FARC-EP: «É mais fácil dialogar entre os que estiveram no campo de batalha»
Carlos
Antonio Lozada, membro do Secretariado das FARC-EP, está encarregado
da Subcomissão Técnica nomeada pela delegação de paz para
analisar junto a altos cargos militares o fim do conflito armado. E,
junto ao general e delegado do Governo Oscar Naranjo, integrará o
grupo de referência que, em parceria com as outras duas estruturas
acordadas pela Mesa de conversações na sexta-feira passada, deverá
iniciar os trabalhos de limpeza e descontaminação de minas
antipessoa, artefatos explosivos improvisados, munições sem
explodir e restos explosivos de guerra. Este plano piloto começará
a ser aplicado nos estados de Antioquia e Meta.
Lozada,
quem viveu em carne própria os bombardeios contra acampamentos da
guerrilha, assegura, em resposta ao questionário remetido por GARA
via e-mail, que a presença em Havana de destacados militares «é
decisiva» e que «é mais fácil o intercâmbio entre aqueles que
estiveram enfrentados no campo de combate e falam uma mesma
linguagem»
A
suspensão dos bombardeios durante um mês aplana o caminho para um
cessar-fogo bilateral?
A
decisão do presidente Juan Manuel Santos de suspender por um mês os
bombardeios aos acampamentos das FARC-EP, prorrogável se assim o
considera, tem mais um sabor de chantagem que de outra coisa. Não se
trata de um gesto humanitário, nem de desescalada do conflito, como
foi qualificado por alguns meios de informação. Durante o ciclo 33
das conversações, as FARC apresentaram ante os países garantidores
um documento onde se detalham 15 gestos unilaterais de paz realizados
com um claro sentido humanitário, entre os quais podemos mencionar a
suspensão definitiva das retenções com fins econômicos; a
libertação do general Alzate e a de vários soldados capturados em
combate; a entrega ao CICV de menores de idade adestrados pelas
Forças Armadas oficiais para infiltrá-los na guerrilha com o
objetivo de assassinar comandantes e realizar ações de sabotagem.
Estes fatos, que deveriam ser respondidos com reciprocidade por parte
do Governo, têm sido desconhecidos e, por outro lado, se nos quer
submeter a essa inaceitável chantagem mensal de ameaçar-nos com a
retomada dos bombardeios, se as guerrilhas respondem às contínuas
operações militares contra suas forças.
Após
sobreviver a vários bombardeios, como os descreveria?
Contra
nós se tem aplicado o uso desproporcional da força por parte do
Estado, o que constitui uma clara violação do Direito Internacional
Humanitário, toda vez que a insurgência não conta com aviação ou
armamento antiaéreo. Este tipo de ataques, realizados contra as
unidades guerrilheiras em horas noturnas, enquanto dormem, ademais de
covardia, demonstram o nível de degradação a que chegou a classe
dominante colombiana. Apesar da brutalidade dos referidos ataques,
temos sabido assimilar os golpes recebidos e adequar sua tática para
evitarmos ser surpreendidos. Este tipo de bombardeios indiscriminados
gera pânico e terror entre a população, o que, por sua vez,
provoca deslocamentos e danos psicológicos irreparáveis, além das
consequências sobre o meio ambiente e as espécies animais que caem
vítimas da explosão de centenas de quilos de TNT.
A
confiança é chave num processo de diálogo. No dia de hoje, é
suficientemente sólida para fazer frente a previsíveis incidências?
Um
processo de paz é um complexo exercício de tecer confiança mútua
entre duas partes que têm estado enfrentadas à morte. Isso torna
muito difícil avançar, sobretudo nos inícios do processo; por essa
razão, cada passo que se vai dando deve ser avaliado suficientemente
pelas partes e cuidado como um patrimônio do processo. A três anos
de ter-se iniciado, o processo de Havana tem em seu haver três
acordos parciais sobre o tema de desenvolvimento agrário, a
ampliação da democracia e uma nova política antidrogas; ademais do
recente acordo sobre descontaminação de minas, artefatos explosivos
improvisados, munições sem explodir e restos de explosivos de
guerra. Tudo isto somado a um saldo positivo que faz com que cada vez
seja maior a credibilidade e confiança entre as partes, o que, por
sua vez, é um grande ativo para enfrentar os momentos difíceis.
É
mais fácil o diálogo entre os que combatem?
A
presença de altos oficiais da Força Pública em Havana é um fato
sem precedentes em anteriores processos de paz em Colômbia, sua
contribuição será decisiva para o êxito do processo e assim o
confirma o fato de que nas primeiras reuniões entre combatentes o
ambiente reinante é de muito respeito, cordialidade e reconhecimento
mútuo. Sem dúvida, é mais fácil o intercâmbio entre os que têm
estado enfrentados no campo de combate e falam uma mesma linguagem;
ademais, porque o [fato de] ter compartilhado os rigores da
confrontação os aproxima e permite, nos momentos de recesso,
rememorar situações de guerra onde uns e outros estiveram
envolvidos, sem saber que anos mais tarde iriam estar sentados ao
redor de uma Mesa de conversações.
Vê
próxima uma Colômbia livre de minas?
O
acordo contempla, além das minas antipessoa, os artefatos explosivos
improvisados, munições sem explodir e os restos explosivos de
guerra; e, como já se disse, é apenas o começo de um processo que,
segundo os entendidos no tema, finalizado o conflito, deve levar-nos
a que em alguns anos possamos declarar a Colômbia livre deste tipo
de artefatos.
