Cooperativismo e agroecologia: Ecocitrus, o despertar de um gigante
Montenegro (RS) -
É a capital da citricultura no estado e a sede da Cooperativa dos Citricultores do Vale do Caí (Ecocitrus), região com cerca de 20 municípios pouco mais de 160 mil habitantes, sendo 41 mil na zona rural, a pouco mais de uma hora da capital, via rodoviária. É quase integrante da região metropolitana. A Ecocitrus vai completar 20 anos em 2014 e tem muito a comemorar: produz suco orgânico certificado, extrai óleo dos cítricos e, a última novidade, a produção de biometano, um combustível retirado dos resíduos agroindustriais, que é transformado em gás veicular totalmente renovável. É a primeira planta registrada no país, com autorização da Agência Nacional de Petróleo. Uma parceria fechada com a Sulgás, companhia de gás do estado e com a Naturovos, a maior produtora de ovos do sul do Brasil – 35 milhões de dúzias entre 2009 e 2011.
Portanto, o título está mais do que justificado. A trajetória da Ecocitrus é reconhecida no setor de agroecologia e dos mercados verdes. O suco é vendido há mais de quatro anos, assim como os óleos essenciais. O composto orgânico, com certificação do Instituto Biodinâmico (IBD), de Botucatu, é comercializado desde 1995, quando criaram a Usina de Compostagem de Resíduos Agroindustriais, na localidade de Passo da Serra, em Montenegro, onde também está instalada a estrutura do gás biometano. Ela trabalha associada com a Cooperativa de Fruticultores da Agricultura Familiar (Coofrutaf), com 260 associados.
Biometano, combustível renovável
A lógica é simples: ao invés de tratar os resíduos de forma aberta, com oxigênio (aeróbica), remexendo o material por 120 dias, encaminham para um biodigestor, um bolsão, onde ele passa por um processo de homogeneização, decantação, peneiramento e aquecimento. O que interessa, nesse caso, é justamente um dos maiores problemas do mundo atualmente – a emissão de gases de efeito estufa. No biodigestor o material em processo anaeróbico, produz metano (CH4), e um pouco de CO2 e compostos de enxofre. O metano é separado das impurezas e se torna um combustível eficiente com 96% de pureza que pode ser usado na produção de energia elétrica, térmica, como combustível de carros, caminhões, ônibus, além de biofertilizante e compostos orgânicos, usados como adubo no solo.
A
Ecocitrus, uma cooperativa de 100 associados, citricultores
ecológicos, que deixaram de usar agrotóxicos há 20 anos, que fazem
parte de cerca de três mil famílias no Vale do Caí, que dependem
da atividade para sobreviver, entra a partir desse momento no mercado
de energia renovável. Não somente renovável, porque a produção
tem como base a biomassa, justamente uma das pontas do Consórcio
Verde Brasil – Ecocitrus, Sulgás e Naturovos -, que é a cama dos
galinheiros das poedeiras da Naturovos. Ela retira o resíduo, um
problema para a avicultura em geral – o Brasil produz 38 bilhões
de unidades por ano, com um plantel de mais de 100 milhões de aves –
e transforma em combustível, que através do processo de combustão
tem uma emissão mínima, menor do que o gás natural, de origem
fóssil.
O RS precisa de gás
Um
parêntesis. O Rio Grande do Sul depende do gás boliviano para
abastecer indústrias, comércio, residências e postos de
combustível. A cota de gás do Gasoduto Brasil-Bolívia, que cabe ao
estado, é de 3 milhões de metros cúbicos por dia. Mais de um
milhão são destinados às usinas térmicas, sobram cerca de 1,7
milhão para o restante. O cálculo, até o final da década, é que
o RS precisaria do dobro de gás para expandir sua base econômica. A
saída estudada é trazer gás liquefeito (GNI) de fora e instalar
uma base de transformação. A Sulgás, estatal responsável pela
distribuição e comercialização do gás importado da Bolívia,
abastece mais de 100 indústrias, 366 estabelecimentos comerciais, 81
postos de combustível e mais de 13 mil residências e tem 650km de
rede canalizada. Deve faturar R$800 milhões em 2013. Roberto
Tejadas, presidente da empresa, comenta o trabalho em Montenegro:
“Nos últimos anos, a Sulgás tem investido em ações para promoção de novas fontes de suprimento de gás natural, entre os quais algumas experiências para o aproveitamento do biogás. Esse é o primeiro projeto que cumpriu os requisitos técnicos da ANP. Acreditamos que existe potencial para esse combustível alcance participação representativa na matriz energética do estado, com a viabilização de outras unidades no interior.”
