Extermínio da UP foi um genocídio político: magistrados de Justiça e Paz
Manifestação dos sobreviventes da Unión Patriótica em Bogotá
Pela primeira vez os magistrados da Justiça e Paz asseguraram que os
assassinatos cometidos pelos paramilitares e membros da Força Pública
contra a Unión Patriótica foram um genocídio político.
Dentro
do processo gerado pela Câmara de Justiça e Paz contra Éver Veloza,
conhecido como ‘HH’, ex-chefe paramilitar do Bloque Bananero de las
Autodefensas Unidas de Colombia (AUC), a magistratura assegurou que, de
acordo com a análise histórica e as provas apresentadas pela
Procuradoria, o extermínio da Unión Patriótica (UP) foi um genocídio
político.
Cabe
esclarecer que este tipo de genocídio, segundo a sentença da Câmara de
Justiça e Paz, se refere à intenção de destruir total ou parcialmente um
grupo humano por razões políticas e ocasionar a morte de seus membros
por razão de seu pertencimento ao mesmo, descrição que corresponde à
perseguição da qual foi vítima a UP nas mãos de paramilitares e membros
da força pública durante as décadas de 80 e 90.
De
acordo com a decisão em que se documentam os crimes cometidos por ‘HH’
na região do Urabá, as ações contra membros, simpatizantes e
representantes políticos da Unión Patriótica foram sistemáticas e
generalizadas. Além disso, a promotoria confirmou a participação e
colaboração ativa de membros da força pública.
Porém,
não só os membros deste movimento político se converteram no principal
objetivo do paramilitarismo. Conforme a decisão da Câmara de Justiça e
Paz, a perseguição também foi orientada às organizações sindicais da
região de Urabá.
“Bastava
apenas ser membro de um sindicato ou simpatizante da UP para ser objeto
de acusações, assédios e ataques dos grupos paramilitares”, acrescenta a
sentença da Câmara, que contou com a participação do Magistrado Eduardo
Castellanos.
Dos
88 crimes que foram investigados pela promotoria 17 de Justiça e Paz no
caso de ‘HH’, oito deles têm como vítimas membros da UP e 22
sindicalistas bananeiros de Urabá. Destes 30, a promotoria contabilizou
11 vítimas relacionadas com a Unión Patriótica e 20 com membros de
sindicatos.
Esta
decisão, na qual se aborda pela primeira vez o extermínio da UP como um
genocídio de caráter político, que chegou a tirar a vida de mais de
1.500 pessoas, faz parte de uma decisão prévia à sentença em que ‘HH’
será julgado por 88 delitos que cometeu como chefe paramilitar do Bloque
Bananero de las Autodefensas Unidas de Colombia.
Além
dos delitos contra a UP e os sindicatos, os magistrados de Justiça e
Paz apresentaram os delitos de conspiração, tráfico e porte de armas de
fogo, homicídio à pessoa protegida, sequestro simples, tortura, furto
qualificado, atos de terrorismo e recrutamento ilícito de menores.
O genocídio político da UP
Embora no julgamento de Hebert Veloza, ‘HH’, tenham sido documentados
apenas oito crimes contra os membros da Unión Patriótica, o caso deste
paramilitar serve para demonstrar a perseguição a que foi submetido o
movimento político. Hoje, 20 anos depois da tragédia, ainda é incerta a
cifra total de vítimas que, segundo alguns informes, pode chegar ao
número de quatro mil.
A
Unión Patriótica (UP) surgiu em 28 de maio de 1985, como resultado do
processo de paz implantado pelo governo do Presidente Belisario Betancur
e a guerrilha das FARC. Inicialmente, este movimento político uniu
militantes do Partido Comunista da Colômbia, dirigentes de setores
liberais independentes e guerrilheiros desmobilizados das FARC.
Esta
é a origem da tragédia do partido, que sempre foi estigmatizado como a
ala política das FARC. “Para nós, a UP foi criada pelas FARC. Talvez
muitos simpatizantes nem tivessem algo a ver com a guerrilha, mas pelo
fato de pertencerem a este movimento relacionado com o subversivo, os
matamos”, disse em uma ocasião ‘HH’ dos Estados Unidos.
Conforme
a sentença, “em seu início, aquele movimento esteve vinculado
ideologicamente com as FARC, como um mecanismo político para sua
possível desmobilização. No entanto, foi adquirindo autonomia e
ressonância própria no poder local do país”.
Segundo
documentou a Câmara de Justiça e Paz, no período eleitoral de março de
1986 a 1988, a Unión Patriótica obteve a mais alta votação da esquerda,
convertendo-se na terceira força política do país. “No entanto, o êxito
eleitoral foi afetado pelo aumento no número de homicídios de seus
militantes, presumivelmente por ser uma força política relacionada com a
guerrilha. Tão somente no primeiro ano de sua vida legal, a Unión
Patriótica registrava 300 militantes assassinados”.
Precisamente,
a Câmara cita um informe de 1992, da Defensoria do Povo, em que se
assegurava a “existência de uma relação direta entre o apreciável êxito
eleitoral obtido e a resposta violenta das organizações de extrema
direita, crime organizado, grupos paramilitares, narcotráfico e, em
alguns casos, agentes do Estado, que viram seus interesses políticos e
econômicos menosprezados com o fortalecimento da UP”.
