"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

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A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O labirinto colombiano

por Juan Diego García/Colaborador ABP Colômbia

A sucessão de escândalos que sacudiram a Colômbia nos últimos meses contribuiu não só para um desgaste indisfarçável do seu presidente, Uribe Vélez, mas para a deterioração da imagem do país como uma “democracia exemplar”.

Nem o senhor Uribe é um democrata, a julgar pelos seus múltiplos vínculos com todos e cada um dos escândalos em andamento, nem a violência que castiga a Colômbia há décadas pode ser explicada sem considerar o quadro de profundas desigualdades econômicas e sociais suportadas pea ampla maioria da população.

O país está muito longe de ser uma democracia medianamente aceitável e se parece cada vez mais com uma ditadura civil. Além disso, considerando que pobreza e desigualdade também ocorrem em outros países (e provavelmente em maior grau) sem que necessariamente surja uma violência tão crua e permanente, é fácil concluir que a natureza fechada e excludente do sistema político, além do habitual recurso da classe dirigente colombiana à violência como resposta única a toda manifestação de descontentamento popular, são a base lógica do conflito armado hoje existente.

Por isso mesmo parece apenas uma desculpa sem fundamento a posição de Uribe de negar a própria existência desse conflito, que ele reduz a um simples problema de delinqüência comum sem conteúdo político. É óbvio que, além de tentar desqualificar o oponente, Uribe expressa assim a decisão da classe dominante criolla de não negociar nada, exceto a rendição das guerrilhas com a menor contrapartida possível.

Essa foi a estratégia de sempre - neste e nos governos anteriores - e nada indica que isso mudará. Em tais condições, se a guerrilha não for vencida (mesmo que seja golpeada) não estará disposta a depor as armas em troca de nada e a guerra continuará. Se o levantamento camponês tem justificativa política, se a questão da terra aparece como um dos elementos centrais do conflito e a classe dominante sequer considera a necessidade de fazer uma reforma agrária, é igualmente óbvio que a maior responsabilidade (senão a única) desta guerra interminável deve ser assumida pela burguesia criolla.


Mas essa questão tem dimensões bem maiores, se considerarmos os contextos regional e mundial. Os Estados Unidos – e também a Europa - atribuem à Colômbia um papel especial no jogo estratégico continental. O país andino é visto como um agente chave dos projetos econômicos do novo câmbio livre que buscará reforçar a dependência externa e sobretudo impedir qualquer projeto nacionalista na região.

Os Tratados de Livre Comércio (TLC) não são simples acordos comerciais. Incluem muitos outros aspectos e afetam a mesma soberania nacional, de modo que não é estranha a nova atribuição da Colômbia como potência militar regional para defender os interesses do capitalismo internacional.

Com uma infantaria espetacular (estima-se em mais de meio milhão de homens), armamento igualmente desproporcional para a sua população e seu PIB, não estranha que muitos vejam aqui um “Israel andino” destinado a converter-se no braço armado de experimentos políticos imperialistas, numa sucursal dos interesses de Europa e dos Estados Unidos.

Um país altamente militarizado e com governantes obedientes em extremo aos desígnios de Washington é um instrumento útil para ameaçar processos nacionalistas, assegurar controle geoestratégico ao imperialismo e em última instância ter capacidade técnica para fazer intervenções armadas sob direção técnica e financeira de Washington e da União Européia, muito mais comprometida nessa guerra do que se costuma reconhecer.

A intervenção permanente de paramilitares e de serviços de inteligência colombianos na Venezuela, e sobretudo a aberta agressão ao Equador, foram tão só ensaios do que poderia ser no futuro a permanência dessa política. Um papel semelhante atribui-se ao México, utilizando também a desculpa da luta contra o narcotráfico.


Nesse contexto, Uribe Vélez e seu governo, submetido a escândalos diários e desprestígio internacional, podem converter-se em elementos dissonantes que, apesar de muito úteis até hoje, se transformam em pesos extras e descartáveis. Uribe deveria lembrar que “os Estados Unidos não tem amigos, mas interesses” e também que a nova administração americana tende a redefinir o projeto colombiano, que não só tem uma péssima imprensa como é pouco satisfatório em relação aos recursos que lhe foram entregues.

Excetuando as guerras no Afeganistão e Iraque, a Colômbia é o terceiro país que mais recebe ajuda militar dos Estados Unidos, perdendo apenas para Israel e Egito. No entanto, os resultados são pífios.

Efetivamente, como demonstram sem nenhuma sombra de dúvida as estatísticas da ONU e até de instituições norte-americanas, a produção de entorpecentes não só não caiu como cresceu na Colômbia, e as famosas vitórias do governo sobre as FARC são só isso: muito famosas, bem divulgadas e úteis para a propaganda do regime, mas não convencem aos entendidos.

A guerrilha esteve submetida a dificuldades ainda maiores e se recuperou; a segurança conseguida pelo regime em algumas regiões só se deve a alguma retirada tática e temporária das tropas insurgentes. Por tudo isso, e diante da evidência de uma impossível vitória militar sobre a insurgência, multiplicam-se as vozes que chamam à sensatez, ao diálogo amplo, e propiciam a negociação política do conflito.

O preço da guerra torna-se asfixiante. A despesa militar é enorme e se até recentemente parecia impossível suspendê-la (muito menos ampliá-la), na perspectiva de uma crise econômica generalizada que já chegou ao nosso país essas possibilidades são ainda menores. Simplesmente a Colômbia não está em condições de sustentar esse conflito por mais tempo; uma saída pacífica e negociada parece ser o mais prudente.

O custo social e político não é menor. Até setores que apóiam Uribe (aqueles que não estão contaminados pelo militarismo e o fanatismo da propaganda oficial) escandalizam-se pelos vínculos obscuros do governo (e do próprio Uribe) com práticas de corrupção, nepotismo, manipulação e mentiras.

A decepção nas próprias fileiras governamentais aumenta quando se comprovou a ligação do governo com grupos paramilitares (unidos estreitamente, por sua vez, ao narcotráfico) e nos assassinatos de civis inocentes apresentados pelo exército como “guerrilheiros” dados como mortos para cobrar recompensas milionárias, uma prática que com macabro eufemismo os militares chamam de “falsos positivos”. Esses crimes, apresentados inicialmente como condutas excepcionais de alguma “banda podre” da impoluta corporação das Forças Armadas, mostraram-se depois como uma política de longa data para animar as tropas, como uma prática generalizada própria de instituições em decomposição.

Mas seria errôneo pensar que Uribe perdeu toda a sua margem de jogo. De maneira inesperada, esta mesma semana ele ordenou que o Congresso continue as sessões do ano legislativo de 2008 para conseguir a aprovação da sua reeleição em 2010. O presidente colombiano sabe que pelo menos por enquanto não há nenhum candidato que possa enfrentá-lo nas urnas e tem a firme convicção que enquanto as coisas seguirem assim nem a velha oligarquia colombiana e menos ainda os Estados Unidos vão arriscar-se. Ele continua sendo “o homem de Washington” - por enquanto - e confia que não terá a mesma sorte desgraçada de outros governantes autoritários e belicosos que em péssima hora se acharam imprescindíveis.

O artigo encontra-se em ABP Notícias.