Morre o arquiteto da guerra do Vietnã
por Pedro de Oliveira*
“McNamara está morto, mas de acordo com a Wikipédia 4,8 milhões de vietnamitas foram expostos ao Agente Laranja, que provocou 400 mil mortos e deficientes, além de 500 mil crianças que nasceram com deformações físicas diversas.” Esta mensagem foi postada às 9h37 do dia 6 de julho – logo após a notícia da morte de Robert S. McNamara, 93 anos, ter sido publicada no site do New York Times, o mais prestigiado jornal norte americano.
A postagem seguinte dizia “O inferno saúda a chegada do novo membro classe “Platina”. Robert, que você seja queimado em fogo brando pela eternidade, pelo mal que você tão diligentemente causou à humanidade.” Até o final da noite já se podia ler mais de 400 mensagens enviadas de várias partes do mundo, em sua esmagadora maioria condenando fortemente o ex-secretário de Estado dos EUA. McNamara é considerado o funcionário do staff do Pentágono mais influente em matéria de política externa americana no século 20. “Ele sabia que o que fazia estava errado, ou pelo menos que era em vão e destrutivo, mas o fez mesmo assim... quantas guerras baseadas em mentiras ainda esta Nação suportará?” Este foi o tom das postagens que se multiplicavam na internet à medida que o tempo passava.
Robert McNamara serviu a dois presidentes americanos, John Kennedy e Lyndon B. Johnson, de 1961 a 1968, supervisionando centenas de missões militares, milhares de armas nucleares e bilhões de dólares em despesas com a construção e venda de armamentos. No obituário publicado ontem pelo mesmo NYTimes, o autor relembra a frase de um senador do Partido Democrata pelo Estado de Oregon em 1964, que chamou o Vietnã de a “Guerra de McNamara”. Ao que McNamara não questionou, dizendo: “Fico lisonjeado de ser identificado com ela” e “farei tudo o que for preciso para vencê-la”... Em 1995, entretanto -- vinte anos após o final da guerra -- resolveu publicar um livro de memórias intitulado “Em retrospectiva – A tragédia e as lições do Vietnã” onde confessa que a guerra foi um “erro, um terrível erro”.
Na verdade, a Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, ANS, guardou a sete chaves a descoberta por parte de um historiador -- Robert J. Hanyok -- de que o episódio ocorrido no Golfo de Tonkin em 4 de agosto de 1964 fora distorcido pela própria Agência de Inteligência com o propósito explicito de justificar a intervenção militar americana mais pesada na península vietnamita. A falsa acusação era de que barcos do Vietnã do Norte haviam atacado os destróieres Maddox e C. Turner. Como represália, as forças armadas americanas passaram a atacar violentamente várias cidades norte vietnamitas, especialmente Hanói, inaugurando uma nova fase na guerra que se prolongou por dez anos. Décadas depois, o estabilishment industrial-militar dos EUA repetiu o falso argumento no caso da invasão do Iraque, acusando o Governo de Saddan Hussein de possuir armas de extermínio em massa. Nesta ocasião o responsável no Departamento de Estado pelo esforço de levar os EUA para a guerra no Iraque respondia pelo nome de Paul Wolfowitz, que ficou conhecido assim como McNamara em relação à guerra do Vietnã, como o arquiteto da invasão do Iraque.
Interessante notar que ambos os secretários de Estado -- tanto McNamara quanto Wolfowitz -- foram guindados à posição de presidentes do Banco Mundial...
A primeira tarefa de McNamara como chefe do Departamento de Estado do governo John Kennedy foi desmistificar um conceito muito utilizado pelo Presidente durante sua campanha eleitoral: a de que havia uma grande desvantagem estratégica dos EUA em relação ao poderio do arsenal balístico-nuclear da então União Soviética. O fato era de que os EUA tinham é uma pequena vantagem sobre os soviéticos em matéria de quantidade de mísseis. Kennedy acabou fazendo um tipo de “terrorismo” durante sua campanha política. Neste mesmo período McNamara se envolveu com a fracassada invasão da Baia dos Porcos, em Cuba, quando um bando de 1500 homens financiados e dirigidos pela CIA foram fragorosamente derrotados pelas forças do Exército cubano. Na seqüência da derrota, Kennedy chegou a organizar um plano de invadir a Ilha com 60 mil soldados, com o apoio da Marinha e da Força Aérea. O plano, no entanto, revelou-se impossível de ser colocado em prática. Desta derrota McNamara extraiu uma lição: "O governo não deveria nunca iniciar um plano antes de ter a certeza de que poderá implementá-lo". No caso do Vietnã, entretanto, esta máxima não foi levada em conta.
Em viagem oficial de uma deleção do Partido Comunista do Brasil ao Vietnã, tive a oportunidade de visitar o Museu da Guerra, na cidade de Ho Chi Minh (ex-Saigon), onde estão expostas as barbaridades cometidas contra o povo vietnamita durante a guerra pelo Exército dos EUA. Foram milhões de mortos e outros tantos milhões de pessoas até hoje marcadas em conseqüência de bombas e agentes químicos despejados sobre o território do país. Por seu turno 60 mil soldados americanos perderam a vida nesta que foi a maior derrota da história militar dos EUA. No edifício que abriga hoje o Museu, um antigo presídio utilizado pelas forças títeres do então Vietnã do Sul, apenas um livro está exposto, além de milhares de fotos e de outros objetos significativos da luta de resistência: exatamente o livro escrito por Robert McNamara, no qual ele faz sua autocrítica tardia.
*Pedro de Oliveira, Jornalista e membro do Conselho Editorial da revista Princípios e do Portal Vermelho
Fonte: vermelho.org.br