Como
afrontam as FARC-EP os problemas éticos que o uso de minas gera?
Contra
nós se tem descarregado o peso de uma poderosa máquina de guerra
que envolve não só o elevado orçamento militar do Estado, como
também que inclui a ajuda militar norte-americana, que ascendeu a
mais de dez bilhões de dólares nos últimos anos, ao que há que
acrescentar assessoramento, informação e todos os avanços
tecnológicos com que conta o complexo militar industrial dos Estados
Unidos e Israel. A essa força descomunal temos enfrentado com os
exíguos recursos de uma guerrilha proletária, incluído o armamento
popular. O antiético e inumano é lançar semelhante desproporção
de meios contra um povo que o único que clama é paz com justiça
social, democracia e soberania. A rebelião armada não é só um
direito, é também um dever dos povos subjugados.
Como
avalia o fato de que guerrilheiros, sem uniforme, e militares
trabalhem conjuntamente no desminado?
Esse
fato, que em breve será uma realidade em Colômbia, mostra a
maturidade que o processo de Havana vai alcançando.
Pode
esta cooperação ajudar a assentar as bases de uma futura
reconciliação?
Sem
lugar a dúvidas, que as partes que têm estado enfrentadas por mais
de 50 anos possam se pôr de acordo para trabalhar conjuntamente num
mesmo propósito humanitário, sem ter concluído ainda o conflito, é
um sinal muito promissor do que pode chegar a ser o reencontro da
família colombiana. Nesse
propósito, as FARC-EP apostam todos os esforços.
Propuseram
a criação de uma comissão integrada por guerrilheiros, militares e
pessoal do CICV para buscar os caídos em combate. Que acolhida teve
esta proposta?
Lamentavelmente,
até o momento não conseguimos acordar com a delegação
governamental os termos para a construção deste acordo humanitário
que permitiria aliviar a dor de muitas famílias de militares e
guerrilheiros que não puderam dar sepultura digna a seus seres
queridos. Esperamos que em breve possamos dar essa boa notícia.
Como
se passa para um cenário de paz após um conflito caracterizado por
massacres, torturas, esquartejamentos...?
Se
chegando a um acordo definitivo, este será só o começo de um longo
processo histórico, em que o povo terá que encontrar as formas de
sanar suas feridas e que deve começar por realizar as transformações
estruturais que deram origem ao conflito. A paz não será possível
se, ademais de verdade, justiça e reparação integral, às vítimas
não se lhes brindam garantias de não repetição, e isso só é
possível se os acordos apontam em direção a superar as causas
econômicas, políticas, sociais e de dependência que deram origem
ao enfrentamento armado. Ali está o segredo para poder virar essa
dolorosa página.
Expertos
em resolução de conflitos, como o britânico Jonathan Powell,
afirmam que devem ser tomadas «decisões
difíceis e impopulares».
O
líder
republicano
Gerry Adams confessou em suas memórias que «a negociação mais
dura é a que faz alguém com os seus».
Compartilha
estas reflexões?
A
essas reflexões, por demais válidas, poderíamos acrescentar que
sempre será mais difícil fazer a paz que continuar a guerra.
Durante os primeiros intentos por encontrar uma saída política ao
conflito, um comissionado do Governo, pioneiro destes esforços, o
doutor John Agudelo Ríos, quem já faleceu, cunhou uma frase que as
FARC adotamos como própria, porque sintetiza de alguma maneira a
complexidade destes processos. Dizia que umas conversações de paz
se parecem com a arte de enfileiras pérolas no mar.
«As
vítimas não pedem vingança»
As
FARC propuseram um «perdão coletivo social e político» e
asseguram que não aceitarão um acordo que implique um só dia de
cárcere. Estão as vítimas dispostas a dar esse passo?
São
mais de 60 as propostas que formulamos relacionadas com o tema
vítimas, ao que haveria que acrescentar outras 140 apresentadas
pelas vítimas em distintos fóruns e nas audiências com as
delegações em Havana. O denominador comum foi a exigência às
partes de continuar adiante com o processo até sua culminação
exitosa para evitar novas vitimizações; porém também para
garantir a não repetição. Não houve em nenhum momento um só
pronunciamento que pedisse vingança ou algo parecido; todo o
contrário, a característica de todas as intervenções foi a
generosidade que brota de corações que têm padecido a dor de uma
longa e cruenta guerra. Porém, ademais, as audiências serviram para
estabelecer as múltiplas responsabilidades dos distintos setores da
sociedade colombiana nesta tragédia. Essa realidade é a que dá
sustento a nossa proposta de chegar a um grande ato público de
reconhecimento e perdão coletivo social e político, como um
primeiro passo em direção à reconciliação nacional e à
dignificação das vítimas. Não se trata de reduzir este ponto da
agenda ao tema de castigo e mais exatamente de cárcere para uma das
partes do conflito. O Estado não pode pretender ser juiz e parte;
menos ainda quando a justiça em Colômbia chegou a um estado de
prostração frente às máfias e à corrupção. E acrescentamos:
sendo a rebelião um direito reconhecido pela ONU, não estamos
dispostos a ir para o cárcere por termos feito uso legítimo desse
direito. A.
LERTXUNDI
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Equipe
ANNCOL - Brasil