"A LUTA DE UM POVO, UM POVO EM LUTA!"

Agência de Notícias Nova Colômbia (em espanhol)

Este material pode ser reproduzido livremente, desde que citada a fonte.

A violência do Governo Colombiano não soluciona os problemas do Povo, especialmente os problemas dos camponeses.

Pelo contrário, os agrava.


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

A guerrilheira holandesa das FARC-EP fala com o Russia Today


"Um Governo não vai se sentar à mesa com uma parte derrotada. Isso eles não fazem. Sentam-se conosco porque sabem que, militarmente, não podem nos derrotar".
                                                                                   
ESCRITO POR RESUMEN LATINOAMERICANO

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Entrevista exclusiva com Tanja Nijmeijer, a guerrilheira holandesa das FARC.

RT: Com o tempo, muitos líderes revolucionários abandonaram a ideia da luta armada e alguns, inclusive, consideram que é um anacronismo. Esta abertura das FARC ao diálogo evidencia esta tendência? Vocês de desiludiram com seus métodos de luta? 

Nijmeijer: Não, eu acredito que não se possa dizer dessa forma. Nós estamos aqui em Havana porque sempre pedimos o diálogo, sempre pedimos a paz, porém o governo colombiano nunca nos permitiu participar politicamente. Então, por esse fato, nós tomamos as armas. Não por gosto ou porque gostamos da guerra. Tomamos as armas em uma legítima defesa contra o terrorismo do Estado colombiano. Ao longo da história ficou claro que nós sempre quisemos o diálogo, quisemos a paz e, por isso, estamos aqui em Havana. Se o governo nos pede diálogo, dialogamos. Se nos pedem guerra, também nos defendemos.

 RT: Nesse sentido, como vê a realidade latino-americana atual? Existem as condições para outras formas de oposição, sem armas?

Nijmeijer: Eu diria que na América Latina está ocorrendo um processo muito interessante. Na Venezuela, no Equador e até na Argentina, em quase todas as partes da América Latina esses processos estão se desenvolvendo. São processos muito significativos e que nos interessam. Assim, nos interessaria fazer política dessa forma, porém, infelizmente, até o momento, não foi possível fazê-lo na Colômbia. Vamos ver se, o quanto antes, com este processo, conquistemos a paz e possamos participar politicamente.

 RT: Durante décadas o governo colombiano tentou colocar fim a este conflito armado. Existe algo que diferencie esta nova tentativa aqui em Havana das anteriores? Existem algumas razões para o otimismo?

Nijmeije: Nós somos muito otimistas. Nós da delegação da paz das FARC somos muito otimistas, porque pensamos que neste momento... Na Colômbia, as mudanças sempre se dão como um fluxo e refluxo do movimento social, dos movimentos camponeses, operários. No entanto, pensamos que, neste momento, esse movimento está se voltando muito grande. Se vê na Colômbia que o povo já não aguenta mais esta guerra e que o próprio povo está pedindo paz. Se vê uma guerra de mobilização social do povo colombiano, que queremos que nos acompanhe nesta tentativa de diálogo e isso é o que vai acontecer. Essa é uma diferença que eu vejo muito grande com os processos de paz anteriores, que existe uma mobilização de paz muito grande, que se vê todos os dias na Colômbia, gente que sai às ruas para protestar. São pessoas que perderam o medo do terrorismo de Estado porque não aguentam mais.
 
Outra coisa que eu vejo neste processo de paz é, digamos, o que já falamos, a situação da América Latina que vem mudando e isso nos ajuda bastante para nos entendermos com o governo colombiano, o acompanhamento dos cubanos, da Venezuela, de todos os países da América Latina. Isso também é um fator externo importante.

RT: No entanto, uma grande maioria dos colombianos considera que os membros das FARC têm que assumir a responsabilidade e receber castigo pelos crimes que cometeram. O que você pensa sobre esse respeito?

Nijmeijer: Bem, eu penso que é um pouco, poderia até dizer absurdo, pedir castigo para as pessoas que sempre atuaram em legítima defesa. É o que já falamos antes, ou seja, nós não estamos fazendo a guerra porque queremos a guerra. Nós queremos a paz, porém a paz com justiça social e isso nunca se deu na Colômbia. Então, não se pode dizer... se uma pessoa bate em você, como exemplo, e você, em legítima defesa, revida, então a pessoa que começou tem que receber o castigo por essa defesa. Isso é um exemplo para mostrar como nós vemos a guerra na Colômbia e o papel que temos nela, como uma defesa.

RT: Você é uma das negociadoras neste processo de paz aqui em Havana. Que ambiente, que clima é sentido na mesa das negociações? É possível que as FARC e o governo colombiano encontrem uma língua comum?

