Doze propostas mínimas para uma Assembleia Nacional Constituinte
Durante
estes dias escutamos na Mesa de Conversações a expertos no tema
“solução
ao problema das drogas ilícitas”.
A rodada se iniciou com altos funcionários do escritório das Nações
Unidas Contra as Drogas e o Delito, conhecedores, antes de tudo, do
problemático assunto da lavagem de ativos e da captação de lucros
criminais por parte do setor financeiro, protagonista principal,
quase nunca mencionado, do flagelo do narcotráfico.
Através
do Centro de Pensamento da Universidade Nacional, expuseram suas
visões acerca do assunto os professores Darío Fajardo, Ricardo
Vargas, Francisco Thoumi, Rodrigo Uprimny e Alfredo Molano.
As
FARC-EP agradecem publicamente as imensas contribuições teóricas
desses acadêmicos e as experiências transmitidas por campesinos do
Meta, Guaviare e Cauca, que com otimismo vieram a Havana a contribuir
na construção de um acordo de paz.
Aproveitamos
este encerramento de ciclo para agradecer também as propostas que o
povo colombiano nos aproximou através dos foros que sobre o tema em
discussão se fizeram em Bogotá e San José del Guaviare, os quais
confirmam que a estratégia antidrogas do governo, que põe ênfase
em práticas de erradicação forçada e fumigações aéreas, é um
fracasso.
Todos
os esforços coincidem em que esta política somente tem servido para
fazer mais rentável o negócio aos narcotraficantes e banqueiros
corruptos, porque, se bem que se reduziram os cultivos, ao mesmo
tempo aumentou sua produtividade, enquanto cresce a miséria dos
campesinos cultivadores.
Com a
perversa desculpa da luta contra o narcotráfico, não se deve seguir
fazendo a guerra às comunidades rurais só para despojá-las da
terra e seguir abrindo passagem às multinacionais que saqueiam as
riquezas de nosso país.
Se, na
verdade, se quer dar solução ao fenômeno dos cultivos de uso
ilícito, se deve começar por entender que este é um problema
social; é a miséria imposta pela política neoliberal do regime que
tem impulsionado uma imensa massa de pobres a ter que sobreviver
vinculando-se a esta e outras economias ilegais. E não devemos
esquecer nunca que, no fundo desta triste história, está presente o
problema não resolvido da reforma agrária.
Assim
as coisas, o tratamento punitivo e militar que os pobres do campo
recebem é outra perversidade dos que, desde o regime, seguem
monopolizando a terra, estrangeirizando-a, em detrimento da soberania
nacional e do bem-estar das maiorias. O país inteiro deve exigir a
reforma agrária imediata que acabe com o latifúndio, redistribua,
restitua e formalize a propriedade da terra em benefício das imensas
massas rurais, referente a que a cada dia é mais urgente destinar
verdadeiros programas, não de consolidação militar, mas sim de
investimento social, que lhes leve finalmente à moradia digna, a
saúde, a educação, e ao bem viver em geral.
Estamos
absolutamente certos de que combinar com as comunidades e entregar a
terra e possibilidades dignas de existência ao povo do campo é a
melhor maneira de arrancá-los de qualquer prática ilegal de
produção. Por isso, advertimos o governo que, como parte de uma
efetiva reforma agrária, se comece por entregar o milhão de
hectares de terra que o paramilitar esmeraldero Victor Carranza
monopolizou violentamente. Na mesma dinâmica, que prossiga sem
temor, destinando pelo menos 20 milhões de hectares dos 40 [terça
parte do território nacional] que os latifundiários pecuaristas
acumularam mediante práticas de despojo e morte.
Não
queremos mudanças cosméticas, mas sim reformas estruturais que o
povo deverá ratificar assumindo de maneira plena seu poder criador e
sua condição de soberano, para o qual não há maneira diferente
que a realização de uma Constituinte.
Em tal
sentido, as FARC-EP não querem terminar este ciclo sem apresentar à
consideração do país suas Doze propostas mínimas para uma
Assembleia Nacional Constituinte para a paz, a democratização real
e a reconciliação nacional.
1.