É uma questão de rota
Albari Gelson Pedroso, geólogo, com experiência em projetos industriais é o diretor da Usina de Compostagem e responsável pelo trabalho do biometano. É um entusiasta. Para ele a produção de novos produtos é apenas uma mudança de rota no uso da biomassa dos resíduos agroindustriais, que a Ecocitrus recebe mensalmente de 150 empresas – são 18 mil toneladas/mês, que geram quatro mil toneladas de compostos orgânicos e duas mil toneladas de biofertilizantes. Os associados da Ecocitrus recebem o fertilizante gratuitamente.
Albari explica que, na verdade eles estão eliminando risco com patógenos e também o cheiro no tratamento, que não é agradável, embora a usina esteja localizada em área afastada do centro urbano. Mas não é só isso. A biomassa tratada ao ar livre perde 2/3 da sua composição. Os gases evaporam, o metano acaba na atmosfera. Com o biodigestor muda totalmente. É claro que a estação da Usina é complexa, não é apenas um bolsão capturando gases. O processo envolve purificação por peneiragem molecular, com a finalidade de retirar o CO2 e os compostos de enxofre, e também a umidade. Após esta etapa, o produto possui as mesmas características do gás natural fóssil. O GNVerde, como eles chamam, é composto basicamente por 96% de metano, menos de 2% de CO2 e traços de outros compostos.
Investimento de R$10 milhões
Depois o gás é armazenado (gasômetro), passa por um processo de compressão e sai na bomba, no próprio local. Já em usado nos carros da Ecocitrus e está sendo testados por outras empresas. Como diz Albari Pedroso, agora é hora de comprovar a eficiência do biometano. Também abriram o projeto a empresas e universidades, que podem instalar equipamentos, motores, por exemplo, para serem testados utilizando o combustível renovável. A Universidade de Caxias do Sul está pesquisando outras tecnologias. A produção atual é de 5 mil metros cúbicos por dia. Até 2015 serão 20 mil, o que dá uma produção mensal de um milhão de metros cúbicos.
A Ecocitrus está investindo R$4 milhões na Usina de Compostagem e os outros dois parceiros do consórcio, a quantia idêntica. O custo total da estação de conversão da biomassa em biometano é de R$12 milhões, segundo Albari Pedroso, é quatro vezes menos do que uma do mesmo tipo construída na Europa. Somados aos R$6 milhões investidos na indústria de sucos e óleo o total alcança os R$10 milhões. Dinheiro que não é nada fácil obter. Parte eles conseguiram via Pronaf-Agroindústria, via Banco Regional de Desenvolvimento Econômico (BRDE), parte com o Banco do Brasil.
Fábio
José Esswein, presidente da Ecocitrus, que foi o guia da visita no
ultimo dia 12, explica a dificuldade:
“Nos batalhamos durante dois anos para conseguir o empréstimo. O banco quer garantia. E a gente não tem. Estamos usando recursos próprios nos investimentos. E nos temos problemas de capital de giro, porque o agricultor associado precisa ter uma renda mensal. A nossa atividade e concentrada em quatro meses do ano – de julho até outubro. Depois de processar o suco, inclusive exportando, levamos até nove meses para comercializar. É uma situação difícil. Buscar capital de giro no banco e pagar de 5,5 ate 13 % de juros.”
Agricultura familiar de dona da cadeia produtiva
A Ecocitrus é uma referência no Vale do Cai e também em um dos 30 polos de citricultura do pais. Consegue pagar o dobro do preço pela fruta, no caso da bergamota, o RS e o segundo maior produtor do Brasil. No caso do óleo a matéria-prima utilizada vem da poda antecipada, que eles chamam de raleio – frutas que precisam ser descartadas. Antigamente recebiam de três a quatro reais por caixa. Hoje em dia, recebem mais de sete reais. Fábio Esswein gosta de salientar que a agricultura familiar precisa ocupar toda a cadeia produtiva, para não ficar na mão de intermediários. Foi assumindo a industrialização que eles entenderam como é possível pagar mais pela matéria-prima. Uma dura lição que já dura 20 anos e ainda tem muito para avançar. Ou a agricultura familiar assume a cadeia produtiva, diz Fabio Esswein, ou vai ser engolida pelo agronegócio.
No RS a soja continua avançando em regiões de pequenas propriedades, como o Alto Uruguai e a região Nordeste. No Vale do Caí, a fabrica esta na porta do agricultor atraindo seus filhos. Eles continuam morando com os pais, não se interessam mais pela terra, ganham R$800, 900 reais, compram uma moto e abandonam o campo. Na Ecocitrus muitos filhos de associados trabalham na estrutura industrial. Alguns estão cursando a universidade. É uma forma de manter a família na terra, um problema mundial, pois a idade média dos agricultores em alguns países já passou dos 60 anos, como a Espanha e Coreia do Sul, em outros está chegando lá, como nos Estados Unidos (58 anos). Quem vai produzir alimentos? Não será o agronegócio, que só produz commodities, só trabalha com maquinário, não gosta de gente no campo, muito menos de agricultura familiar ou agroecologia.