Nijmeijer: Eu penso que o clima na mesa está bom, inclusive existe espaço para piadas, existe espaço para risos e existe um diálogo fluído, bom. Nós apenas estamos começando. É muito difícil dizer até onde vai chegar este processo, porém temos muito otimismo e pensamos que as duas partes querem a paz para o povo colombiano. E onde existe vontade, existe caminho, disse um refrão holandês. Eu penso que é assim, onde existem duas partes que mostram sua vontade de fazer a paz, tem que existir uma solução.

RT: Bom, vamos imaginar que o processo de paz se conclua com êxito e chegue a hora da desmobilização. O que fariam os membros das FARC então?

Nijmeijer: Nós somos uma organização político-militar, porém, em primeiro lugar, somos políticos. Ou seja, para nós os fuzis são coisas de ferro, uns ferros que não são necessários. São necessários nos momentos em que não nos deixam fazer política de outra forma. Porém, se nos deixam fazer política de outra forma, os aposentamos e seguimos fazendo a política, como movimento político, porque é o que somos. Somos o partido comunista rebelado em armas.

RT: Há alguns anos, você, pessoalmente, esteve no centro da atenção mundial, depois da publicação dos diários que foram capturados pelo exército. Muitos entenderam que você estava criticando nestas notas o regime que existe na organização. Poderia comentar isto? E se sim, como pode ser membro da organização se não está completamente de acordo com as regras que existem nela?

Nijmeijer: Em primeiro lugar, tenho que dizer que foi uma forma antiética de tratar um diário pessoal. Penso que deveria ter sido entregue aos meus pais. Porém, isso é um aparte, entre aspas. As coisas que eu escrevi eram sobre a vida cotidiana. Ou seja, por exemplo, qualquer pessoa no mundo que trabalhe em uma empresa tem seus dias bons, tem seus dias ruins e tem críticas. E estas críticas também são expressas dentro da organização. E, assim, se solucionam os problemas. Porém, para mim, esta época era mais difícil porque estava em adaptação às montanhas, à guerrilha, em adaptação cultural, à cultura colombiana, a tudo isso. E isso nem sempre é fácil. Porém, eu muitas vezes faço esta reflexão.

Veja, se todo mundo diz que nós somos terroristas, que atacamos a população civil, como tantas vezes é dito, que recrutamos crianças à força, por que isso não aparece no diário? Esta reflexão ninguém fez. Em nenhum meio li esta reflexão. Então, por que eu não escrevi no diário que “acabo de chegar de um terrível massacre de população civil e agora ou recrutar umas crianças”? Isso não está no diário. No diário está “ai, meu Deus, eu não tenho cigarros e o comandante sim”. Ou seja, são coisas que, quando eu relia, pareciam até infantis. Porém, eram pensamentos meus e reflexos de todo o processo de adaptação na guerrilha e na montanha.

RT: Porém, além de todos estes pequenos detalhes, digamos, levando em conta sua experiência nas FARC, você poderia fazer algumas críticas ao funcionamento desta organização hoje em dia?

Nijmeijer: Claro, você pode fazer suas críticas nos espaços adequados. Para mim, o importante é que, em todos esses anos que estou nas FARC, eu vi que as críticas que fazemos, cedo ou tarde, são escutadas e são resolvidas. Por exemplo, notamos que em tal unidade existe muito machismo por parte dos homens e também pode existir por parte das mulheres. Então, vamos começar uma campanha educativa, para que as pessoas compreendam e adotem o nosso pensamento. Ou em tal unidade existe o caso, por exemplo, do tratamento dispensado por um comandante que não está bem claro ou existe dúvida sobre o que está fazendo. Então, recorremos ao comandante, o enviamos a outro comandante, lhe damos educação/ formação e dizemos como deve fazer as coisas. Então, um vê que existem problemas. Em todas as organizações existem problemas e contradições. Isto se vê até em estados, isto se vê em todas as partes. Até em um clube de futebol você vê contradições. A coisa está em como se resolvem essas contradições. E eu tenho visto que nas FARC as contradições se resolvem de uma forma dialética. Uma forma que eu gosto: se resolvem os problemas. Então, isto para mim é importante.

RT: Já que falamos do dia a dia da organização, durante os últimos anos, a guerrilha perdeu vários de seus líderes, o que a enfraqueceu. Como você vê hoje o movimento, quão numeroso é e como está organizado?