Processo de paz e poder constituinte.
Em
consideração à oportunidade histórica sem igual de um Acordo
final que permita avançar para a construção do nobre propósito da
paz com justiça social, da democratização real e da reconciliação
nacional; de deixar a um lado as forças militaristas e de ultra
direita obstinadas numa prolongação indefinida da confrontação
armada; de dotar o dito Acordo com a maior participação social e
popular e legitimidade possível, se apelará para a vontade do povo
soberano, ao poder intrínseco do constituinte primário e soberano.
Tudo isso em consonância com o assinalado no preâmbulo do “Acordo
Geral para a Terminação do Conflito, firmado pelas FARC-EP e o
Governo nacional” em 26 de agosto de 2012, quando estipula que “a
construção da paz é um assunto da sociedade em seu conjunto que
requer a participação de todos [...]”.
2.
Convocatória de uma Assembleia Nacional Constituinte para a paz.
Se
convocará a Assembleia Nacional Constituinte como máxima expressão
do constituinte primário e soberano.
3.
Grande acordo político nacional para uma Assembleia Nacional
Constituinte.
A
convocatória se fundamentará num “Grande Acordo político
nacional para uma Assembleia Nacional Constituinte”, concebido como
expressão da vontade política coletiva e do compromisso das forças
políticas, econômicas, sociais e culturais da Nação para
contribuir para a construção de um Acordo final. O propósito do
mencionado grande acordo consiste em dar visibilidade jurídica e
política à iniciativa; estabelecer os critérios para a conquista
da mais ampla mobilização e participação social e popular;
combinar propósitos e princípios, natureza, composição, matéria
e alcances legislativos da Assembleia, sem prejuízo das definições
próprias do constituinte soberano. O “Grande Acordo político
nacional” se compreende como uma expressão elevada da participação
social na construção do Acordo final...
4.
Mobilização social por uma Assembleia Nacional Constituinte.
Para
tal efeito, se ativarão os dispositivos comunicacionais a que houver
lugar, incluído seu financiamento. De maneira especial, se
estimulará a participação dos setores sociais excluídos,
discriminados e segregados, compreendidas as comunidades campesinas,
indígenas e afrodescendentes. A geração de condições para
transitar para a paz com justiça social exige a maior legitimidade.
5.
Poderes públicos e Assembleia Nacional Constituinte.
No
entendido de que o levantamento armado não foi contra algum governo
em particular, mas sim contra o Estado em seu conjunto, o “Grande
acordo político nacional” deve comprometer a todos os poderes
públicos, sem prejuízo das faculdades e funções que lhes foram
conferidos. A convocatória e realização de uma Assembleia Nacional
Constituinte têm de ser expressivas de uma vontade de Estado na
busca de um bem comum maior: a paz com justiça social, estável e
duradoura.
6.
Projetos normativos.
Em
reconhecimento da origem política do direito, farão parte do
“Grande acordo político nacional” os projetos normativos,
incluídos as reformas, o procedimento e os tempos a que houver
lugar, para dar uma viabilidade jurídica e política à convocatória
e realização de uma Assembleia Nacional Constituinte.
7.
Propósito e princípios.
1. Definir
os fundamentos normativos para a reconciliação nacional e uma paz
com justiça social, estável e duradoura.
2.
Preservar
e reafirmar o compromisso com o catálogo de direitos da Constituição
de 1991, incluído o reconhecimento dos direitos das minorias e das
comunidades indígenas e afrodescendentes.
3.
Assentar as bases normativas para um aprofundamento real da
democracia política, econômica, social e cultural.
4. Reafirmar
os princípios universais de soberania e autodeterminação no
concernente à busca de alternativas entre o bem comum da paz e a
denominada justiça transicional.
… A
Constituição que surja do processo constituinte será o verdadeiro
Tratado de paz, justo e vinculante, que funde nossa reconciliação e
reja o destino da nação colombiana.
8.
Natureza da Assembleia Nacional Constituinte.
