Uma paz mal construída é pior que uma guerra
Conferência de imprensa
Essas conversações que começam como desdobramento do Acordo Geral para o término do conflito e construção de uma paz estável e duradoura estão claramente vinculadas ao que diz a parte preambular e os desenvolvimentos do mencionado documento, que deixa nitidamente estabelecido que o propósito subjacente a este esforço é a busca da justiça social. Essa é a base para alcançar entre todos os colombianos a reconciliação e a reconstrução do país.
A essência da questão não leva em conta que as FARC se convertam ou não em uma organização política legalizada para começar a percorrer o mesmo calvário em que caiu a União Patriótica a partir da tomada do caminho das promessas retóricas. O fundamento da nossa presença em Havana é levantar a nossa voz para que seja a vontade do povo a se expressar, de modo que o governo empreenda as mudanças necessárias para que as maiorias nacionais não continuem a sofrer com a miséria, expulsões, desapropriações, com o terror e a morte a que foram submetidos por décadas pelas elites no poder.
Sobre o fim do conflito, então, que haja uma visão conjunta do assunto. São necessárias, naturalmente, mudanças no modelo de sociedade e no sistema político antidemocrático que é, em última instância, responsável pela vergonhosa desigualdade e exclusão que caracterizam o regime colombiano.
As FARC não estão em processo de negociação, pois nada temos que entregar e muito temos para exigir, como parte dessa enorme massa de despossuídos clamando por terra, moradia, saúde, educação, pão, liberdade e democracia verdadeira.
Neste processo, as partes acordamos sobre alguns mecanismos iniciais para abrir caminho à participação cidadã; mas, na visão das FARC, esses mecanismos são apenas catalisadores para novas, múltiplas e enriquecedoras iniciativas, que estão surgindo e deverão continuar surgindo no seio da população, de modo que o protagonismo do constituinte primário seja o artesão dessa construção patriótica que é a paz. O povo da Colômbia deve ter, do início ao fim, um voz direta e decisiva nas negociações. De maneira nenhuma firmaremos acordos nas sombras, muito menos virando as costas para o país.
Todas as iniciativas de colombianos que chegam à mesa terão a nossa contribuição diligente para serem analisadas e tomadas em consideração como parte de um mandato popular, e não como meras opiniões a serem tratadas como itens descartáveis.
Da mesma forma, o que foi dito pelo conjunto dos convidados à mesa para esclarecer o desenvolvimento do primeiro ponto da agenda, a política de desenvolvimento agrícola integral, será material de consulta permanente, pois são argumentos que desvendam as causas da ordem social e explicam a permanência do confronto que está fazendo sangrar a pátria.
Temos identificado nestes, e nas abordagens do Foro Agrário, do qual já chegaram notícias de sucesso, que o problema refere-se ao latifúndio, construído a partir da apropriação violenta de terras por parte das elites no poder, germe fundamental do confronto, devendo ser atacado a fim de que se construam caminhos para democratizar a propriedade.
Esta mesma idéia está latente nas conclusões que vieram das mesas regionais de trabalho que impulsionaram as comissões de paz do Senado e da Câmara, bem como no Encontro Internacional de Povos Construindo a Paz. E a este respeito, as propostas das organizações sociais dos marginalizados, dos indígenas, das comunidades afro, dos camponeses, e de toda cidadania, clamam majoritariamente em defesa das pequenas e médias economias rurais, pelo fortalecimento das pequenas e médias propriedades agrícolas, pela defesa das Unidades Agrícolas Familiares, das reservas indígenas, das terras comunitárias de negros e das Zonas de Reserva Campesinas; clamam para que se reordene o território, fazendo cessar a pradarização do país, estabelecendo limites sensatos à desaforada pecuária extensiva; clamam para que se priorize a produção agrícola para garantir a soberania alimentar, e não a produção predatória, extrativista, favorecendo projetos agroindustriais para a produção de biocombustíveis e minério que, além de entregar o território e pisotear a soberania pátria, estão criando mais pobreza, mais desigualdade e um perigoso desequilíbrio ambiental.
Este processo que irá abordar seis blocos temáticos em que estão incorporados os problemas econômicos, de desenvolvimento político e social da Colômbia, será reiniciado em meados de janeiro, provavelmente com propostas audaciosas que tomem o objetivo principal de construir a justiça social desde já, sem promessas adiadas e sem intervalos que ameacem o diálogo.
Entendemos que o encerramento do conflito é uma necessidade vital para a nação, e por isso exigimos soluções para as causas que lhe deram origem, e contribuímos para criar a melhor atmosfera possível para o desenvolvimento das negociações, com a cessação unilateral de ações ofensivas, tendo em mente que quando ocorrer a desmilitarização da sociedade e do Estado, a construção da Nova Colômbia já terá percorrido um bom caminho. Para que então já não reine a impunidade que se pretende com a aprovação do foro militar e que todos os tiros disparados pelo Estado, com as medidas neoliberais que sufocam os colombianos, cessem totalmente e só se possa escutar a alegria de um povo que saiu da miséria.
Com a verdade pura e clara, seguiremos trabalhando de forma digna, séria, realista e eficaz, em função da justiça social e da manutenção em alta conta dos interesses mais sensíveis do povo colombiano. Nesta dinâmica, esperamos que o país avance até a fundação de uma democracia popular, ou seja, verdadeira e cheia de povo.
Delegação de paz das FARC-EP
Tradução: PCB- Partido Comunista Brasileiro