Nijmeijer: Bom, eu penso que, hoje em dia, ou seja, como já está falando do movimento de fluxos e refluxos... Sempre existem altos e baixos. Um dos refluxos para a organização é que o terrorismo de estado e o imperialismo agem com toda a força. Por exemplo, vimos no Plano Colômbia, no Plano Patriota, onde nos envolvem e acusam de tudo: bombardeios, imensos operativos. Então, o movimento está se defendendo. Porém, eu penso que é preciso enxergar as coisas em longo prazo. Nós começamos com 48 homens. Se, hoje em dia, estivéssemos com 48 homens, não estaríamos sentados aqui em Havana. Estamos aqui já que, militarmente, um Governo não vai se sentar à mesa com uma parte derrotada. Isso eles não fazem. Sentam-se conosco porque sabem que, militarmente, não podem nos derrotar e isso é importante.

RT: E na organização, os membros das FARC vivem segundo as normas comunistas, como se programava no início ou, talvez, algo do capitalismo penetrou nas fileiras?

Nijmeijer: Nós temos um regulamento, um estatuto, temos uma cartilha militar que são as normas e as regras para os guerrilheiros das FARC em todos os escalões, desde o comandante Timoleón até o guerrilheiro que ingressou ontem. Então, essas normas são de cumprimento obrigatório. Claro que muitas vezes ocorrem infrações dessas normas, ou seja, pessoas que... por exemplo, na guerrilha é muito complicado comprar um MP3 ou uma rádio, porque, através deles é possível nos localizarem e, assim, nos bombardearem.

Então, quando um guerrilheiro infringe a disciplina, tratamos de educa-lo. Pode ser com um castigo, pode ser com a escrita de algumas páginas, fazendo uma crítica na reunião do partido. Nós fazemos a reunião do partido a cada 8 dias. Então, se critica ao companheiro. Por exemplo, se algum camarada tem algum comportamento que se vê como prejudicial, como não muito bom, pode ser de machismo ou de coisas, como você disso, do capitalismo, de querer ter coisas, não pensar no coletivo, então, ali se chama a atenção e os outros camaradas vão criticando-o e é feita a autocrítica correspondente e resolvidos os problemas.

RT: O Governo colombiano, assim como o governo dos EUA, sempre insistiu que as FARC vivem do narcotráfico, o que sempre foi negado pela guerrilha. Se não é esta a fonte, qual é o apoio recebido pela luta revolucionária?

Nijmeijer: Nós temos uma lei que se chama Lei 002. Todo colombiano tem que pagar impostos ao Estado colombiano, que faz guerra contra o próprio povo. Então, ao criarmos a Lei 002, nós pensamos que seria justo cada pessoa que ganhe mais de um milhão de dólares pague um imposto revolucionário à guerrilha. Assim, nós cobramos esses impostos e nas zonas “cocaleras”, onde somente existe coca, nós pedimos imposto revolucionário aos mafiosos, às pessoas que ganham muito dinheiro com este negócio. Nós não vamos pedir impostos a um camponês que tem um hectare com coca. Não. Então, esse é o laço entre a guerrilha e a coca. Em outras zonas, onde existem outros negócios, são levantados outros impostos. Porém, essa é a lógica utilizada quando cobramos impostos em um país, onde todas as instituições e todas as partes estão impregnadas de narcotráfico. Na Colômbia existem mafiosos e narcotraficantes que têm que nos pagar os impostos. Porque uma guerra sem financiamento não possui motor.

RT: Este ano, as FARC anunciaram o abandono da a prática dos sequestros. No entanto, existem alguns reféns. Como será o futuro destas pessoas? Existe algum plano para libertá-los?

Nijmeijer: Há algum tempo existia uma fundação, cujo nome não me recordo. Acho que era Nuevo Arcoíris (Novo Arco-íris). Ela dizia que nós tínhamos 3.000 reféns em nosso poder. Isso foi antes de fevereiro deste ano, quando dissemos que não íamos manter reféns por questões econômicas. Na época, nós fizemos uma contagem e chegamos ao número de nove detidos, em todas as frentes. Seria muito bom, penso eu, é uma reflexão minha, que o governo fizesse um cessar fogo. Assim, poderíamos solicitar que comissões da Cruz Vermelha ou comissões de direitos humanos inspecionassem nossas frentes e vissem quais são os detidos que temos em nosso poder e ver que já não existem tantos reféns. Em compensação, em uma guerra de tantos anos, existem hoje mais de 50.000 desaparecidos do estado. Eu imagino que uma parte desses 50.000 está, supostamente, em nosso poder. Então, vamos ver a verdade, vamos fazer com que a verdade venha à tona.

RT: Em diferentes meios de comunicação circula a informação de que as FARC ajudam, apoiam os governos socialistas, vizinhos e, inclusive, hospedam alguns de seus membros em seu território. É verdade que existe este tipo de colaboração?