A
Assembleia Nacional Constituinte possui um duplo caráter. É uma
Assembleia de referenda de acordos, na medida em que estes
comprometam a ordem constitucional vigente ou de acordos não
conquistados na Mesa de diálogos, frente ao qual se atenderá a
vontade do constituinte primário e soberano. Em todo caso, no
momento da referenda da lei de convocatória da Assembleia Nacional
Constituinte também se submeterão a consideração os temas que
tenham sido acordados entre o Governo e as FARC-EP. Os referidos
temas não serão objeto de estudo por parte da Assembleia.
9.
Composição.
A
Assembleia Nacional Constituinte será composta por 141 integrantes;
comina um caráter estamental, determinando cotas de participação,
com um de eleição geral. Com vistas a garantir a mais ampla
participação social e popular e a maior representatividade e
legitimidade possíveis, a Assembleia estará composta por
representantes das forças guerrilheiras que se encontraram na
condição de levantamento armado contra o Estado, em número que
será definido como parte de um eventual Acordo final; por
representantes das comunidades campesinas, indígenas e
afrodescendentes; por representantes dos trabalhadores organizados;
das vítimas do conflito; das mulheres organizadas; dos estudantes
organizados; das comunidades LGBTI; dos militares aposentados; dos
nacionais residentes, refugiados ou exilados no exterior; e o
restante por representantes das forças políticas, econômicas e
sociais da Nação.
10.
Designação e eleição dos membros da Assembleia Nacional
Constituinte.
Os
membros da Assembleia Nacional Constituinte serão escolhidos por
designação direta ou mediante eleição popular, segundo o caso. Os
membros designados de maneira direta correspondem às forças
guerrilheiras que se encontraram na condição de levantamento armado
contra o Estado. A designação direta se exerce em representação
da totalidade dos combatentes, como reconhecimento e parte do
trânsito ao exercício pleno da política, e em atenção às
previsíveis condições de assimetria na competição política. Os
membros escolhidos mediante eleição popular serão de dois tipos.
Os eleitos em circunscrições especiais, as quais serão criadas em
reconhecimento de uma história de exclusão, segregação e abandono
estatal, e da assimetria na competição eleitoral. As circunscrições
especiais serão concedidas às comunidades campesinas, indígenas e
afrodescendentes, aos trabalhadores organizados, às vítimas do
conflito, às mulheres organizadas, aos estudantes organizados, à
comunidade LGTBI, aos nacionais residentes, refugiados ou exilados no
exterior. Também aos militares aposentados. Os demais membros da
Assembleia serão escolhidos através de eleição geral e direta.
11.
Matéria da Assembleia Nacional Constituinte.
Sem
prejuízo das definições próprias da Assembleia Nacional
Constituinte, a matéria da Assembleia será combinada no marco do
“Grande Acordo político nacional”. Em todo caso, se trata de
aperfeiçoar projetos atuais inconclusos, incorporar novos e conter
cláusulas pétreas em matéria de direitos fundamentais e de
reconhecimento de direitos de comunidades indígenas e
afrodescendentes. A Assembleia se ocupará de igual maneira dos temas
que não tenham sido objeto de acordo na Mesa de Conversações.
12.
Alcances legislativos.
Os
eventuais alcances legislativos da Assembleia Nacional Constituinte,
através de leis orgânicas, de leis marco, ou de leis estatutárias,
segundo o caso, naquelas matérias que contribuam para a consolidação
de um verdadeiro Estado social e democrático de direito e propiciem
uma maior democratização política, econômica, social e cultural
da Nação, serão definidos pela própria Assembleia em suas
deliberações, atendendo os propósitos e princípios do “Grande
Acordo político nacional”. Se a isso se chegar, se comporá por um
período preciso um corpo legislativo especial, cuja composição
será determinada pela própria Assembleia.
Desejamos
ao país um natal e um fim de ano em família, plenos de
tranquilidade e esperanças. A nossos guerrilheiros e guerrilheiras,
milicianos e militantes clandestinos, e a nossos prisioneiros nos
cárceres do regime, muita força, muita inteligência; ousadia,
combatividade e certeza de que o futuro será do povo. Juramos
vencer, e venceremos.
DELEGAÇÃO
DE PAZ DAS FARC-EP