"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


terça-feira, 25 de dezembro de 2012

A DESIGUALDADE SOCIAL NA COLÔMBIA: ALGUMAS IDÉIAS E REFLEXÕES




FONTE: farc-ep.co

Por Pablo Catatumbo – Integrante do secretariado das FARC EP



Que esta seja a oportunidade para fazer chegar a toda a comunidade do Serviço Nacional de Aprendizagem, SENA, a saudação cálida do Movimento Bolivariano pela Nova Colômbia: adiante com essa luta! Que se funde com as demais expressões e manifestações do movimento de massas colombiano e, sem duvida, a vitória será o nosso horizonte seguro.

O SENA tem sido um bastião da resistência contra as medidas neoliberais que buscam acabar com tal instituição desde o inicio da ofensiva neoliberal na Colômbia. A atual conjuntura de luta se inscreve na oposição à reforma tributária de Santos, que implica no fim dos impostos parafiscais que sustentam o SENA, colocando-o de fato em situação insustentável e de desfinanciamento.

Tal reforma tem despertado numerosas criticas em diversos espaços: acadêmicos, políticos, de opinião, etc. Entretanto, destaca-se a oposição que contra está tem manifestado os estudantes, professores, funcionários públicos e comunidade acadêmica em geral do Serviço Nacional de Aprendizagem, SENA, não somente pela solidez dos seus argumentos e a justeza da sua mobilização; mas porque, além disso, permitem-nos adentrarmos na reflexão sobre uma temática grave: A DA DESIGUALDADE SOCIAL NA COLÔMBIA.

O governo coloca em duvida a viabilidade futura de um centro de estudos que foi criado durante a ditadura de Rojas Pinilla com a finalidade de permitir o acesso à educação superior dos setores populares, e ao mesmo tempo, a consolidação de uma classe operária especializada na múltiplas terefas geradas por uma industrialização que se deslumbrava próxima.

O modelo de SENA adotado na Colômbia é o modelo brasileiro do SENAI. Estas nasciam como instituições educativas que procuravam melhorar o grau de escolaridade da força de trabalho dos trabalhadores de países em vias de desenvolvimento sob o horizonte da consolidação de uma industrialização garantida pela substituição das importações.

Como todas as instituições públicas de educação criadas sob o capitalismo (sejam estas técnicas ou universitárias), seu papel é o de ser garantidoras de uma pretendida mobilidade social.

Isto é, da garantia da contingência de que um individuo de um setor social determinado possa evoluir dentro da hierarquia social. O já quase esquecido Althusser denominou isto de um aparelho ideológico do Estado. Diga-se de passagem, isto não desvirtua nem relega a um segundo plano a luta da comunidade do SENA, nem do grosso do movimento estudantil.

A trama da mobilidade social é uma das expressões discursivas mais importantes do capitalismo desde a sua própria alvorada.

Lembro que, na minha mocidade, os frequentes artigos no Time e Seleções sobre os casos de multimilionários norteamericanos que, a base de sacrifício e inovação, levantavam-se desde as miseráveis catacumbas de uma infância cheia de necessidades, para se converter no super homem da modernidade do capital: o self – mademan, o cavaleiro da industria construído pelo seu próprio esforço.

Era a continua repetição de uma história que todos os da minha geração ouvimos: o jovem e pobre Henry Ford trabalhou duro até que, paulatinamente, pode estampar seu nome no pára-choque dos automóveis mais vendidos no mundo. Anos depois, me surpreendi ao saber que a revista Seleções se esqueceu de nos contar que Ford era um furioso reacionário que perseguiu sindicatos e que patrocinou pogroms antisemitas e até ajudou Hitler. Baita coincidência!  

Posteriormente, a academia foi sacudida com a mudança do paradigma das cátedras de economia. O marxismo, supostamente superado, era substituído pelas vertentes neoclássicas e neoliberais das ciências econômicas. Um importante setor de economistas – funcionários – empresários começou a divulgar o famoso “empreendimento” (espécie de mutante do entre preneurship de J.A. Schum Peter) como a nova verdade do mundo empresarial. O relato de vida de Ford agora é reconvertido e adornado com infindáveis cálculos e estatísticas de alta complexidade para assim fazer o discurso mais crível ao lhe fornecer uma suposta base cientifica.

