Bolívia: Fascismo toma o poder – Morales queixa-se
por James Petras
Desde que Evo Morales foi eleito presidente há mais de 33 meses, a extrema direita boliviano tem-se aproveitado de toda concessão, compromisso e gesto conciliatório do regime Morales para expandir o seu poder político, bloqueando mesmo as reformas sociais mais moderadas e paralisando o funcionamento do governo, através de manobras legais e gangs de violentos rufiões de rua.
Ao mesmo tempo que o governo boliviano utilizava repressão do Estado contra camponeses sem terra e mineiros em greve, permanecia um espectador passivo e impotente diante da tomada da Assembleia Constitucional pela extrema direita, dos principais aeroportos em Santa Cruz (forçando o presidente a voar de volta ao seu palácio), suspendendo todo o transporte público, a arrecadação de impostos federais e projectos e investimentos públicos. Pior ainda, gangs paramilitares fascistas repetidamente insultaram, bateram, desnudaram e ridicularizaram apoiantes camponeses do presidente Morales de etnia índia nas principais ruas e praças das capitais das províncias que eles controlam.
Apesar de receber cerca de 70% da votação nacional na eleição de 10 de Agosto de 2008, Morales não tomou uma única medida para conter o domínio fascista do poder regional – continuando a implorar pelo diálogo e o compromisso, enquanto a extrema direita acumula força e prepara-se para entrar em violenta guerra civil contra os pobres e os indígenas bolivianos. O governo boliviano expulsou o embaixador dos EUA, Philip Goldberg, só depois de a Embaixada dos EUA apoiar activamente a captura do poder regional pela extrema direita depois de quase três anos de financiamento aberto e colaboração pública com os secessionistas. Uma vez que o regime Morales não rompeu relações com Washington, é provável que um novo nomeado para a embaixada chegue logo para continuar a conspiração activa de Goldberg com a extrema direita.
O contraste entre a ignominiosa passividade do presidente e o agressivo e violento putsch político da direita fascista é gritante. A peça central do violento levantamento e da tomada de poder pelos fascistas localiza-se em cinco departamentos regionais: Santa Cruz, Pando, Beni, Tarija and Chuquisaca, os quais estão agrupados numa organização regional de massa, o Conselho Nacional Democrático (CONALDE). Isto inclui prefeitos locais, presidentes de muncipalidade, líderes de negócios e chefes de organizações de latifundiários apoiados por gangs de rufiões de rua armados numa variedade de organizações, sendo a mais importante a União da Juventude Cruceñista, a qual especializou-se em degradar, bater e mesmo matar apoiantes índios desarmados de Morales.
Prelúdio para a guerra civil e a tomada de poder
A guerra civil e a tomada de poder pela direita nos cinco departamentos segue uma sequência de eventos que resulta numa recuperação gradual do poder político e social e do subsquente lançamento de uma multiplicidade de movimentos ofensivos a partir de dentro de instituições governamentais e cada vez mais através da acção extra-parlamentar directa. Isto tem resultado numa escalada dos assaltos esporádicos para a violência sistemática contra indivíduos, organizações, instituições públicas e recursos económicos estratégicos. Nesta fase mais recente, a oposição dispensou sua cobertura institucional 'legalista' e adoptou a tomada violenta das instituições do Estado declarando abertamente a sua secessão em relação ao governo central, desafiando a autoridade do governo para governar e para exercer seu monopólio legal sobre o poder da polícia.
Do poder popular a tomada neo-fascista do poder
1- O arranque do levantamento secessionista-neo-fascista começou em 2005 quando, para todos os efeitos e propósitos, um levantamento em massa de trabalhadores, camponeses e mineiros índios derrubou o regime neoliberal e dominou as ruas, apresentando todos os ingredientes para um novo governo revolucionário.