Com
a chegada da UP à região de Urabá, uma zona com presença histórica de
guerrilhas, como o EPL, o ELN e as FARC, os movimentos sociais se
fortaleceram assim como os sindicatos, muitos deles impulsionados pelas
novas forças políticas, fruto das negociações feitas pelo governo
vigente e as guerrilhas, o qual, segundo a sentença, gerou reações
violentas de grupos de extrema direita contra os movimentos sociais,
políticos e sindicais.
Somado
ao anterior, com a penetração do capital do narcotráfico na região de
Urabá e a chegada dos grupos paramilitares foi criada uma aliança para o
extermínio. Conforme a sentença, durante os anos de 1983 e 1984, Fidel e
Carlos Castaño iniciaram a compra de grandes extensões de terra em
Córdoba e Urabá, em um claro processo de expansão e desenvolvimento da
capacidade ofensiva para combater a guerrilha, cuidar da propriedade de
empresas e pecuaristas, garantir o negócio do narcotráfico e atentar
contra militantes, dirigentes e simpatizantes das organizações de
esquerda.
Urabá
se converteu em uma grande pilhagem não apenas por ser um corredor para
o tráfico de drogas e armas. Adicionalmente, como foi possível ser
documentado pela Câmara de Justiça e Paz com base na memória USB
entregue por ‘HH’ à promotoria, Vicente Castaño desenvolveu um
megaprojeto de palma na zona do Chocó, que pretendia abarcar 100.000
hectares de terra.
Neste
contexto, segundo a sentença, as principais vítimas foram os membros da
UP, que ameaçaram os interesses políticos e econômicos de atores legais
e ilegais. “A Comissão Interamericana de Direitos Humanos concluiu que
os crimes cometidos contra a Unión Patriótica tiveram a intenção de
eliminar seus membros e simpatizantes por meio de uma violência
sistemática empreendida pela coordenação de membros do Exército e de
grupos paramilitares, através do chamado ‘plano de golpe de graça’”,
assinala a sentença em sua argumentação.
Por
todas estas razões e por analisar os oito crimes cometidos por Helbert
Veloza contra membros da Unión Patriótica, a magistratura de Justiça e
Paz qualificou pela primeira vez o extermínio da Unión Patriótica como
um genocídio político.
Os
membros da UP assassinados por ‘HH’ foram Vidal Devia Ramírez, Luis
Eduardo Cubides Vanegas, Humberto Pacheco Castillo, Julio César Serna,
Arturo Moreno López, Camilo Solano Baltazar, Walter de Jesús Borja
David, Melquisedec Rentería Machado, Edilberto Cuadrado Llorente, Wilton
Antonio Garcés Montaño e Alejandro Valoyes Mena.
A perseguição aos sindicalistas
As
outras vítimas do conflito na região bananeira de Urabá foram das
organizações sindicais que também eram apontadas sistematicamente como
guerrilheiras ou simpatizantes da subversão. “Em geral, a violação aos
direitos humanos e, em especial, a violência antissindical, em Urabá,
reiniciaram em 1985. Por exemplo, a sede do SINTRAINAGRO (sindicato dos
bananeiros) foi bombardeada e começou o assassinato sistemático de
sindicalistas”.
No
caso do Bloque Bananero que era comandado por ‘HH’, os sindicatos
SINTRAINAGRO e SINTRABANANO foram as principais vítimas. Na maioria dos
20 fatos documentados e provados pela promotoria, o motivo dos
homicídios era a atividade sindical das vítimas.
“Às
vezes é muito difícil distinguir se a violência aponta para a
organização sindical e para as atividades sindicais ou para as
atividades políticas e sociais dos afiliados em outros contextos
organizacionais”, assegurou a decisão, na qual se esclareceu que, no
caso de ‘HH’, as ocorrências se deram pela condição de sindicalistas das
vítimas, tal como o corroboram as declarações livres de ‘HH’ à Justiça e
Paz.
Os
sindicalistas assassinados na região de Urabá pelos paramilitares de
‘HH’ foram Ernesto Enrique Romero Hernández, Rudolf Reinaldo Martin
Paffen Durier, Severo Mosquera Angulo, Osvaldo Vergara Gómez, María
Dolores Romero Perea, Gustavo Vargas Usuga, Rosmira del Socorro Guisao
Castro, Iber Modesto Rojas Moreno, Elías García Díaz, Dairo Pérez
Negrete, Ángel Humberto Zabala Bejarano, Rogelio Mosquera Palacios,
Arcesio Gallego Lozano , Misael Antonio Moreno Córdoba, Luís Antonio
Espitia González, Elmer Antonio Urquijo Beltrán, Jairo Alberto López
Manco, Luís Álvaro David Oliveros, Elkin de Jesús Escobar López e
Gustavo Alberto Gutiérrez López
Por
demonstrar que no caso dos sindicalistas como no dos membros da UP
existiu uma perseguição sistemática e generalizada, a Câmara declarou
que os dois casos constituem delitos de lesa humanidade que não podem
ser julgados como homicídios isolados, mas sim como parte de uma
política do paramilitarismo, às vezes respaldada por membros da força
pública.
[1]; VerdadAbierta: http:// www.verdadabierta.com/
Leia também: Quando 'H.H.' era um 'Escorpião' como
o partido político ex-EPL, Esperanza Paz y Libertad, colaborou com o
extermínio dos militantes da UP e do PCC em Urabá. Quando será
investigado à fundo esse fato e como altos dirigentes do SINTRAINAGRO
desse partido, que continua comandando o sindicato, foram os
colaboradores dos esquadrões da morte em Urabá?
Fonte: http://anncol.eu/
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)