A mobilidade social parecia ser essa válvula de escape estatística com a que o sistema argumenta sua pretendida justeza. A exceção numérica passa a ser a norma. Por sorte, a crise sistêmica do capitalismo tem desbaratado essas fábulas e remetem-nos à crua realidade: Atualmente, a radicalização da contradição entre capital e trabalho é o sinal dos tempos e não o triunfo destes empreendimentos de ficção cientifica.  

Um sistema em crise e um país em crise: hoje na Colômbia, ninguém sensato acredita no mito da mobilidade social. Sendo o terceiro país no mundo em estatísticas de desigualdade, com o avanço de uma rampante e acelerada desindustrialização e a consolidação do acumulo da terra, o país coloca-se hoje num estado de coisas onde a única mobilidade social é a dos grandes parasitas ligados à corrupção, o setor financeiro ou o narcotráfico a quem o Estado dá garantias cada vez com melhores condições.

Enquanto os telejornais de Caracol e RCN gastam quase a totalidade do seu sinal em mostra os “horrores” dos buracos das passarelas para pedestres, ou crônicas intermináveis sobre ganhadores da loteria em longínquos municípios; a miséria colombiana parece não existir na televisão. No nosso recorrido pelas regiões camponesas e indígenas encontramo-nos, dia-a-dia, com a falta de assistência médica, fome e pobreza generalizas; as milícias urbanas reportam a proliferação de quadrilhas ao serviço do narcoparamilitarismo em todos os bairros populares de Bogotá, Medellín, Cali y Barranquilla. O horizonte de oportunidades leva a juventude às mais desesperadas opções. E tudo, ao mesmo tempo de conhecimento público, é silenciado, oculto.

A aplicação de um rasgo característico do modelo capitalista contemporâneo que implica a  transferência dos chamados “bens e serviços sociais” (saúde, educação, ciência e tecnologia) para as mãos do setor privado; significa, na prática, o desmonte definitivo do Estado de Bem Estar com o qual a socialdemocracia sonhou por um longo tempo (e que o presidente Santos defendia quando era o tradutor de Tony Blair).

Por isso, as apostas políticas dos poderosos da Colômbia incluem a batalha de morte contra todas as instituições, coletivos humanos e personalidades que defendem o acesso aos direitos sociais, econômicos e aos valores de redistribuição e de igualdade que resolveram chamar de justiça social.

Em fevereiro passado, Armando Montenegro referenciava a existência de uma curva estatística – a “curva de Gatsby” – que relaciona os dois fatores dos que temos falado – mobilidade e desigualdade social – em um dado momento. Tal curva, proposta pelo economista assessor do presidente Barak Obama, Alan B. Krueger, que representaria uma ferramenta de analise sem par para determinar a realidade de um país qualquer.

Agora, quando os funcionários do governo insistem na alegada inviabilidade das propostas farianas na mesa de conversações: Submeter-se-iam a um exame sobre a desigualdade da sua gestão? Prestar-se-iam para a determinação pública da curva de Gatsby para a Colômbia de hoje?

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Adendo: A curva de Gatsby tem esse nome devido à novela clássica de Scott Fitzgeral, O Grande Gatsby, em que um jovem empreendedor realiza o sonho americano da ascensão social chegando a ser milionário, mas através de várias intrigas e jogadas ilegais, melhor dizendo, pelo atalho do “vale tudo”. Por conclusão: uma novela que ironiza um arquétipo social.

Agora, na Colômbia, temos que sofrer com uma autobiografia que leva a esse arquétipo ao seu nível mais patético, trata-se do último livro de Álvaro Uribe Vélez, onde este relata o entre preneurship (empreendedorismo) que o levou do gerenciamento do restaurante O Grande Banano às consultorias pró-sionistas da ONU, passando – nem precisa de detalhes – por sua administração presidencial criminosa.