2- Sob a liderança de Evo Morales e do antigo organizador de ONG, Garcia Linera e seu partido eleitoral, o Movimento ao Socialismo (MAS), o movimento de massa foi retirado das ruas, da actividade autónoma e da revolução social para a política eleitoral. Evo Morales foi eleito presidente em Dezembro de 2005 e pôs-se a assinar pactos políticos com os partidos da extrema direita a fim de partilhar o poder institucional na busca de um programa político-económico centrista. Isto envolveu joint ventures com todas as corporações multinacionais extractoras de minérios (excluindo expropriações e nacionalização), sinais minimalistas de reforma agrária (nunca implementada) e duras políticas fiscais (excluindo redistribuição do rendimento e limitando aumentos de salários à taxa de inflação).
3- Em meados de 2006, a extrema direita havia-se recuperado da sua derrota eleitoral e através da sua presença na recém eleita Assembleia Constitucional manobrou efectivamente para bloquear a aprovação da nova Constituição. O governo focou exclusivamente na sua agenda de reforma política, consolidou suas joint ventures com todas as grandes multinacionais do gás e do petróleo, renovou contratos desfavoráveis com o Brasil (pagando à Bolívia bem abaixo dos preços do mercado mundial) e desmobilizou os movimentos de massa através do controle do partido MAS sobre líderes urbanos e rurais (com a excepção dos mineiros).
4- Principiando no fim de 2006 e aumentando de intensidade ao longo de 2007, a direita neo-fascista apoiou-se nas suas tropas de choque extra-parlamentares para assaltar representantes pro-governamentais na Assembleia Constitucional, organizar bloqueios de estradas e afirmar a sua independência ('autonomia') em relação ao governo nacional. O governo boliviano rejeitou qualquer recurso à mobilização popular exigida pelos sectores mais radicalizados dos mineiros em Oruro e Potosi. Ao invés disso, recuou face à pressão institucional da direita neo-fascista, oferecendo concessões sobre a redacção da Constituição. Morales fez uma série de concessões estratégicas sobre a dimensão das terras isentas de reforma agrária, cedendo poderes judicial e fiscais aos dominadores regionais fascistas e concedeu o controle das estradas, auto-estradas e praças às gangues de neo-fascistas bem armados.
5- Ao longo de 2008, a direita neo-fascista continuou sua 'marcha para as instituições' consolidando seu controle sobre governos locais e regionais e reclamações sobre rendimentos dos sectores económicos estratégicos – todos eles localizados nas regiões contestadas. Em meados de 2008, a direita asseverou abertamente suas acções secessionistas e tratou de criar polícia paralela, alfândega paralela, agências fiscais e de governo paralelas. O regime secessionista deu licenças aos negócios, latifundiários e para a elite urbana da classe média. Através da sua liderança das auto-intituladas 'organizações cívicas' e dos seus aplicadores armados, trataram de intimidar e assaltar milhares de apoiantes do governo, camponeses, activistas índios, responsáveis e homens de negócio pró-governamentais, vendedores de rua, professores das escolas, trabalhadores da saúde e outros empregados públicos. A estratégia neo-fascista para a tomada do poder foi baseada na acumulação de forças através de manifestações públicas de poder, comícios maciços e lockouts para encerrar negócios urbanos. Quaisquer apoiantes do governo nacional que não cumprissem seus ditames sofriam punições públicas cruéis, incluindo sovas e a humilhação pública de índios e camponeses apoiantes de Morales nas praças urbanas onde eram desnudados e chicoteados para escárnio da multidão branca de origem europeia.
Do protesto à tomada do poder
Tendo experimentado apenas repetidos protestos fracos e inconsequentes do regime Morales-Garcia, em Agosto de 2008 os neo-fascistas lançaram uma blitz em plena escala, dando rédea solta e apoio financeiro e político a uma assalto em grande escala a todas as principais instalações e agências federais e a sindicatos e escritórios de associações de camponeses nos cinco departamentos que controlam. Eles tomaram o controle dos aeroportos negando direitos de aterragem a qualquer responsável do governo ou relacionado com o governo, incluindo o presidente Morales e o vice-presidente Garcia e qualquer dignitário visitante.