Nijmeijer: Eu penso que, para nós, esses governos são um exemplo, nos dão moral, são muito importantes e, neste processo de paz nos brindam com uma colaboração muito grande sim, porém, como mediadores. Eu penso que não se pode falar... Nós das FARC nunca recebemos colaboração, em nenhum sentido, de nenhum governo, por exemplo, nem da União Soviética quando existia, nem da Venezuela, nem do Equador. Nós somos um movimento com um pensamento próprio, porém também com ideias próprias. Então, nós não temos... Eles são estados. Nós somos um estado, mas em formação. Assim, não existem relações. Eles têm relações econômicas e políticas, mas com o estado colombiano.

RT: Você declarou estar orgulhosa de ser guerrilheira, de ser membro das FARC. O que alimenta este orgulho?

Nijmeijer: PO orgulho de ser guerrilheira das FARC é o orgulho de pertencer a uma organização que, apesar de tanta raiva midiática, apesar de um terrorismo de estado, apesar de tanto dinheiro gasto para guerrear contra nós, nunca nos rendemos e sempre continuamos lutando pelo que acreditamos que é justo e isso faz com que eu me sinta muito orgulhosa. Sinto-me orgulhosa por tudo que temos. O fato de sermos farianos, de termos cultura, termos livros, termos canções, centenas de canções, termos gente, gente boa, capacitada, mulheres lindas, revolucionárias.

RT: Você me disse que é melhor chama-la de Alexandra. Por que é tão importante para os guerrilheiros ter outro nome?

Nijmeijer: Porque é o nome de guerra e, então, quando se chega à montanha, você adota outro nome. Isso ocorre porque em uma guerra é preciso existir clandestinidade. Para uma guerrilha é muito importante o segredo, a clandestinidade. Assim, nós não nos conhecemos e não nos tratamos pelos nomes civis para guardar o segredo. Eu acredito que isso aconteça em todas as guerras.

RT: É como uma norma, não?

Nijmeijer: Sim, é uma norma. Todo o tempo, a imprensa me chama pelo nome civil e isso não me importa. No entanto, prefiro meu nome guerrilheiro. É assim que meus companheiros chamam e ele expressa o sentir revolucionário e guerrilheiro.

RT: O que você conquistou após ingressar nas fileiras dos guerrilheiros e que não podia receber na Europa, onde, segundo muitas pessoas, tinha o futuro seguro?

Nijmeijer: Eu penso que o mais importante para mim é estar dentro das fileiras guerrilheiras, o fato de receber o reconhecimento dos próprios guerrilheiros pela solidariedade internacional. Muitas vezes eu chego a qualquer parte, estou fazendo qualquer tarefa e me chega alguém e diz: “Sinto-me orgulhoso de que você esteja aqui. Sinto-me feliz ao saber que não estamos sós nesta luta. Mesmo com tudo o que dizem as mídias, com toda a má propaganda que nos fazem, você veio para cá nos apoiar”. Isso é o mais importante para mim. Eu não teria recebido isso na Holanda.

RT: E nunca se arrependeu, pensando como muitas mulheres jovens: será que, talvez, me case, forme uma família, tenha filhos?

Nijmeijer: Não, nunca. Na verdade, eu me arrependi várias vezes quando pensava que não conseguiria mais participar das marchas. Eu dizia “eu não vou conseguir, não posso, não posso”. Porém, cada vez que chegava de uma marcha, estava feliz novamente por ter conseguido. São barreiras que existem e que você vai superando, cada vez mais, cada vez mais. Mas, estar arrependida porque gostaria de ter uma família, não. Eu não desejo essa vida.

RT: Não sente falta de nada de sua vida anterior, da família, de algumas coisas com as quais estava acostumada?

Nijmeijer: Minha família, claro. Eu acredito que qualquer guerrilheiro que esteja neste momento na montanha sente falta de sua família. Claro que as FARC são como minha segunda família. Uma família com a qual você vive coisas mais intensas e muito diferentes das vividas com uma família normal. Mas é inegável, sempre fica na cabeça o retrato da família. É uma grande alegria quando você tem a possibilidade de vê-los, de chama-los, porém é um sacrifício que todos somos conscientes que temos que fazer, porque, caso contrário, não fazemos nada.

RT: E como vê seu futuro? Você se vê inserida na política colombiana, por exemplo?

Nijmeijer: Eu vejo meu futuro dentro das FARC e empregando-me no que for necessário, no que a organização necessite. Se a organização necessitar de uma professora, serei professora. Se necessitarem de uma política, estarei às ordens.

RT: As FARC protagonizam o conflito armado, que já dura décadas, e custou milhares de vidas. Você assume esta responsabilidade? Existe algo pelo qual pediria perdão?

Nijmeijer: Eu não gostaria de pedir perdão. Gostaria de pedir justiça. Isso e nada mais.
 

RT: Muito obrigado pela entrevista, Tanja.

 
Fonte: Russia Today (RT)

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)