AS FARC-EP EM HAVANA -a verdade e a mentira sobre uma guerrilha heroica
Por Miguel Urbano Rodrigues
É
inocultável hoje que o governo de Juan Manuel Santos não está
interessado em que as conversações de paz de Havana atinjam o
objetivo do acordo esboçado em Oslo com o patrocínio da Noruega e
de Cuba.
Esforça-se,
pelo contrário, para impedir que elas conduzam ao fim do conflito e
à paz desejada pelo povo colombiano.
O
chefe da delegação de Bogotá, Humberto de la Calle, levanta
repetidamente pretextos para ameaçar com o fim das conversações,
impedindo que a discussão dos itens da agenda avance.
A
captura, supostamente pelas Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia –Exercito Popular, de dois polícias no Departamento del
Valle foi o último desses pretextos.
Cabe
lembrar que a organização revolucionaria declarou unilateralmente
em 20 de Novembro do ano passado uma trégua durante a qual suspendeu
todas as operações ofensivas. Optou Santos por um gesto similar?
Não. A sua resposta foi uma intensificação da guerra pelo aparelho
militar do governo -hoje com 500.000 homens- ,o maior e melhor
armado da América Latina. Toneladas de bombas foram lançadas desde
então sobre os acampamentos guerrilheiros.
Perante
a situação criada, as FARC, transcorridos os dois meses da trégua,
retomaram o combate interrompido.
O
governo, com o apoio dos media, acusou-as imediatamente de
comprometerem o bom andamento das conversações de paz. Para
confundir a opinião pública, no pais e no estrangeiro, o Exercito e
o ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzon, recorrem a uma linguagem
dupla.
Quando
o Exercito prende guerrilheiros, os militares e a imprensa informam
que foram «capturados em combate». Mas quando elementos das forças
armadas oficiais são aprisionados pela guerrilha, o governo, a tv e
os jornais afirmam que «militares e polícias foram «sequestrados
cobardemente pelos narcoterroristas (ou bandoleiros e assassinos) das
FARC.»
Humberto
de la Calle, despejando insultos sobre as FARC, inverte os papéis,
responsabiliza-as pela estagnação das conversações de paz e diz
que elas «estão enganadas se acreditam que com este tipo de ações
vão obrigar o governo a um cessar-fogo bilateral».
Desmontando
a mentira e a hipocrisia oficial, as FARC colocaramm os pontos nos ii
num breve comunicado em que esclareceram:
“As
FARC-EP comprometeram-se a não empreender novas ações de caracter
económico .Embora se mantenha a vigência da lei OO2 que se refere
ao nosso financiamento, reservamo-nos o direito a capturar como
prisioneiros de guerra os membros da força pública que se rendem em
combate. O seu nome é PRISIONEIROS DE GUERRA, e este fenómeno
ocorre em qualquer conflito mundial».
Numa
entrevista publicada pelo diário.info a 30 de janeiro p.p. o
escritor Carlos Lozano, diretor do semanário «Voz», órgão do
Partido Comunista Colombiano, denuncia a má-fé dos representes do
Governo nas conversações de Havana e a campanha que apresenta a
Colômbia como um pais democrático.
As
eleições «à colombiana» - esclarece- realizam-se «sob as
condições e vantagens da oligarquia dominante. Por isso temem as
reformas, não aceitam modificar as regras da política porque são
as suas regras».
Neste
contexto, é transparente que o governo de Bogotá tudo faça para
impedir que o processo de paz avance. O presidente Juan Manuel
Santos, numa pirueta algo inesperada, aceitou iniciar conversações
de paz, sob a pressão popular, porque está trabalhando para a sua
reeleição, alias problemática. Foi uma jogada política.
A
oligarquia, o exército e Washington estão empenhados no
prosseguimento da guerra. Dirigindo-se recentemente aos seus
generais, usou uma linguagem agressiva, esclarecedora do seu
pensamento: “todos sabem que têm de triplicar o número de ações
até terminarmos esta guerra pelas boas ou pelas más».
O
comandante Ivan Marquez, chefe da delegação das FARC, arrancou a
máscara de Juan Manuel Santos numa conferência de imprensa, em
Havana, no dia 1 fevereiro.
Lembrou
que o governo recusou todas as sugestões apresentadas pelas FARC
para dinamizar a agenda no espirito do acordo de Oslo.
Respondeu
com um NÃO rotundo às seguintes propostas:
-
a realização em território colombiano das conversações para a
paz.
-
a inclusão do comandante Simon Trinidad como membro da delegação
das FARC.
-
discussão de um cessar-fogo bilateral com a participação do
ministro da Defesa e do general Alejandro Navas, comandante chefe das
FA.
-
A «regularização» da guerra, ou seja a sua humanização.
-
a participação da cidadania nas conversações para a paz.
-
prioridade para o debate amplo e profundo da questão agraria com a
presença do ministro da Agricultura.
-
a convocação de uma Assembleia Constituinte.
Temos
a imagem do governo, da oligarquia e das FA nos NÃO de Santos.
BALANÇO
POSITIVO
Seria,
portanto, uma ilusão romântica crer que o desfecho do processo de
paz de Havana será um acordo que abra a porta ao fim do conflito.
O
governo de Bogotá, em período pré-eleitoral, tenta ganhar tempo e
atenuar a combatividade das massas simulando uma abertura ao diálogo.
A história não se repete da mesma forma. Mas tudo indica que, em
data ainda imprevisível, imitará o ex-presidente Pastrana quando
este rompeu em fevereiro de 2002 as negociações com as FARC em El
Caguan e invadiu a zona desmilitarizada.
A
transparência do plano de Juan Manuel Santos torna pertinente a
pergunta formulada por muitos dos que acompanham os diálogos de
Havana, incluindo gente solidária com o combate das FARC. Valeu a
pena iniciar estas negociações armadilhadas?
É
minha convicção que o balanço é muito positivo.
O
interesse suscitado pelas conversações de Havana e o prólogo de
Oslo permitiram que a voz da guerrilha chegasse a milhões de pessoas
em dezenas de países. Em conferências de imprensa, em entrevistas e
artigos, dirigentes como os comandantes Ivan Marquez, Rodrigo Granda,
Jesus Santrich e outros projetaram a imagem real das FARC e da sua
organização revolucionária, incompatível com a perversa
caricatura que delas exportam Santos e os seus generais.
Tive
a oportunidade de conhecer alguns desses combatentes farianos. E
reafirmo o que deles escrevi: poucas vezes encontrei revolucionários
marxistas mais autênticos, mais firmes, mais preparados
ideologicamente para a exposição e defesa dos objetivos, estratégia
e tactica da sua organização que se assume como partido.
As
FARC apelaram agora mais uma vez à União Europeia para que retire o
seu nome da lista de organizações terroristas, indesculpável erro
cometido por pressão de Washington e do ex-presidente Uribe Vélez.
Culpado
de terrorismo de estado, inventor do paramilitaríssimo e cúmplice
do narcotráfico foi o governo no fascista de Uribe.
Como
português sinto amargura e vergonha por Juan Manuel Santos ter sido
recebido em Lisboa com honras especiais e elogiado como chefe de um
estado democrático.
Vila
Nova de Gaia,9 de Fevereiro de 2013