O vento que disparou o lançamento da 'guerra civil' neo-fascista e a violenta captura do poder foi a vitória eleitoral de Morales-Garcia no referendo de 8 de Agosto – em que Morales obteve 67% da votação nacional. O resultado tornou claro que a direita não podia retornar ao poder nacional através de eleições quando a sua única maioria eleitoral só existia nos departamentos em que dominava. Mas mesmo nos cinco departamentos controlados pela extrema-direita, Morales recebeu aproximadamente 40% dos votos, uma minoria forte nas cidades e uma maioria em muitas áreas rurais entre o campesinato.
A classe capitalista, como em toda a parte ao longo da história, quando confrontada até mesmo com algumas modestas reformas da propriedade, e especialmente em face de um regime covarde, em recuo e conciliatório, descartou-se dos métodos constitucionais de oposição. Eles ligaram-se aos responsáveis neo-fascistas, líderes 'civicos' e mesmo às gangs violentas dos jovens ricos de Santa Cruz. Morales recusou-se a ordenar à polícia e aos militares que defendessem edifícios públicos diante de assaltos violentos e incendiários, os quais destruíram serviços públicos, telecomunicações, alfândegas, escritórios de inquéritos sobre a terra, ficheiros oficial e registos do Estado.
Em Pando e Tarija os oleodutos e gasodutos foram explodidos, provocando danos extensos e com um custo de milhões de dólares em receitas perdidas para o Estado. Finalmente, em 11 de Setembro de 2008 mais de uma centena de camponeses favoráveis a Morales foi morta ou ferida em Pando numa emboscada organizada por vigilantes armados apoiados pelo prefeito departamental Leopoldo Fernandez e seus seguidores em organizações 'cívicas'. A sistemática destruição de todos os sinais e símbolos da autoridade do governo federal e a matança e intimidação de camponeses e trabalhadores apoiantes de Morales conduziu à etapa final destes três anos de processo de secessão, de repressão étnico-racial e de imposição de uma nova ordem política fascista.
Enquanto a guerra civil conduzida pelos neo-fascistas actuava sem oposição do governo nacional por todas as cinco províncias, os ministros de Morales adoptavam posturas bizarras. Garcia-Linera racionalizou a impotência do regime menosprezando a tomada de poder pelo aparelho neo-fascista dos cinco departamentos como 'atos de vândalos cometidos por uma gang de 500 bandidos'. Quando a Bolívia ardia, o ministro do Interior Alfredo Rada e o ministro da 'Defesa' Walker San Miguel tentavam em vão minimizar a tomada ilegal pelos neo-fascistas de quase a metade do país que produz 80% do rendimento nacional reduzindo a iminente guerra civil a actos de 'violento vandalismo delinquente em diferentes regiões do Leste e do Sul do país'.
Em 12 de Setembro de 2008, Morales aparentemente esquecido dos ataques e tomadas de poder maciços e sustentados convocou realmente uma reunião com os prefeitos neo-fascistas para um 'diálogo sem quaisquer pré-condições'. Por outras palavras, Morales absolveu-os do massacre e brutalização de mais de uma centena de camponeses e ignorou a sabotagem económica, a qual acompanhava a tomada e destruição de petróleo, gás e outros sectores essenciais para a produção de receita. É desnecessário dizer que os neo-fascistas encontraram-se com Morales sem efectuar uma única concessão. A única razão de facto porque se encontraram foi por Morales ter sido finalmente forçado a declarar um 'estado de sítio' em Pando – logo após a matança de 30 camponeses por vigilantes armados sob o controle do prefeito de Pando, Leopoldo Fernandez.
As tropas tiveram de limpar o aeroporto de bandidos da extrema-direita que anteriormente haviam impedido a aterragem de um avião de transporte do governo. Os outros quatro departamento sob controle neo-fascista não foram afectados pela declaração de estado de sítio. Em Pando, com a presença militar agora a guardar edifícios públicos e instalaçãoes de petróleo e gás, o governo decidiu finalmente prender o prefeito da extrema direita pelo seu papel nos massacres.
