Falar de soberania colombiana é uma piada
Por Eva Golinger
Fonte: www.abn.info.ve
A visita de Noam Chomski a Venezuela se realizou num momento histórico em que ocorrem muitas mudanças na América Latina, potenciais mudanças na relação dos EUA com nações latino-americanas, e atualmente existem importantes tensões e conflitos que causam grandes preocupações aos latino-americanos.
Neste contexto, e com o recrudecimento das agressões nos últimos meses, com o golpe de Estado em Honduras, o aumento da presença militar na Colômbia, com a ocupação de mais de sete bases militares, além de um controle territorial em nível militar na Colômbia, temos também a reativação da quarta frota da armada que ocorreu no ano passado mas está sendo usado agora neste contexto.
Também o tom do discurso para a Venezuela tem sido mais forte, acusando a Venezuela de permitir o narcotráfico, terrorismo, e tem havido um aumento do pressuposto militar do Pentágono, para o Comando Sul nesta região.
Eva Golinger (EG): Isto é algum tipo de fenômeno? Agora com um presidente supostamente progressista na Casa Branca vemos mais ataques contra movimentos progressitas na América Latina...
Noam Chomsky (NC): E no resto do mundo. Mas o que acontece na América Latina tem ocorrido há mais tempo. EUA por muito tempo deu por certo que podia controlar a América Latina, e de fato este foi um princípio básico de sua política exterior desde suas origens como república, como uma aspiração, que conseguiram concretizar no século XX. O Conselho de Segurança Nacional, a maior entidade de planejamento, disse que se não podemos controlar a América Latina, como podemos com o resto do mundo?
Henry Kissinger, quando houve o golpe de Pinochet, disse: “temos que desprender-nos de Allende ou não termos credibilidade no resto do mundo”. Esta é a chave para controlar o mundo, e certamente grande parte da economia estadunidense estava baseada em inversões, que eram uma espécie de saqueio, desde o século XIX. Tudo isso ocorreu por muito tempo e de diversas maneiras, intervenção militar, golpes de Estado, agressões, durante o governo de Kennedy, com agressão do Estado, o exército instaurando Estados de segurança no estilo neo-nazista.
Logo chegou o período neoliberal, o controle dos países por meios econômicos, mas no final dos 1990 já não eram tão frequentes, Venezuela é um exemplo, mas ocorria em muitos outros países. Lentamente os países latino-americanos começaram escapar do longo período, desde a época dos conquistadores espanhóis e portugueses, de uma ou outra forma de colonização.
Começaram a liberar-se do FMI, pagar e reestruturar suas dívidas, focarem-se em seus problemas internos, e os EUA começavam a perder o controle, e teria que haver uma resposta, que se espalhou desde o final dos anos 1990, e que tem duas frentes, uma militar, e o outro que denominam promoção da democracia, que é um eufemismo de dominação. Uma frente é militar e a outra é a dominação, e Obama simplesmente está dando continuidade. Não está fazendo nada novo.
Parece diferente de Bush, mas a razão é, se vemos a opinião pública, porta-vozes do governo, eles criticam Bush por não haver prestado atenção à América Latina, e que a região sofreu por isto. De fato é o melhor que já passou para a América Latina, que os EUA dirija sua atenção a outras regiões. Mas Obama quer remediar esta situação a partir de uma perspectiva progressista liberal, prestando mais atenção à América Latina, o que implica um retorno a políticas mais tradicionais, a militarização e a dominação.
O que você menciona como um exemplo, mas vem de antes, e faz muitos anos, por exemplo, o treinamento de militares latino-americanos pelos últimos dez ou quinze anos tem aumentado em grande medida, talvez 50% mais do que era nos anos 1990. E agora a posição militar dos EUA na América Latina é relativamente maior que durante a Guerra Fria. Pela primeira vez, há mais oficiais de treinamento militar que acessores econômicos. A estratégia tem mudado a partir de um esforço para reconstruir uma estrutura de intervenção potencial, e também para a chamada promoção da democracia.
EG: Que temos experimentado em grande medida aqui na Venezuela, através da USAID, a National Endowment for Democracy com financiamento a grupos opositores e agora com participação em uma campanha de contrainsurgência no interior das forças revolucionárias que apóiam o governo, que tentam neutralizar.
