Os comandantes não aplaudiram no ato de homenagem a Goulart
Desdém dos militares a Dilma
Há um mal-estar castrense a partir da exumação dos restos do ex-presidente Goulart, ademais de sua restituição no cargo como fato simbólico e político.
Por Darío Pignotti
Na quinta-feira passada [19.dez] se realizou a cerimônia onde se restituiu o cargo a Goulart.
De
Brasília
São
incorrigíveis. O
general, o almirante e o brigadeiro que comandam as forças armadas
do Brasil desafiaram a presidenta Dilma Rousseff e aos parlamentares
reunidos no Senado ao permanecer impassíveis, sem aplaudir, como o
fazia o restante dos presentes, durante a cerimônia na qual se
restituiu simbolicamente o cargo ao ex-mandatário João [Jango]
Goulart, derrocado pelo golpe de Estado de 1964.
Enzo
Martins Peri, Julio Soares de Moura Neto e Junii Saito, chefes do
Exército, da Marinha e da Aeronáutica, observaram, sem gesticular,
o momento em que Rousseff abraçou João Vicente Goulart, filho do
presidente destituído, depois de receber a resolução parlamentar,
votada por todos os partidos, em que se decretou nula a sessão de
1964 que legitimou o aval à ditadura civil-militar.
Os
três comandantes, que estão em seus cargos desde o governo de Luiz
Inácio Lula da Silva [contra quem também montaram um princípio de
insubordinação quando se tocou na agenda de direitos humanos],
repetiram na semana passada, na solenidade realizada no palácio
semiesférico do Poder Legislativo de Brasília, o mesmo desplante de
2011, quando permaneceram de mãos cruzadas enquanto Dilma, dezenas
de familiares de desaparecidos e uma delegação argentina,
encabeçada pelo falecido secretário de Direitos Humanos Eduardo
Luis Duhalde, aplaudiam a criação da Comissão da Verdade.
“Creio
que o sucedido na última quinta-feira no Congresso foi algo mais que
um gesto de insolência, me parece que esse comportamento dos
comandos militares esteve à beira da insubordinação à presidenta
e aos poderes da República”, argumenta o jornalista Luiz Claudio
Cunha em entrevista com
Página/12.
Cunha
é autor do livro mais exaustivo e melhor documentado sobre o Plano
Condor no Brasil [O sequestro dos uruguaios], ademais de contar com
informações fidedignas do interior castrense.
“Se
diz que há um mal-estar militar, pelo menos entre os altos oficiais.
Parece ser que eles não estão nada conformados com a exumação do
ex-presidente Goulart, com as honras com que foram recebidos seus
restos em Brasília, o estudo dos restos [mortais] para saber se foi
envenenado pelo [Plano] Condor e a restituição no cargo, que é um
fato simbólico sem deixar de ser político”.
Ante
a suspeita de que a coordenação repressiva Condor tenha envenenado
a Goulart, falecido a 6 de dezembro de 1976 em Corrientes
[Argentina], a Comissão da Verdade motorizou sua exumação no
cemitério municipal de São Borja e o translado de seus restos a
Brasília, onde foram recebidos com honras de Estado e se lhe
extraíram mostras para serem analisadas em laboratórios
estrangeiros.
Para
Luiz Claudio Cunha, a corporação militar recrudesceu seus instintos
revanchistas depois da chegada ao governo da “ex-guerrilheira e
hoje comandante-chefe das forças armadas Dilma”.
“Até
há algum tempo, os generais se mostravam incômodos com algumas
tentativas revisionistas da ditadura, porém agora se os vê
ostensivamente irritados contra a reivindicação de verdade e
justiça, como revela a atitude do comandante do Exército Peri com
sua omissão durante os aplausos no Congresso. E antes se viu essa
mesma irritação na postura prepotente do general Carlos Bolívar
Goellner, quando participou do enterro definitivo do presidente
Goulart, neste 6 de dezembro em São Borja”.
Chefe
do Comando Militar do Sul, com jurisdição sobre as fronteiras com
Argentina, Uruguai e Paraguai, o general Bolívar Goellner declarou
em São Borja sua plena reivindicação da sedição que derrubou
Jango Goulart em 1964. “Não há nada de que retratar-se, não há
nenhum erro histórico, a história não comete erros, a história é
a história”, provocou o general ante a consulta da imprensa no dia
em que se realizava o segundo e definitivo enterro de Goulart, a 37
anos de seu falecimento no exílio argentino.
“Não
é um fato menor que ninguém em Brasília tenha enquadrado o
verborrágico e rechonchudo general Bolívar Goellner. Houve um
silêncio vergonhoso de parte de seu chefe imediato, o comandante do
Exército Peri, e também do chefe de ambos, o ministro de Defesa
Celso Amorim”, assinala Cunha. E acrescenta um dado inquietante, o
boquirroto Bolívar Goellner, de 63 anos, “tem uma ficha limpa em
matéria de violação dos direitos humanos, já que, quando chegou a
ditadura, ele tinha 14 anos e esta terminou quando havia cumprido
35”, porém, apesar disso, está “entrincheirado na defesa do
regime”. Corolário: não há depuração ideológica entre os
quadros militares brasileiros unidos na reivindicação do terrorismo
de Estado e contra as tentativas por reconstruir a memória.
Tradução:
Joaquim
Lisboa Neto
Extraído
de Resumen Latinoamericano – Argentina.