A propósito da deixação de armas: História de compromissos descumpridos
Por
Luis Jairo Ramírez H
Santos
deve entender que a oligarquia deve renunciar a suas práticas
políticas violentas, que a convivência democrática exige a
desmilitarização total da vida nacional e o reconhecimento pleno da
oposição de esquerda.
Por
estes dias, a direita do país e seus meios de imprensa puseram o
grito no céu quando os insurgentes que dialogam em Havana disseram
que os acordos de paz não implicam a entrega de armas e que não
cumprirão um dia de cárcere, porque com o levantamento armado
exerceram o direito à rebelião contra a tirania de um regime
sanguinário que durante 60 anos privou o país da democracia e das
liberdades públicas.
Este
tema há que ser abordado à luz da história colombiana, abarrotada
de fatos que nos mostram uns governantes dos partidos tradicionais
acostumados ao descumprimento de suas promessas e compromissos. Por
isso, 60% dos eleitores se abstêm, porque os politiqueiros, uma vez
eleitos, fazem todo o contrário do que prometeram.
As
castas liberal-conservadoras argumentam folcloricamente que num país
democrático como Colômbia, com divisão de poderes, não se
justifica a rebelião armada; pretendem ignorar deliberadamente que
aqui não só não houve democracia durante 200 anos, porque se impôs
uma longa hegemonia política dos dois partidos tradicionais, como
também se recorreu ao uso permanente da violência como forma de
governo e com práticas medievais, como o extermínio físico da
oposição e dos movimentos sociais.
A
burguesia colombiana tem bem ganha sua fama trapaceira. As recentes
mobilizações campesinas não exigiam reivindicação alguma; foram
para reclamar o cumprimento de compromissos subscritos sete anos
atrás. O mesmo passa com duas leis de vítimas que são um completo
fracasso, e hoje nos surpreendem com uma lei que, em vez de destinar
as terras ociosas aos milhares de campesinos despojados, estão
titulando-as para setores empresariais, financeiros e para grandes
terra-tenentes.
Já
é um saber popular que em Colômbia a oligarquia se acostumou a
eliminar fisicamente os seus opositores. Em 1914 é assassinado
Rafael Uribe Uribe, considerado um liberal de esquerda, e quem, se
não fosse eliminado, teria chegado à presidência; e assim
sucessivamente muitos lutadores sociais e políticos caíram nas mãos
traiçoeiras da reação direitista, entre eles o líder Jorge
Eliécer Gaitán, em 1948, assassinado durante o governo conservador
de Mariano Ospina Pérez; Gaitán contava com um enorme apoio popular
para ser eleito presidente do país.
Em
1953 se produziu uma nova cilada com o armistício e a entrega de
armas subscrito entre as guerrilhas liberais do Llano [campo],
lideradas por Guadalupe Salcedo, e a ditadura militar de Rojas
Pinilla. Os guerrilheiros cumpriram com a entrega de armas, porém o
governo militar descumpriu com as demandas dos desmobilizados, no
chamado Pliego de la Gileña, que continha sete pontos de reparação
[Arturo Alape, La
paz, la violencia,
Editorial Planeta, 1985, pág. 143]; porém, o mais grave é que
depois Guadalupe Salcedo e seus companheiros foram assassinados um a
um em estado de indefensabilidade pela própria Polícia, todo o qual
ficou na impunidade.
Em
1984, como fruto dos diálogos do governo de Belisario Betancur e as
FARC, se pactuaram os Acordos de La Uribe. Neles se estipulou o
surgimento de um movimento de oposição [a UP] para permitir que a
guerrilha se incorporasse paulatinamente à vida legal do país.
As
condições que permitiriam esse trânsito à legalidade consistiam
num compromisso oficial para garantir plenamente os direitos
políticos aos integrantes da nova formação, e a realização de
uma série de reformas democráticas para o pleno exercício das
liberdades civis, porém o bipartidarismo tradicional, as Forças
Militares e o paramilitarismo estatal, como o chamou o próprio
Mancuso, burlaram os acordos e se produziu um genocídio brutal
contra membros da União Patriótica, frustrando assim os anseios de
paz de milhões de colombianos. Até hoje as elites dominantes têm
se negado a pedir perdão ao país por estes fatos de enorme
brutalidade institucional.
A
20 de novembro de 1985, Óscar William Calvo foi assassinado de forma
covarde e pelas costas por efetivos do Exército, quando exercia como
porta-voz político durante uma trégua pactuada com o EPL. Depois,
em fevereiro de 1987, Ernesto Rojas, comandante geral do EPL, foi
detido em Bogotá, torturado e assassinado a sangue frio em operação
na qual participou o general Óscar Naranjo.
Posteriormente,
Carlos Pizarro, que já tinha sido ferido pelo Exército durante a
firma do Acordo de Paz entre o governo e o M-19 [estados de Huila e
Cauca], foi assassinado em 26 de abril de 1990, em pleno voo, após
firmar a paz no governo de Virgilio Barco e quando era candidato
presidencial. Em 1993, também em pleno processo de negociações de
paz, foram torturados e assassinados pelo exército Enrique Buendía
e Ricardo González, negociadores da Corrente de Renovação
Socialista, dissidência do ELN.
A
4 de novembro de 2011, quando já avançavam os intercâmbios para
iniciar o processo de paz, em meio a uma intensa operação militar,
foi detido e humilhado Alfonso Cano, comandante máximo das FARC, e,
após ordem expressa do presidente Santos, assassinado pelo Exército
quando se encontrava inerme. Esta sucessão de acontecimentos
históricos mostram como em cada negociação com a insurgência os
regimes de turno prepararam armadilhas para atentar de forma
traiçoeira contra os anseios de paz da população.
Agora,
toda a direita e a grande imprensa, a uma só voz, reclamam da
guerrilha a entrega de armas, porém não há o desmantelamento da
herança paramilitar que Uribe Vélez. Deixou, nem a depuração da
Força Pública, envolvida em muitas ocasiões em crimes atrozes
contra figuras da vida política nacional e líderes sociais, nem
garantias efetivas para que aos guerrilheiros integrados à vida
civil se lhes respeite sua integridade e o exercício de sua
atividade política.
Nesta
ocasião não se pode repetir a história trágica de uma burguesia
que trai os pactos e assassina seus opositores, pois um fato tal
empurraria a sociedade para uma guerra civil de incalculáveis
consequências. Santos deve entender que a oligarquia deve renunciar
a suas práticas violentas, que a convivência democrática exige a
desmilitarização total da vida nacional e o reconhecimento pleno à
oposição de esquerda.
Semanario Voz
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Equipe
ANNCOL - Brasil