NC: Mas estas são políticas de longa data. Os E.U.A. de fato iniciaram uma nova fase do imperialismo faz um século, ao converter-se numa potência mundial, já havia sido uma potência regional, mas com a conquista das Filipinas, esse foi um aumento crucial, pelos anos 1900, matou a centenas de milhares de pessoas, estabeleceu um controle militar parcial, mas tinham que governar o país. Como governar o país? Bem, desenvolveram uma nova forma de colonialismo, com um Estado de vigilância muito complexo, usando a última tecnologia da época para enfraquecer movimentos políticos, para desintegrá-los, promover o fraccionalismo.
Criaram uma força militar-policial paralela que podia usar a força quando fosse necessário. Era muito minucioso e complexo, e de fato tem voltado aos países de origem, os Estados de vigilância no Ocidente: EUA, Inglaterra, desde a Primeira Guerra Mundial, baseados no modelo filipino. E segue até hoje. Filipinas é o único país no leste asiático que não tem participado no rápido crescimento econômico das últimas décadas, e ainda tem uma força militar terrorista, violações aos direitos humanos etc.
As técnicas são: primeiro, uma força militar internamente, se é necessária, e segundo a colaboração dos líderes do Estado, por isso querem infiltrar os movimentos revolucionários, incitar a separação, enfraquecer o poder de outros grupos e obter benefícios de seus contatos com o poder imperial. Os britânicos e os franceses fizeram coisas parecidas, mas desta vez se fez com grande detalhe, algo novo na história do imperialismo, e por conseqüência se estendeu à América Latina.
Por isso é que depois de cada intervenção, por exemplo Haiti, República Dominicana, Nicarágua, onde seja, deixam o país nas mãos da Guarda Nacional e em colaboração com líderes do Estado. E a Guarda Nacional é uma força de terrorismo de Estado. A Guarda Nacional haitiana nunca lutou contra outro país. Seu exército luta contra a população, o mesmo com Somoza.
Esta capacidade se perdeu em parte nos anos 1990 e agora se reconstrói de outra maneira. Mas é uma tradição antiga. De fato data de muito antes. Vale recordar que os EUA é o único país do mundo que foi fundado como um império. George Washington o descreveu como um império infante e por conseqüência tiveram que conquistar o território nacional, isso é imperialismo, não cruzaram mares, mas diferente disso, é imperialismo padrão. Praticamente exterminaram a população, tomaram a metade do território do México e em 1898 começaram a expandir-se a outras regiões, mas o processo é o mesmo.
E é importante saber que o fazem com toda franqueza e com uma crença no caráter divino de sua missão. É um país religioso e sempre tem atuado para cumprir a missão da Divina Providência. George Bush falava nesses termos. Obama não precisa usar as mesmas palavras. É sofisticado. O melhor exemplo, como todos sabem, é a primeira colônia nos EUA: Massachussets. Sua carta de fundação é de 1629, estabeleceram seu escudo em que aparecia um índio apontando sua lança para baixo e um pergaminho saindo de sua boca que dizia “venha ajudar-nos”, assim que os colonos que iam para tomar suas terras e exterminá-los estavam convencidos de que estavam respondendo a esse chamado de auxílio, e essa atitude continua atualmente. Cada agressão, tentativa de XXXX sometimento tem a mesma inspiração. Outros países imperialistas como a França têm atitudes similares, mas está muito mais arraigada na cultura e crença estadunidense. Há um importante XXXX trasfondo religioso, tudo se justifica. O máximo que pode acontecer é que se cometam erros.
EG: Isso é também como uma guerra psicológica, uma manipulação da realidade, para dar essa impressão.
NC: É importante entender que é aceito internamente. Por exemplo, não se pode fazer um comentário crítico sobre qualquer ação dos E.U.A. Obama, por exemplo, é muito elogiado por ser um dos principais críticos da guerra no Iraque. Qual foi sua crítica? Disse que era um grave erro estratégico. Assumiu a mesma posição que assumiu o estado maior alemão depois de Stalingrado. Ou a posição dos russos sobre Afeganistão no início dos 1980. E não chamamos crítica quando é dos nossos inimigos, o chamamos servilismo ao poder. Mas em nosso caso, os liberais, progressistas o chamam oposição principal. E se pode ir mais além e estar ainda dentro do marco doutrinal básico, e vem dessa autopercepção de nobreza, da missão divina de civilizar o mundo, elevá-lo a um nível mais alto, então a dominação e a militarização são considerados primordiais, e de fato no caso da América Latina a esquerda condena Bush por não se focar na América Latina, por não cumprir com a missão civilizadora. Não é surpresa então as ações de Obama.
EG: E é um processo cujo ritmo está aumentando rapidamente.