Uma virada rumo ao bom governo?
O presidente Morales ordenou finalmente que o embaixador estado-unidense Phillip Goldeberg deixasse o país depois de dois anos de intervenção directa no planeamento, financiamento e apoio à guerra de classe organizada pelos neo-fascistas e à tomada do poder regional. Mais de US$125 milhões em fundos da AID financiaram quase exclusivamente as organizações 'cívicas' neo-fascistas e através delas a organização racista armada 'União da Juventude de Santa Cruz'. A há muito esperada declaração de Morales de um estado de sítio veio apenas sob a pressão dos seus incansáveis apoiantes entre os camponeses e os movimentos de massa urbanos que começaram a organizar-se e armar-se independentemente do impotente governo federal. Morales também respondeu à pressão do Brasil, Argentina, Venezuela e outros países para por fim à violência. O Brasil e a Argentina foram afectados pela interrupção dos despachos vitais do gás natural da Bolívia. Mesmo regimes constitucionais de direita, como o de Bachelet no Chile e o de Alan Garcia no Perú, apoiaram Morales e indirectamente pressionaram-no a actuar por medo do precedente que uma violenta tomada de poder regional pela extrema direita poderia ter para os seus próprios países.
Conclusão
O estado de sítio e a expulsão do embaixador dos EUA podem ser vistos como movimentos positivos muito atrasados para reafirmar a soberania boliviana e defender a ordem constitucional. Mas o que vem a seguir?
Os neo-fascistas tomaram o poder regional ao governo. Eles ainda controlam 80% dos recursos económicos chave da Bolívia. A maioria da população que vive sob o domínio da dreita está sem a protecção do governo central. Apenas uns poucos oleodutos e gasodutos foram temporariamente assegurados pelas tropas federais. Morales confiou nos militares para defender o seu regime, pondo de lado, marginalizando e desmobilizando movimentos emergentes populares de massa para a auto-defesa. A confiabilidade do Exército Boliviano não está garantida. Ao tornarem-se a chave para a defesa do regime de Morales contra a direita neo-fascista, as forças armadas podem assumir poderes mais vastos, como árbitros do futuro do país. Morales está relativamente seguro, encafuado nos Andes, mas os seus seguidores nos cinco departamentos no Leste continuam a enfrentar o domínio repressivo dos neo-fascistas e das suas gangues de vigilantes armados. Igualmente importante, Morales, confrontado com a violenta resistência da extrema direita, mostra toda a intenção de fazer novas concessões sobre a partilha de rendimentos e poder com a elite dirigente. Ele está pronto a fazer ainda maiores concessões a uma centena de grandes latifundiários, barões dos media, banqueiros e agro-exportadores que estão a pressionar pela secessão.
Repetidamente, ao longo dos últimos três anos, índios, camponeses, mineiros, habitantes de favelas urbanas e funcionários públicos organizaram-se e combateram pela reforma agrária, controle operário, nacionalização das minas e dos campos de petróleo e por salários decentes. O que eles obtiveram de Morales foi um governo de austeridade fiscal, acordos económicos com corporações extractivas multinacionais e enormes complexos de agronegócios. Apesar de ter um mandato político para dominar, Morales fez uma sucessão de esforços fracassados para conciliar com as irreconciliáveis elites económicas e regionais. Se há uma lição que Morales pode aprender dos camponseses que foram degradados e chicoteados na ruas de Santa Cruz, dos sindicalistas que foram queimados nas sedes dos seus sindicatos e nas suas casas em Pando e dos vendedores de rua que foram expulsos dos mercados em Tarija é que não se pode 'fazer acordos' com fascistas. Não se derrota o fascismo através de eleições e concessões aos seus pagadores, os que possuem a grande propriedade.
O original encontra-se em http://petras.lahaine.org/articulo.php?p=1754&more=1&c=1
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