Como Cuba inspirou Mandela
Pablo
Esparza
Quinta-feira,
5 de dezembro de 2013
Numa
parede de pedra de quase 700 metros, na colina do Parque da Liberdade
de Pretória, a capital da África do Sul, há gravados mais de
95.000 nomes. E, entre eles, os de 2.107 soldados cubanos. “Esse
muro guarda a memória e rende homenagem àqueles que morreram para
que hoje a África do Sul tenha paz e democracia. E nessa luta Cuba
representou um papel importante”, diz à BBC Mundo Victor
Netshiavha, curador chefe do memorial, impulsionado por Nelson
Mandela e inaugurado em 2007.
Porém,
quem foram esses cubanos que “lutaram pela libertação da África
do Sul”?
Os
nomes presentes no muro de Pretória são dos soldados mortos na
batalha de Cuito Cuanavale, em Angola, em 1988, à qual o líder
sul-africano Nelson Mandela, falecido a 5 de dezembro, se referiu em
diversas ocasiões como um ponto de inflexão na luta contra o
apartheid.
“Aquela
impressionante derrota do exército racista deu a Angola a
possibilidade de desfrutar da paz e consolidar sua soberania. Deu ao
povo de Namíbia sua independência, desmoralizou o regime racista
branco de Pretória e inspirou a luta contra o apartheid dentro da
África do Sul [...]. Sem a derrota em Cuito Cuanavale nossas
organizações nunca teriam sido legalizadas”, disse Mandela ante
uma multidão no 26 de julho de 1991 em Matanzas, Cuba.
Fazia
apenas um ano e meio que o líder sul-africano havia saído da prisão
de Robben Island –onde havia permanecido durante 27 anos- e aquela
era sua primeira visita a Cuba.
A
batalha decisiva
Cuito
Cuanavale foi, talvez, uma das batalhas mais decisivas da guerra
civil angolana, que durou quase 30 anos, desde 1975 até 2002, e na
qual a intervenção cubana teve um papel chave.
“Nesses
momentos havia 50.000 soldados cubanos em Angola. Na ofensiva
participaram 10.000”, conta à BBC Mundo o jornalista cubano
Hedelberto López Blanch, autor do livro Cuba,
pequeño gigante contra el apartheid
[Cuba, pequeno gigante contra o apartheid].
No
conflito angolano se enfrentaram as forças do governo do Movimento
Popular de Libertação de Angola [MPLA] –naquela época, de
inspiração marxista e apoiado por Cuba e a União Soviética-
contra o grupo insurgente União Nacional para a Independência Total
de Angola [UNITA], apoiado pelo governo do apartheid sul-africano e
pelos Estados Unidos.
“Cuito
Cuanavale foi um ponto de inflexão na história da África. Os
militares do governo do apartheid haviam ocupado todo o sul da África
depois de 1975, buscando dar marcha a ré nas independências dos
povos dessa região. Com o apoio dos cubanos, os angolanos venceram
as forças do apartheid. Foi uma derrota total. A partir desse
momento, Pretória negociou com os angolanos e namibianos e conduziu
a independência do sul da África. Depois, se iniciaram as
negociações com o Congresso Nacional Africano [ANC, por sua sigla
em inglês], que concluíram com a libertação de Nelson Mandela e
ao fim do apartheid”, comenta para BBC Mundo Horace Campbell,
professor de ciências políticas e experto em relações entre
África e América da Universidade de Siracuse, nos Estados Unidos.
“Foi
a maior batalha desde o final da II Guerra Mundial, entre novembro de
1987 e junho de 1988”, acrescenta.
A
sombra da Guerra Fria
Para
alguns, a guerra civil de Angola nos anos ’70 e ’80 pode ser lida
como uma peça a mais da Guerra Fria e nessa chave de interesses
políticos interpretam a intervenção cubana no continente.
“A
região do sul da África estava no centro da Guerra Fria nos ’80.
Os governos ocidentais rechaçavam nesse momento apoiar o ANC e
ajudavam ao governo branco da África do Sul. Por outro lado, o bloco
soviético, sim, prestou seu apoio [a União Soviética, Alemanha
Oriental, Cuba...]. Lhes deram, junto ao Partido Comunista
Sul-Africano, ajuda militar e financeira”, aponta para BBC Mundo o
analista em temas sul-africanos da BBC Farouk Chothia.
No
entanto, o conflito teve lugar num contexto regional complexo e
repleto de matizes.
O
governo de Pretória –que controlava naquele momento a atual
Namíbia- era uma das principais potências da região e as questões
raciais e os processos de descolonização tiveram um papel
fundamental.
“A
narrativa sobre a Guerra Fria, neste caso, faria pensar que a luta
pela independência em África era secundária. Para os que põem a
questão da Guerra Fria por diante desse aspecto, pareceria que os
africanos não queriam a independência”, diz Campbell.
"Internacionalismo"
Nesse
sentido, Havana justificou sua intervenção em Angola –que se
havia iniciado em 1975- em nome do internacionalismo e da
solidariedade.
“Nos
anos da colônia chegaram a Cuba mais de um milhão e 200.000
africanos como escravos. Muitos deles lutaram nas guerras de
independência. Por isso, Fidel Castro dizia que, indo à África a
lutar contra o apartheid e o colonialismo, se estava pagando uma
dívida pendente”, assinala López Blanch.
O
governo de Cuba –onde o serviço militar é obrigatório- sempre
assegurou que os soldados enviados a Angola eram voluntários. No
entanto, vozes críticas assinalam que, naquela época, negar-se a
viajar a África podia supor um estigma e um freio a uma carreira
futura.
Apoio
ao ANC
Porém,
a influencia cubana na política sul-africana nos anos ’80 não
deriva somente da intervenção militar em Angola.
Havana
também apoiou, desde meados dos ’70, diretamente ao CNA [Congresso
Nacional Africano], o partido de Mandela, clandestino na África do
Sul e com muitos de seus membros no exílio naquele momento.
“Joe
Slovo, o secretário do Partido Comunista, e Oliver Tambo, secretário
do CNA, pediram a Cuba ajuda para treinar aos combatentes
sul-africanos. A maior parte desses treinamentos teve lugar em
Angola. Cuba treinou combatentes do CNA tanto em forças especiais
como comandos urbanos, explosão, minas, luta clandestina... Uma
série de especialidades que eles pediam para incrementar a luta
dentro da África do Sul”, indica López Blanch.
Depois
da queda do apartheid e após a vitória nas eleições de 1994, o
CNA se transformou no partido de governo e Nelson Mandela em
presidente do país.
Pouco
depois, Cuba se converteu no primeiro país reconhecido
diplomaticamente por seu governo.
E, em
1995, o já presidente Nelson Mandela agradeceu uma vez mais a ajuda
cubana numa conferência de cooperação entre os dois países.
“Compartilharam
as trincheiras conosco na luta contra o colonialismo, o
subdesenvolvimento e o apartheid. Centenas de cubanos deram suas
vidas, literalmente, numa luta que era, antes de tudo, nossa, não
deles. Como sul-africanos, lhes damos as boas-vindas”, disse.
Tradução:
Joaquim
Lisboa Neto
Tomado de Resumen Latinoamericano