NC: Em parte por estas razões e em parte porque os problemas são mais urgentes. A chamada “maré rosa” é considerada um verdadeiro perigo. De fato o governo dos E.U.A. está apoiando governos que há quarenta anos havia derrocado. O governo do Brasil, por exemplo. As políticas de Lula não são tão diferentes das políticas de Goulart no início dos anos 1970, quando o governo de Kennedy iniciou um golpe militar e instalou o primeiro Estado de seguridade nacional estilo neonazista, e agora é um país amigo, porque todo o fantasma foi apagado, tanto que agora os E.U.A deve apoiar o tipo de governo que antes havia derrocado e certamente tratar de dominar os outros.
EG: Falemos disso especificamente, porque há o tema do aumento da presença militar estadunidense na Colômbia, que tem causado tensão na região. O governo da Colômbia e o governo dos E.U.A., Obama, defendem que isso é um assunto bilateral, que isto não é uma ocupação ou o estabelecimento de novas bases militares; é um acordo de cooperação em segurança. Mas alguns dos detalhes que sabemos, diferente das três bases, já tem ocupado sob o Plano Colômbia, e mais de uma dúzia de estações de radares, que definitivamente terão acesso a sete bases, uma das quais, em Palanquero, lhes dará acesso aéreo a todo o hemisfério, que não tinham anteriormente, com gigantescos aviões militares de carga tipo C17, e além disso, está o tema de que os E.U.A chama defesa interna em um país estrangeiro, com que treinam forças armadas colombianas, equipes comando especiais, forças especiais, a Polícia Nacional colombiana, os treinam, os comandam e os controlam, e agora existe a possibilidade de uma nova sede para a Escuela de las Américas, agora chamada WHINSEC, na Colômbia, para iniciar o treinamento em outros países da região. Nesta quinta-feira, 28, houve uma reunião de presidentes da Unasur na Argentina para tratar deste tema, que muitos dizem que é uma ameaça para a estabilidade regional. Mas há nações que mantém a posição de que há que respeitar a soberania colombiana. Com governos apoiados por Washington como Brasil, e com o golpe em Honduras que tem sido visto como um ataque contra os países da ALBA. Esta ocupação e ampliação da presença militar na Colômbia é uma tentativa de dividir e impedir um maior progresso da integração latino-americana, primeiro mediante a promoção destes conflitos entre nações, diferente do conflito entre Colômbia como governos de direita e Venezuela como governo de esquerda, com países como Brasil ou Chile, que podem assumir uma posição mais ambígua ou neutra enquanto a respeito da soberania colombiana, que se opõem à expansão militar estadunidense mas sem chegar a condená-la.
NC: Falar de soberania colombiana é uma piada. O Plano Colômbia, criado por Clinton, é uma intervenção agressiva nos assuntos internos da Colômbia, que vem tendo conseqüências. Há um pretexto, e o pretexto é a guerra contra o narcotráfico, mas é só um pretexto e não se pode levar a sério. O estabelecimento das bases militares na Colômbia é uma reação ao fato dos E.U.A ter perdido sua posição militar noutros países. Equador desativou a base em Manta, que dava aos E.U.A grande capacidade de vigilância aérea na região. Paraguai era uma espécie de base militar estadunidense, e isso já acabou. Tinham de reconstruí-la em outro lugar e Colômbia é o único país onde podiam fazê-lo. O golpe em Honduras é parte de outro processo. A América Central havia sido tão devastada pelas guerras contra o terrorismo de Reagan que não eram parte da tendência da chamada “maré rosa”, fazia a integração latino-americana. Honduras estava no caminho da integração, e ainda bem que agora já não, eles acreditam, e na realidade tem se expandido na América Central. Nicarágua é outro caso. Tudo isto me parece que é uma tentativa de recuperar a posição tradicional referida antes, há 10 ou 15 anos o treinamento de oficiais tem aumentado rapidamente, e tem mudado, agora o treinamento é em táticas de infantaria. A idéia é criar forças paramilitares. Não estão treinando policiais de trânsito. O controle da “ajuda” oficial tem mudado do Departamento de Estado, agora está nas mãos do Pentágono, que é uma mudança relevante. Quando estava sob o Departamento de Estado tinha, pelo menos teoricamente, supervisão do Congresso, que quer dizer que havia condições que teria que cumprir, sobre direitos humanos por exemplo, que não se implementavam muito, mas eram uma limitação a possíveis abusos, mas sob o controle do Pentágono, não há regras, tudo é válido.