um espaço vazio que parecem ser o que na Colômbia chamamos buço. Uma região cuidada com zelo para tentar dar volume e mascarar assim a boca pronunciada. Um pouco do ar é ainda retido em bochechas fortes, de pele bem barbeada, que deixam entrever o contorno de potentes músculos cultivados pelo velho hábito de mascar, ruminar e tragar silenciosamente e com calma.
Seu crânio é ovóide e sua fronte um pouco projetada entre duas grandes mechas de pêlo ralo, evidenciando uma dessas inteligências dúbias, hipócritas ou ladinas de grande capacidade que nos congressos costumam apelidar de “pragmáticas”. A cabeça sustenta-se em dois potentes ombros por meio de um pescoço largo de boi manso, por sua vez oprimido por uma camisa de popeline branca e um nó-de-gravata mal feito, ou feito às pressas, ou mal acomodado, de raios dourados sobre um fundo vermelho que só faz levantar as carnes do pescoço.
À frente ele tem a mão direita levantada com os dedos separados, ao estilo angelical e trágico usado por El Greco para pintar seus personagens torturados, mostrando as linhas da palma da mão a Bermúdez. A notícia que acompanha a foto diz que ele está jurando. Discordo, pois não há uma Bíblia na foto. Um livro tão importante para um “ex-seminarista eterno”, como sempre foi “Ángel”, apesar de todos os seus contra-juramentos e abjurações atéias de marxista-leninista que ele fez inclusive em público durante sua oculta e longa carreira de comunista disfarçado. Pareceria melhor que ele pedisse que Bermúdez lesse seu destino na mão suarenta e frouxa que entressaía da negrura de seu traje. Atrás dele sobressai a moldura dourada de uma obscura pintura a óleo que dá ainda mais dramaticidade ao palco de paredes de madeira talhada.
Em sua frente, não olhando para a sua mão, mas para o seu rosto, sua expressão, vê-se um Bermúdez um pouco corcunda, ladeado pelas cores amarela e azul de algo que parece ser a bandeira colombiana, com uma copiosa juba no estilo argentino que lhe oculta as orelhas e seu aspecto sinuoso e suave. Parece estar pronunciando o seu característico discurso de ministro da Opus Dei, dizendo, em voz pausada e musical:
-Lembre-se (porque é certo que o lisonjeará em sinal de superioridade) do juramento que algum dia você fez ao monsenhor Escrivá de Balaguer. Não está escrito nesse papel que eu te ensino, ou mostro, ou exibo, porque o que está escrito (é possível vislumbrar as colunas com as cifras) é o montante da recompensa que você receberá em francos suíços graças à persistência da tua fé. À simulação, ao ocultamento de artista do engano cujo papel durante tantos anos você desempenhou, e a categoria com que você soube se infiltrar nas organizações dos ateus que buscam um Mundo melhor aqui e agora e não no além. Mas agora, por teu empenho e dedicação aprendida em teus tediosos dias de seminarista faminto, você receberá a recompensa que merece da mesma forma como temos feito com Rojas e outros “infiltrados” que nos ajudaram enormemente a desmoralizar os nossos inimigos: os inimigos da fé. O dragão que ataca São Jorge! Lembra, estimado Ángel, aquela máxima do Imperialismo tão pratica e comprovada durante séculos que eu mesmo tive que aprender durante meu mestrado em Ciências Políticas em Oxford: “Se quer dominar um país é melhor corrompê-lo que ocupá-lo”. Por acaso você conhece outro país como a Colômbia, onde a decomposição e a podridão, não só física como também moral, seja ainda maior?
Penso que “Ángel” não deu resposta; pelo menos não se vê na foto. Ele saiu daquele irrespirável e oprimido aposento satisfeito com o seu reconhecimento e a recompensa recebida, disposto a ocultar em Genebra, com obstinação monacal, o que é impossível ocultar: que durante os 6 anos do regime de Segurança Democrática de Uribe Vélez (ao qual agora jurou pertencer) não foram eliminados pelo Estado 100 sindicalistas, nem 15 mil civis desapareceram da mesma forma. Deve ter saído caminhando no mesmo passo que todos conhecemos durante o seu trabalho de “abnegado” proletário: com passos curtos e projetando a ponta dos pés para a frente, tratando de golpear a pesada batina imaginária que uma vez ele usou no seminário maior, mas da qual nunca se despiu inteiramente.
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